São Paulo – Um jovem de origem árabe que almejava uma vida melhor e que, envolvido por outras pessoas, viaja atrás de tesouros e vive aventuras fantásticas. Palácios, princesas, joias e uma lâmpada são elementos no caminho. Sim, esse é Aladim, o personagem de um conto que foi inserido na história das “Mil e Um Noites”. Também é Hanna Diab, um jovem sírio, da cidade de Alepo, que viajou para a Europa em 1709, conheceu o Palácio de Versailles e compartilhou histórias com o tradutor francês que publicou as “Mil e Uma Noites” pela primeira vez num idioma ocidental, Antoine Galland.
É desse encontro que surge a publicação da história de Aladim pelo francês. Mas o próprio registro da conversa se perdeu no tempo. Enquanto a Disney lança seu filme que revisita o clássico, um brasileiro celebra a história original que descobriu após anos de pesquisa. Paulo Lemos Horta é especialista em “As Mil e Uma Noites” e editor de uma nova versão do conto Aladim. Ele tem um tanto em comum com a história pela qual é fascinado. Tanto Horta quanto a história do jovem árabe cresceram sob a influência de diversas culturas.
A profissão do pai, diplomata brasileiro, permitiu que Horta vivesse em diferentes países e cidades, incluindo Brasília e Rio de Janeiro. Da mãe, ele herdou a conexão com a história de Aladim. “Minha mãe, de Belém de Pará, foi órfã. Foi ela quem me contou a história do Aladim, a primeira que me lembro. Tinha curiosidade sobre algo que não existe [por escrito] em árabe e apareceu pela primeira vez em francês. E eu sempre pensando: como é que se resolve esse mistério?”, disse Horta à ANBA.
Paulo se tornou professor de Literatura na New York University (NYU) em Abu Dhabi, onde lecionou por mais de sete anos e de onde se despede neste semestre. Em sua pesquisa, Horta chegou aos diários dos tradutores da obra para o francês, onde eles revelavam as verdadeiras fontes de suas histórias. A descoberta o instigou a publicar o livro “Ladrões Maravilhosos: os autores secretos das Mil e Uma Noites” e, este ano, a editar uma nova versão do conto original de Aladim (recorte da capa na imagem do alto). A tradução do francês para o inglês tem edição de Paulo, já a obra lançada no Brasil em maio recebe dele a organização, apresentação e novo prefácio.
Descobrir a participação ativa de um árabe na criação da história é o principal motivo para o lançamento. “O tradutor pegou a personagem de um viajante árabe. A grande revolução é que a gente pensava que a maior parte do valor literário veio do francês. Agora, sabemos que boa parte do valor vem do sírio Hanna Diab. Não é só um sonho francês do mundo árabe. Talvez seja um sonho árabe do mundo francês. Se ele inventou a história ou não, ele a escolheu. Foi transmitida através desse contador de histórias que não conhecíamos”, declarou Horta.
Para desvendar o mistério, Paulo Horta recorreu ao diário de Hanna Diab, que contou sobre seu encontro com “um velho que precisava de histórias”. Na mesma linha, Galland mencionava em seu diário ter ouvido a história de Aladim por Diab. Assim, com a inclusão de histórias contadas pelo sírio, o francês conseguiu concluir as “Mil e Uma Noites”, que até então tinha apenas 40 histórias que constavam do manuscrito árabe original, e que durariam apenas 280 noites. “Mas ele nunca mencionou Hanna quando foi publicada a história”, afirmou o professor que encontrou a peça que faltava, o diário do sírio, no Vaticano.
Aladim da vida real?
Outro ponto são os traços em comum entre o viajante de Alepo e o próprio Aladim. “Ele era muito jovem, tinha 20 anos no máximo. Era o mais novo de vários irmãos e queria vender tecidos no “souk” (mercado), só que os irmãos mais velhos sempre tinham preferência. Por isso, fugiu de casa, e Paul Lucas, um aventureiro, o levou para Paris. Eles tiveram várias aventuras antes dessa viagem. O Lucas era literalmente um ‘tomb raider’. Ele queria entrar nas igrejas abandonas para roubar objetos para levar para a Europa”, revelou Horta.
As coincidências continuam. No conto original, há dois gênios: um da lâmpada e outro de um anel. Em seu diário, Hanna narra que em sua primeira aventura com Paul Lucas, eles encontraram um anel e uma lâmpada. O próprio Lucas tem traços em comum com os dois vilões da história original. Enquanto em Aladim a princesa vive em um palácio, Hanna registrou em seu diário o encanto que teve com o palácio de Versailles. “Talvez o palácio de Aladim seja Hanna Diab lembrando a incrível impressão que deixou Versailles em alguém que veio do mundo árabe e foi levado ao palácio como uma atração”, pontuou.
Para o professor, o sincretismo da obra vem da cidade cosmopolita que Alepo era à época em que recebia mercadorias e influências dos continentes asiático e europeu. “De um lado, essa grande sensibilidade de cosmopolita do sírio e, de outro, a experiência do tradutor francês, que já havia viajado ao mundo árabe. Não é possível dizer exatamente que detalhe vem de qual homem. Acho que isso tem a ver com a popularidade do conto”, contou Horta.
E o que aconteceu com o sírio, um Aladim da vida real? “Poucas pessoas perguntam isso. Ele volta muito desiludido com as falsas promessas que recebeu na Europa. Chega a flertar com a vida de malandro e finge ser médico em Istambul. Mas acaba retornando a Alepo. Felizmente, temos além do relato de viagem, que ele escreveu quando tinha 70 anos, os registros do Censo em Alepo, que mostram que, quando faleceu, Hanna tinha uma das maiores casas da cidade e tinha sido um comerciante de muito sucesso. De alguma maneira, ele conseguiu transformar seu conhecimento e contato nas viagens pela Europa e certamente isso ajudou na carreira dele como vendedor de tecidos”, revelou o professor Paulo Horta.
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