São Paulo – Há dez anos foram vendidos em todo o mundo 130 mil veículos elétricos. Hoje, essa mesma quantidade pode ser comercializada em apenas uma semana. A participação dos carros elétricos no mercado foi aumentando ano a ano, e, nos últimos três, contrariando a tendência imposta pela pandemia, que encolheu a venda de carros convencionais, os elétricos tiveram um crescimento impressionante: em 2019, saíram das fábricas 2,2 milhões de unidades, que significaram 2,5% do mercado total. Em 2020, essa faixa subiu para 4,1%, com 3 milhões de veículos e, no ano passado, com a venda de 6,6 milhões de carros elétricos, essa participação atingiu 9% do total. Para este ano, as projeções indicam que a parcela deve dobrar e chegar a 18%. Os carros elétricos prometem um futuro, e até mesmo um presente, mais sustentável, limpo e tecnológico.
De acordo com relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), estima-se que haja 16 milhões deles rodando pelo mundo, consumindo cerca de 30 terawatts-hora (TWh) de eletricidade por ano, um volume que corresponde a toda a energia gerada na Irlanda. Esse movimento tende a crescer. A Arábia Saudita, o segundo maior produtor de petróleo do mundo, anunciou em março a abertura da primeira fábrica de veículos elétricos na capital do país. A China lidera o crescimento global desse mercado. Em 2021, as vendas no país asiático atingiram as 3,4 milhões de unidades. Isso quer dizer que, no ano passado, mais carros elétricos foram vendidos na China do que em todo o mundo em 2020. Neste ano, o país segue na liderança e, segundo o presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Adalberto Maluf, deve permanecer nesse patamar por um bom tempo. “Há uma política para incentivar esse comércio na China. Os juros para a compra de um elétrico, por exemplo, representam a metade do que é cobrado quando a opção é por um carro convencional.” A meta oficial do governo chinês é que, até 2025, os carros elétricos ocupem 20% do mercado.
Na Europa, em termos absolutos, o maior mercado de carros elétricos foi a Alemanha, onde mais de um em cada três carros novos vendidos, entre novembro e dezembro de 2021, eram elétricos. Nos Estados Unidos, foi vendido meio milhão de eletrificados no ano passado. Um deles foi o Ford Mustang Mach-e com alcance estendido, cuja bateria oferece uma autonomia de até 306 milhas (ou cerca de 490km), comprado por Guadalupe Albuquerque (39 anos). A gaúcha explica que a opção por um elétrico foi baseada nos benefícios que esse tipo de máquina oferece: “são menos poluentes; o custo para abastecer é baixo, assim como a manutenção; são silenciosos, pois não têm os solavancos do motor e, para completar, o governo norte-americano me devolve um crédito de U$ 7.500 em impostos”. Onde vive, o status que essa propriedade lhe confere vem a reboque.
No Brasil, sem incentivos relevantes para pessoas física ou jurídica, o mercado cresce, mas em outro ritmo. Segundo o IBGE, em 15 anos, a frota de carros no país foi de 45 milhões em 2006 para 111,4 milhões no ano passado. Nesse universo, o número de eletrificados rodando é de apenas 90 mil carros, mas deve passar de cem mil até agosto, segundo estimativas, conta Maluf. Entre janeiro e maio deste ano, foram vendidas 16.354 unidades, um crescimento de 54% sobre os 10.392 comprados nos cinco primeiros meses de 2021. No primeiro quadrimestre deste ano, as vendas significaram 2,5% de toda a frota, diz o presidente da ABVE. “Os mais procurados ainda são os híbridos, com 60% do mercado. São carros com dois motores, um a combustão e um elétrico, que funciona com uma pequena bateria sem recarga externa, e os chamados Plug-in, que podem rodar totalmente como elétricos ou 100% a combustão, depende da necessidade”, explica.
Um mercado a ocupar
Os híbridos lideram porque a infraestrutura para atender aos veículos elétricos ainda está sendo construída no Brasil. A falta de pontos de carregamento nas estradas é um dos problemas para os donos desse tipo de veículo, pois se não houver planejamento, o motorista pode voltar para casa rebocado por um guincho. É nesse gargalo que a GreenV, uma startup que desenvolve tecnologias para mobilidade elétrica, vê oportunidades. “Existe uma demanda exponencial no país, que tem uma das maiores frotas do mundo. É um mercado expressivo para iniciativas que envolvem veículos elétricos, já que eles vieram para ficar”, garante Junior Miranda, CEO da empresa que em 2021, mesmo ano em que foi criada, recebeu um aporte de R$ 22 milhões de um fundo americano, cujo nome não revela, para investir no país. Presente em 24 estados e com 2.500 pontos de recarga já instalados, a empresa quer ampliar significativamente sua presença até 2025. “Temos projetos de parceria com montadoras, estacionamentos e empreendimentos para expandir a infraestrutura de carregamento, tanto para carga lenta e semirrápida quanto para carga rápida, possibilitando que mais veículos desse tipo rodem nas cidades e nas estradas.”
