Ninguém vai ganhar com a crise financeira internacional. No Brasil, embora o país esteja muito mais preparado do que no passado para enfrentar turbulências externas, os efeitos já são sentidos nos mercados de capitais e financeiro e, para 2009, é esperado um crescimento mais modesto da economia real.
Na sexta-feira, mesmo após a aprovação do pacote de socorro aos bancos pelos Estados Unidos, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, caiu 3,53% e chegou a 44.517 pontos, o menor nível desde março do ano passado. Em Nova York, a bolsa também caiu. A cotação do dólar subiu 1,14% e chegou a R$ 2,044, a maior desde agosto de 2007. Isso indica que os operadores do mercado ainda não sabem qual será o alcance real das medidas do governo norte-americano.
“Isso vai levar algum tempo, pois existem dúvidas a respeito do peso do pacote sobre os ativos que estão sendo questionados”, disse à ANBA o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Falta credibilidade. Por melhor que o pacote possa ser, haverá muita insegurança sobre se ele vai funcionar enquanto não passar essa fase”, acrescentou o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
Os especialistas concordam que a economia brasileira continua sólida e tem gordura para queimar. As reservas em moeda estrangeira somam mais de US$ 200 bilhões, há anos o governo adota políticas austeras nas áreas monetária e fiscal, com metas de inflação e de superávit primário, a dívida do país está sob controle e este ano ele se tornou credor externo. Além disso, o sistema bancário nacional continua bastante saudável.
O Secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Michel Alaby, acrescentou que no longo prazo o Brasil vai se beneficiar das receitas da produção de petróleo nas reservas recentemente descobertas a grandes profundidades na Bacia de Santos e do desenvolvimento do mercado mundial de energias limpas, já que domina as tecnologias de produção de biocombustíveis em larga escala.
Os efeitos da crise, porém, já são sentidos em alguns segmentos de economia real com a diminuição das linhas de crédito ao redor do mundo e aumento dos juros para financiamentos. No Brasil isso é especialmente prejudicial ao setor exportador.
Alaby ressalta que as taxas cobradas sobre as linhas de adiantamento de contrato de câmbio (ACC), modalidade de financiamento à exportação, saltaram de 6% ao ano para 16,5% ao ano em apenas duas semanas. “São poucas as linhas de ACC que aparecem e estão mais caras. O empresário só vai usá-las se não tiver outra opção”, declarou Castro.
Medidas
Para aliviar o arrocho do crédito, o governo brasileiro anunciou na semana passada a antecipação da liberação de R$ 5 bilhões pelo Banco do Brasil para garantir o financiamento ao setor rural. Além disso, o Banco Central aliviou as regras do depósito compulsório que os bancos têm que fazer junto à instituição, o que deverá resultar em R$ 23,5 bilhões a mais de dinheiro no mercado. O Conselho Monetário Nacional (CMN), por sua vez, manteve a taxa de juros de longo prazo (TJLP) em 6,25% ao ano. Essa é taxa utilizada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nos empréstimos ao setor produtivo.
Ainda não se sabe, porém, se essas medidas vão bastar para satisfazer a sede por crédito da economia brasileira. “O governo tomou a decisão correta, mas se ela será suficiente ou não nós só vamos saber nos próximos dias”, destacou Belluzzo. Ele considera, no entanto, que o Brasil terá espaço para avançar nas medidas caso seja necessário.
Os juros mais altos acabam eliminando os ganhos que os exportadores poderiam ter com a valorização do dólar frente ao real, o que em tese tornaria os produtos brasileiros mais baratos no exterior. Além disso, a menor liquidez e as perspectivas de recessão na maior economia do mundo forçam para baixo a demanda internacional por mercadorias e, conseqüentemente, os preços das commodities. E o Brasil é grande exportador de commodities agrícolas e minerais.
O dólar mais valorizado contamina também o mercado interno, pois torna mais caros os insumos importados utilizados no país e onera as empresas que têm dívidas em moeda estrangeira. Vale lembrar que até pouco tempo atrás havia grande disponibilidade de crédito barato ao redor do mundo. Os bens de consumo ficam também mais caros. Todos esses fatores podem pressionar a inflação, obrigando o Comitê de Política Monetária a aumentar ainda mais a taxa básica de juros, a Selic.
Belluzzo ressalta, porém, que num cenário de arrefecimento da demanda mundial dificilmente as empresas terão espaço para repassar o aumento de custos para o consumidor. “Se a desaceleração for forte, não há câmbio que consiga impulsionar a inflação”, ressaltou.
Correr atrás
Para Michel Alaby, os países “que têm gordura para queimar”, como Brasil, China, Rússia e Índia, podem sofrer menos com a crise por causa da amplitude seus mercados internos. Só para dar uma idéia, mesmo durante um período de incertezas, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) elevou suas previsões de crescimento do setor industrial e do PIB brasileiro em 2008 para 5,5% e 5,3%, respectivamente. Justamente por causa da demanda interna, que continua aquecida.
Alaby destacou, no entanto, que a China pode sofrer com a retração nos Estados Unidos e começar a procurar cada vez mais espaço para seus produtos em outros mercados, inclusive na América Latina. Nesse sentido, ele defende que, mesmo sob condições adversas, os exportadores brasileiros devem buscar se consolidar em mercados ainda não tão afetados pela crise, especialmente o Oriente Médio e o Extremo Oriente.
Se em 2008, que já está chegando ao fim, não se espera grandes mudanças no cenário econômico brasileiro, para 2009 a coisa muda de figura. Como ainda não se sabe qual será o fundo do poço da crise, fica difícil fazer previsões. Castro tem uma opinião pessimista. Ele acredita que a balança comercial brasileira vai encolher, poderá até ter déficit, e economia vai crescer menos.
Para Belluzzo, só será possível ter uma visão mais clara a partir de agora, com a intervenção de governos nos mercados. Ele defende uma ação firme nesse sentido. Já Alaby acredita que a escassez do crédito não deverá durar mais do que quatro meses e a cotação do dólar deverá estacionar em algum patamar pouco abaixo dos R$ 2,00.