Tenho uma relação muito próxima, de amizade, com os árabes. Tenho amigos entre os importadores árabes. Isso tudo começou em 2007 quando fui a uma missão com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e a Câmara de Comércio Árabe Brasileira para o Marrocos, Tunísia e Egito. Eu tinha que trazer negócios para a Braseco no Brasil porque senão a empresa poderia fechar. Exportávamos vidros e madeiras para a África, mas em 2005 houve um boom da construção civil no Brasil e as empresas que representávamos não tinham mais disponibilidade de produtos suficiente para exportar, pois precisavam atender o mercado interno. Mesmo assim, eu continuei tendo o suficiente para mover alguns negócios.
Na missão eu não consegui vender no Marrocos porque está muito próximo da Espanha e a gente não competia em preço de jeito nenhum. A Tunísia precisava do material em francês e nem todas as empresas brasileiras têm material em francês. Mas nós fomos para o Egito e eu tive a oportunidade de conhecer a maior empresa processadora de vidros no Egito, a Dr. Greiche. Essa empresa é fabricante de espelhos e para-brisas, eu queria muito vender para eles nem que fosse vidro automotivo. Aí comecei a comprar espelhos deles para vender na África e para fazer amizade. Mandava para Angola, mandava para Gana. Em seguida eles começaram a comprar vidro automotivo comigo. Eu não tinha vidro para arquitetura, mas tinha automotivo, que é um vidro especial. Foi uma troca. Depois dessa missão voltei para o Egito, fui na embaixada do Brasil no Cairo para saber quem mais comprava vidro automotivo, conheci outras empresas e daí comecei também a vender outros tipos de vidro especiais.
“Essa feira recebe todo o mundo árabe e ali foi minha arrancada”
Depois fui a uma missão com a Apex e a Câmara Árabe para Catar, Kuwait e Emirados. Nessa viagem fomos para a Big 5, feira do setor de construção em Dubai, e foi impressionante. Essa feira recebe todo o mundo árabe e também importadores do continente africano. Ali foi minha arrancada. O primeiro negócio que fiz foi um projeto de portas, janelas e móveis planejados em Omã. Foi um projeto maravilhoso. Depois fizemos outro grande projeto para a Nigéria com uma construtora libanesa, tudo a partir de Dubai. Participei de outras missões da Apex e da Câmara Árabe, fui a três feiras Big 5, e um cliente foi indicando o outro. A Andrea [Monteiro Uhlmann, ex-diretora operacional da Câmara Árabe, já falecida] me ajudou muito, quando eu não ia nas feiras, mandava material por ela.
Atualmente a Braseco exporta principalmente produtos das empresas Cebrace, Duratex, Berneck, Solida e Eucatex . Vendemos principalmente vidro e madeira. No mundo árabe exportamos hoje para a Jordânia, Arábia Saudita, Emirados e Egito. Esses países representam 70% do nosso volume de negócios.
“A razão de eu ter sido contratada foi porque eu falava inglês e sabia datilografia”
Mas os árabes fizeram parte da minha história ainda antes. Quando eu era estudante de Publicidade e Propaganda, trabalhei como secretária em uma empresa de representação comercial para exportação. O dono, o Guilherme Hannud, era de família síria. O Guilherme atuava na África e grande parte dos clientes deles eram libaneses que migraram para lá. Foi meu primeiro emprego e a razão de eu ter sido contratada foi porque eu falava inglês e sabia datilografia. Minha mãe era enfermeira geriátrica do avô do Guilherme.
Eu também trabalhei com o seu Joseph Nassar, um libanês, e depois fui convidada para trabalhar em uma empresa japonesa, a Nishizawa. A Nishizawa e a Braseco, empresa alemã, abriram um escritório conjunto no Brasil. A Nishizawa comprava muito tecido e fios têxteis, porém, essa área passou por uma fase difícil na época, então a empresa foi embora do Brasil. Como o foco da Braseco era material de construção, esta decidiu ficar e fui convidada para entrar na sociedade do escritório no Brasil.