Junior diz que já existem rodovias brasileiras com pontos de carregamento ao longo do seu percurso. “É o caso da BR-277, no Paraná, que corta o estado de leste a oeste, e da Rodovia Presidente Dutra, que liga as capitais de São Paulo e do Rio de Janeiro. Além disso, está cada vez mais frequente encontrar estações de recarga em postos de combustível, com áreas exclusivas para veículos elétricos”, pondera. Num país com o tamanho do Brasil não parece muito. Nos Estados Unidos, quando está fora da sua cidade, Guadalupe usa um aplicativo para saber onde poderá alimentar a bateria do carro e de quanto tempo dispõe até que isso seja necessário. Segundo Maluf, a chegada do 5G ao Brasil vai trazer mais velocidade e menor latência à internet e, com isso, a experiência de dirigir um carro elétrico será ainda melhor. “Com a internet das coisas, que é máquina falando com máquina, a transferência de dados será mais inteligente e eficiente.”
Guadalupe vive em Emeryville, uma cidade com pouco mais de 12 mil habitantes, que fica perto de São Francisco, na Califórnia. Ela calcula que no condomínio onde vive há cerca de 500 pessoas e, ela arrisca, 30% têm carros elétricos. Com essa demanda, já solicitaram a instalação de pontos de recarga dentro do condomínio, o que vai exigir uma pequena obra no prédio. Enquanto aguarda a reforma, a brasileira diz que há outras duas opções de recarregamento. Uma delas é plugar o carro na tomada de casa e aguardar cerca de cinco dias antes de rodar novamente. A outra, mais realista, é recarregar perto de casa, em shoppings, supermercados ou pontos exclusivos, e aguardar meia hora até que o carro esteja abastecido. Quando não viaja, ela repete esse processo a cada duas semanas e gasta US$ 30 por mês.
No Brasil, segundo Maluf, em muitos lugares o serviço de recarga nem é cobrado. “Há empreendimentos instalando pontos de carregamento para oferecer mais um serviço ao cliente, enquanto ele faz compras, por exemplo”, explica. Para calcular a economia, Maluf faz uma conta simples: “cada R$ 100 gastos em combustível equivalem a R$ 10 em energia”. Quando o veículo é recarregado em casa, não há diferença sensível na conta de luz, diz ele. De acordo com Junior, “o aumento é plenamente compensado com a redução dos custos com combustíveis fósseis. A despesa fica de três a cinco vezes mais barata”. Para ter o seu “é preciso instalar um kit de proteção, infraestrutura, cabeamento e ponto de energia, que custa a partir de R$ 3 mil. E compensa, pois o motorista ganha autonomia ao poder adaptar as recargas à sua rotina, e não o contrário”. Junior dá como referência um modelo com capacidade de bateria de 30,2 kWh: “com a tarifa de energia a R$ 0,92/kWh, carregar totalmente o veículo vai custar cerca de R$ 27”.
No Brasil, o preço premium associado aos carros elétricos é um dos motivos que explicam a lenta adesão à nova tecnologia. “Há mais de 70 modelos disponíveis e, praticamente todos, são de luxo”, revela Maluf. Quem lidera o ranking de vendas entre os eletrificados é o Toyota Corolla Cross (a partir de R$ 158 mil), com 5.240 unidades emplacadas nos quatro primeiros meses de 2022. Na sequência, com 2.329 unidades vendidas no mesmo período está o Altis, outro Toyota Corolla (R$ 177 mil). Na terceira posição, com 638 unidades emplacadas, aparece o Volvo XC60 (R$ 390 mil). “O público que compra um elétrico é mais velho, com idade entre 40 e 60 anos, e ótimo poder aquisitivo”. Mas ele também destaca que há nichos, como empresários que adotam a logística verde e pessoas preocupadas em evitar queima de óleo e emissões de CO2.
Junior acredita que a expansão das redes de recarga no país acontecerá em todos os formatos: residencial, público e privado, mas ressalta: “uma vez que a legislação seja adaptada para essa expansão”. Em 31 de março de 2021, entrou em vigor na cidade de São Paulo, uma lei que determina que todos os edifícios em construção na capital, sejam eles comerciais ou residenciais, instalem pontos de recarga para veículos elétricos. O texto da lei não define quantos pontos devem ser implantados em cada unidade, só que é preciso obedecer às normas técnicas brasileiras e que a medição do gasto e sua cobrança devem ser individualizadas. Estamos começando.
Pequeno dicionário:
HEV (Hybrid Electric Vehicle) – “Veículo Elétrico Híbrido” é a tradução para a sigla que explica um carro que combina um motor a combustão a uma ou mais unidades elétricas que não precisam de recarga externa. O Brasil é o único país do mundo que possuí híbridos flex.
PHEV (Plug-in Hybrid Electric Vehicle) – Em tradução livre para o português seria “Veículo Híbrido Plugável”, um híbrido cuja bateria recebe recarga externa em tomadas ou eletropontos, como se fosse um automóvel 100% elétrico. Sua coleção de baterias costuma ser maior do que a dos carros híbridos.
BEV (Batery Electric Vehicle) – Sigla em inglês para “Veículo Elétrico a Bateria”. Esse tipo de veículo é necessariamente um elétrico com um conjunto de baterias que alimenta os motores. Elas precisam de recarga externa em tomadas ou carregadores rápidos.
EV (Electric Vehicle) – Sigla em inglês para “Veículo Elétrico” que define os modelos que se deslocam usando apenas motores elétricos.
*Reportagem de Paula Medeiros, especial para a ANBA