São Paulo – A desvalorização global do dólar vem gerando, entre países emergentes como o Brasil, temores sobre os novos rumos do comércio internacional. Os Estados Unidos já sinalizaram, incentivando a queda da cotação da sua moeda, que pretendem ganhar fôlego nas exportações e reduzir importações, o que poderá mexer bastante com as economias de países que encontram, no maior mercado do mundo, forte clientela para suas exportações.
O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, explica que o dólar desvalorizado facilita investimentos nos Estados Unidos e ajuda o país a gerar empregos para recuperar a economia. Em ano eleitoral, como o que vive os Estados Unidos, isso tem mais peso. Mas traz reflexos para o restante do mundo. "Essa desvalorização interfere e gera insegurança no comércio mundial", afirma Castro.
O processo de desvalorização do dólar, apesar de atualmente ser incentivado pelo governo norte-americano, também é reflexo de um movimento natural, de enfraquecimento da economia dos Estados Unidos. Como outras economias, entre elas o Brasil, têm juros mais atraentes (no Brasil a taxa é 10,75%), os investidores acabam migrando para estes locais com seus dólares e gerando desvalorização da moeda norte-americana.
"Alguns países emergentes estão atraindo investimentos, não apenas em títulos, mas também em infraestrutura, onde se mostram atraentes", afirma o economista da área internacional e de mercado financeiro da Tendências – Consultoria Econômica, Raphael Martello. A desvalorização do dólar, então, vem ganhando força em países emergentes. "Só não na China porque a China controla o câmbio", explica Martello. "Eles mantêm o dólar em patamar valorizado, mas fizeram uma pequena desvalorização para conter a pressão inflacionária, muito cautelosamente para não atrapalhar a plataforma exportadora que têm", diz.
Martello entende que esse é um momento de ajuste mundial. "É um ajuste que os países têm que sofrer, a economia dos Estados Unidos está com menos força, a moeda tende a perder valor", diz. Os governos das economias emergentes, no entanto, vêm trabalhando pesado para não deixar o dólar cair tanto e suas exportações perderem ritmo. É o caso do Brasil, onde o Ministério da Fazenda aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para investidores estrangeiros em renda fixa, para inibir a forte entrada de dólares, e ainda estuda mais medidas. O mercado afirma que as iniciativas já estão surtindo efeitos.
Os países entendem que esse esforço é necessário porque, os Estados Unidos, além de serem fortes produtores e exportadores de commodities, principalmente agrícolas, são também fabricantes e fornecedores mundiais de manufaturados. Ou seja, uma maior exportação norte-americana nestas áreas afetaria outros produtores. Por enquanto, porém, a alta do preço das commodities vem assegurando ganhos com exportações de países emergentes como o Brasil.
O crescimento dos preços das commodities acontece em função da forte liquidez mundial, com muitos investidores aplicando em ativos financeiros ligados a commodities.
Enquanto os preços das commodities se mantiverem elevados, economias como a brasileira e outras sul-americanas estão bem, afirma Castro. "Para o Brasil, isso é ótimo, há possibilidade de gerar mais receita, o Brasil é exportador de commodities. Mas esses preços têm um limite", lembra o vice-presidente da AEB. Como o Brasil exporta muitos manufaturados para a América do Sul, encontra nestes mercados, que são produtores de commodities, mais poder de compra para os seus produtos.
Essa alta nos preços das commodities, no entanto, também traz um perigo, de geração de inflação. Com isso, os governos teriam que aumentar juros, reduzindo assim o crescimento global e trazendo perigo de recessão.
A guerra começou antes
Apesar de só agora ter entrado na moda o tema "guerra cambial", os exportadores brasileiros afirmam que já vivem os seus reflexos há um bom tempo. Alfredo de Goeye, presidente da Sertrading, que está entre as grandes tradings do Brasil, conta que a empresa praticamente deixou de exportar leite, o seu principal produto no comércio internacional. A pressão da valorização do real vem sendo sentida pela empresa há cerca de um ano, segundo ele.
A Sertrading atendia mercados como América Latina, Oriente Médio e África. "Fomos ficando fora do mercado", diz, explicando que os motivos que fizeram a empresa parar com a exportação foi a impossibilidade oferecer preços compatíveis com o mercado. Com isso, a Sertrading passou a atuar forte em outra frente, que é prestação de serviços de importação, principalmente de materiais de construção e máquinas.
E o euro?
Mas o enfraquecimento do dólar, além de gerar prejuízos em alguns países, traz também a tendência de mudança da moeda que é referência no mercado mundial? O mercado cogita essa possibilidade, mas os especialistas dizem que isso não deverá ocorrer, principalmente pela falta de um sucessor. "O mercado está cauteloso com isso", afirma Martello, da Tendências. O euro, no entanto, passa por situação parecida com o dólar, com o enfraquecimento das economias européias. "O euro foi junto com a crise", diz.
O Yuan é outra possibilidade, pela força da economia chinesa, mas o governo da China já sinalizou que não quer essa responsabilidade. A China não permite nem que transações internacionais – salvo raras exceções previstas em acordo – sejam feitas com a sua moeda. "Não há um sucessor", diz Martello.