Eu tinha um conhecimento vago sobre os árabes, em função das empresas que trabalhei, mas eu não tinha uma vivência da cultura árabe. Na primeira Big 5 da qual participei dividi estande com o Igor [Erhard Kaufeld], que trabalhava comigo na parte de madeira. Todo os homens que entravam no estande me pediam café, me pediam água, mas falavam de negócios com o Igor. Eu fiquei na minha. Só que o Igor vinha até mim fazer perguntas e eles começaram a perceber que eu era alguma coisa. Então os importadores começaram a vir falar comigo e me pediram para participar das conversas no estande. Foi bem interessante e foi positivo.
“Fui sob o guarda-chuva da Câmara Árabe e da Apex”
Acho que o que me ajudou a abrir o mercado árabe foi que eu não fui para lá sozinha de primeira, fui sob o guarda-chuva da Câmara Árabe e da Apex. Depois a Câmara trouxe importadores para o Brasil, a Apex também trouxe, eu os encontrei no Brasil, eles foram percebendo que havia uma seriedade. Quando você passa uma cotação correta, responde rápido, dá satisfação, atende o cliente, vai criando uma confiança.
Quando viajei para a Arábia Saudita fui sozinha porque o pessoal da Apex foi antes. Eu não tinha aquela roupa que as mulheres usam lá, mas coloquei uma roupa decente, uma calça comprida, uma blusa e levei uma echarpe comigo. No embarque vi as pessoas com roupas como eu, mas quando descemos em Riad o pessoal já começou a cobrir a cabeça. Então eu desci no aeroporto e um guarda veio falar comigo. Eu disse que não falava árabe e ele perguntou de onde eu era. Quando eu falei que era brasileira ele abriu os braços e disse: “Brasiiiiilllll”. Aí eu sorri e ele já começou a falar de Ronaldinho, perguntou se eu conhecia o Ronaldinho e falou para mim: “Olha, aqui é a fila das mulheres (na Imigração), a senhora vai para lá e quando sair, a senhora cobre a cabeça, não ande sem cobrir a cabeça, nem no aeroporto, nem na rua, o único lugar em que a senhora pode andar sem cobrir a cabeça é no hotel”. Ele foi muito gentil. Quando eu saí da imigração o pessoal da Apex estava me esperando, eles levaram a roupa para as mulheres e me vesti com ela. Foi uma experiência interessante porque nesta missão consegui fazer negócio. Negociei com os sauditas, vestida do jeito deles (com abaya e hijab), e comecei a vender para eles.
“Eu estou vendendo hoje em Bermudas!”
Eu tenho 40 anos de comércio exterior e eu não me canso de aprender. Cada viagem, cada missão, cada cliente me traz algo diferente. É impressionante como você aprende com o comércio exterior, você fala com gente do mundo inteiro. Eu estou vendendo hoje em Bermudas! Estou conhecendo uma outra cultura, não sei se o cliente é branco, é preto, é amarelo, não sei como ele é. É uma experiência muito boa.
Eu agradeço a Deus que comecei nessa área e nunca fiz outra coisa. Eu estudei inglês desde pequena. Minha mãe conta que quando eu ouvia alguém falando outra língua eu corria, ainda pequenininha, para ouvir. Foi o inglês que me levou para essa área, se eu não falasse inglês o Guilherme não teria me contratado. Nunca imaginei trabalhar com comércio exterior, nem me passava pela cabeça o que era comércio exterior, mas eu me apaixonei desde o início. A primeira vez que eu fui para a Nigéria e vi desembarcando os meus vidros no armazém do cliente, eu chorei. Era como se fosse um parto. É muito bom quando você chega no armazém do cliente e vê o nosso material, do Brasil, vê o cliente entrando, se interessando e comprando. Não dá para explicar!
Hoje também tenho gostado muito de incutir nas empresas a mentalidade exportadora, a mentalidade globalizada que o brasileiro não tem. Sou vice-presidente do Conselho Brasileiro das Empresas Comerciais Exportadoras (Ceciex), que é o braço internacional da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), e fazemos muitas ações com o Peiex (Programa de Qualificação para a Exportação), da Apex, que desenvolve pequenas empresas para exportação. As pequenas têm medo da exportação e o Ceciex propõe que as comerciais exportadoras sejam uma porta de entrada para essas empresas no mercado internacional.