São Paulo – Você já deve ter notado nas gôndolas do supermercado que as galinhas que botam ovos andam cada vez mais livres e alegres. Termos como “livres de gaiola”, “galinhas felizes” e “bem-estar animal” têm aparecido nas embalagens de ovos com mais frequência. Mercado em alta no mundo, a produção de ovos chocados por aves que têm seu comportamento natural respeitado é mais que uma tendência no Brasil – é um caminho sem volta. Embora ainda pequeno, representando cerca de 4% do total de ovos produzidos no País, cresce o número de granjas que querem libertar suas galinhas do modelo tradicional e ultrapassado e de fazendas que já nascem respeitando o bem-estar animal. Na foto acima, Murilo Pinto, da Mantiqueira, uma das produtoras do setor.
Quem atesta o crescimento é Luiz Mazzon, diretor-geral do Instituto Certified Humane Brasil, o braço sul-americano da Humane Farm Animal Care, criada nos Estados Unidos. Quando começou, em 2016, o Instituto Certified Humane era a única organização certificadora de bem-estar animal (ovos de galinhas livres). Seis anos depois, vê com satisfação o crescimento médio de 20% na produção trimestral de ovos dentre todas as granjas certificadas no Brasil. O Certified Humane já certificou 81 granjas e 3,5 milhões de aves no País. Existe muita gente produzindo ovo caipira sem certificação, o que não garante que sigam os preceitos básicos do Instituto (leia mais abaixo).
Um dos ovos que levam o selo do Certified é o produzido pela Fazenda Speranza, em São Sebastião do Oeste, em Minas Gerais. “Nosso primeiro ovo já nasceu certificado”, orgulha-se Guilherme Henrique Diniz Baruffi. Em 2017, ele começou sua produção com pouco mais de 3.400 aves, hoje são quase 40 mil, de tipos distintos (“estamos fazendo testes”) que produzem cerca de 32 mil ovos por dia. Guilherme, 34 anos, nasceu em Belo Horizonte e se formou em engenharia automotiva. Desde menino sonhava em ter um sítio e, mais velho, começou a pensar seriamente em trocar a indústria dos carros por uma produção rural, para desespero do pai, que cresceu em fazenda em Santa Catarina em uma família na qual o patriarca, “o nonno”, fez de tudo para garantir que ninguém mais viveria da terra.
Guilherme queria voltar para as raízes familiares, só que de uma forma contemporânea. “Eu não sabia bem o que eu queria produzir, só sabia que queria que fosse algo sustentável, que respeitasse o animal e o meio ambiente. Um dia fui conhecer a Fazenda da Toca (produtora de ovos de galinhas livres do interior de São Paulo) e me encantei com o que eles faziam ali e com o conceito de agrofloresta”, diz. Achar a fazenda ideal não foi fácil. Depois de dois anos buscando nos arredores de Belo Horizonte uma que coubesse no bolso, achou sua terra na cidade que fica a 20km de Divinópolis. “Essa aqui não tinha nada, mas o básico que a gente precisava: é plana, tem água e está perto de rodovia”.
Além de cuidar do bem-estar das galinhas, Guilherme busca ser um produtor impecavelmente sustentável: 25% da fazenda foi reflorestada, respeitando áreas de preservação ambiental e reservas legais; a copa dos morros está coberta de vegetação; as áreas próximas dos rios estão cercadas e a água é de cisterna, garantindo a preservação da água de subsolo. Herbicida, ali, passa longe. O bem-estar também é humano. O empresário desenvolve a mão de obra local e oferece salários acima da média da cidade. Dos doze colaboradores, todos de carteira assinada, mais da metade é feminina. E a relação é a menos hierárquica possível: só existem três níveis e todos têm acesso direto ao dono. Os ovos da Speranza são vendidos nos mercados da capital mineira e em Divinópolis, mas ele quer crescer, expandir e exportar. “Recebemos uma sondagem sobre vender para a Tailândia, mas ainda não tínhamos a documentação.”
A Tailândia, segundo Mazzon, é o único país que tem uma norma sobre galinhas “cage-free” (livres de gaiola, no termo em inglês, adotado mundialmente). O Brasil só tem legislação para ovos orgânicos, mais focado na alimentação das aves e menos em seu bem-estar, e não tem nenhum projeto de lei ou proposta nesse sentido. A pressão vem de outros lugares, do mercado externo, do consumidor mais exigente e antenado, e da indústria que usa ovo em seus produtos (duplamente pressionada pelo mercado externo e pelo consumidor antenado). O Grupo Pão de Açúcar, por exemplo, já anunciou que até 2028 todos os ovos de suas gôndolas serão de galinhas livres. A Heinz só usa esse tipo de ovo em sua maionese. Os macarrões da Barilla que são produzidos no Brasil (embalados em plástico) também aderiram ao produto cage-free.
O rei da granja
Caminho diferente da Speranza fez a Mantiqueira, maior produtora de ovos da América do Sul. Se a de Guilherme já nasceu certificada, a produtora criada pelo também mineiro Leandro Pinto, nos anos 1980, teve que se adaptar aos novos tempos. Em 2020, a empresa firmou o Compromisso Mantiqueira, cuja meta é ter 2,5 milhões de galinhas livres até 2025 e, a partir de então, não construir mais nenhuma granja no modelo antigo. Hoje, há pouco mais de um milhão de aves cage-free entre as 14 milhões da empresa. O selo da Certified Humane está na linha Happy Eggs que, ao menos até agora, serve apenas ao mercado interno, embora a Mantiqueira já exporte ovos tradicionais para o Japão, Hong Kong e países da África e do Oriente Médio (lembrando que ovos para exportação são na versão líquida e em pó). A exportação representa 4% das vendas.
Das 21 granjas espalhadas por cinco estados brasileiros, sete funcionam com dois modelos de unidades produtivas: as exclusivas de galinhas livres e as híbridas. A de Lorena, interior de São Paulo, construída em 2020, é, com o perdão do trocadilho, a galinha dos ovos de ouro da empresa. “Ela é única no país. Foi planejada para operar de forma sustentável, com energia solar e produção de biogás proveniente da decomposição do esterco das galinhas”, explica Murilo Pinto, diretor comercial da empresa e filho de Leandro. “Estamos implementando uma frota com caminhões elétricos para o transporte de materiais e um sistema pioneiro de tratamento de água e esgoto em todo o ciclo produtivo”. Os ninhos de Lorena são automatizados, liberam os ovos em esteiras caindo diretamente na etapa de classificação, sem contato com a mão humana.
No início de dezembro, a Mantiqueira comprou a Fazenda da Toca, aquela mesma onde Guilherme, da Speranza, fez seu treinamento. A Toca, criada por Pedro Paulo Diniz, filho de Abílio Diniz, criador do Grupo Pão de Açúcar, é a maior produtora de ovos orgânicos do Brasil. “Acreditamos na mudança de pensamento do consumidor e de seus hábitos de compra, por isso vamos cada vez mais priorizar produtos e marcas que promovem o bem-estar animal e os cuidados com o meio ambiente em todo o ciclo de produção”, finaliza Murilo.
Reportagem de Débora Rubin, especial para a ANBA