Marina Sarruf
São Paulo – Um brasileiro está prestes a chegar à fronteira final: o espaço. Marcos Pontes, o primeiro astronauta do Hemisfério Sul, deverá voar para a Estação Espacial Internacional (EEI) em abril do próximo ano dentro de uma espaçonave Soyuz russa. Ele foi selecionado para representar o país no projeto da estação pela Agência Espacial Brasileira (AEB) e foi treinado pela Agência Espacial Norte-Americana (Nasa).
Em entrevista por e-mail à ANBA, o tenente-coronel da Força Aérea Brasileira (FAB) disse que a participação do Brasil no projeto da EEI dará destaque internacional ao conhecimento técnico-científico desenvolvido no país e um impulso às empresas nacionais que têm interesse em exportar alta tecnologia.
Isto porque a participação do Brasil não se resume à viagem de Pontes. O governo brasileiro se comprometeu a investir US$ 80 milhões diretamente nas indústrias nacionais, durante seis anos, para a produção e exportação de peças e equipamentos que serão utilizados na estação. Esse investimento faz parte do acordo internacional feito com mais 15 países para a montagem e manutenção da EEI.
"Existem inúmeros pontos positivos a partir da missão espacial", disse Pontes. Segundo ele, entre as vantagens da participação brasileira estão os próprios investimentos, a geração de empregos qualificados, o acesso ao único laboratório no espaço para desenvolvimento de pesquisas nacionais e o intercâmbio de pesquisadores.
Os detalhes da missão que Pontes irá realizar ainda estão sendo concluídos pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, representado pela AEB, e pelos russos. No entanto, o astronauta deverá auxiliar na manutenção e montagem da EEI e realizará experimentos de instituições brasileiras. Ele acrescentou que o Brasil está no caminho certo para ter mais astronautas. "É preciso apenas que o Brasil saiba se manter bem nessa cooperação internacional", disse.
A EEI é um projeto científico desenvolvido por 16 países: Rússia, Estados Unidos, Japão, Canadá, França, Alemanha, Itália, Suécia, Inglaterra, Dinamarca, Bélgica, Noruega, Holanda, Espanha e Brasil. Leia abaixo os principais trechos da entrevista respondida por Pontes por e-mail:
ANBA – Quando e como surgiu a vontade de ser astronauta?
Marcos Pontes – O sonho de voar é o que me sustenta até hoje. Ser astronauta parecia ser meio fora de alcance. Comecei como eletricista da Rede Ferroviária Federal aos 14 anos em Bauru, interior se São Paulo, como forma de pagar meus estudos no colégio técnico de eletrônica. Depois, entrei para a FAB e me formei como piloto militar. Fui instrutor de aviação de caça, líder de esquadrilha e oficial de segurança de vôo. Eu me formei engenheiro aeronáutico pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e fiz o curso de piloto de provas de aviões. Voei praticamente em todos os aviões da FAB e alguns no exterior, como o F-15, F-16, F-18 e MIG-29. Então fui convidado ao mestrado em engenharia de sistemas e comecei o doutorado na mesma área em Monterey, na Califórnia. Em 1998 fiz minha inscrição para a seleção de astronautas e fui escolhido.
O senhor acha que o Brasil pode conseguir ter novos astronautas?
Sim. A participação brasileira na EEI é o caminho pelo qual estamos entrando numa nova era para os jovens profissionais brasileiros que pretendem ser astronautas um dia. É preciso apenas que o Brasil saiba se manter bem nesta cooperação internacional.
Qual a importância tecnológica e científica da participação do Brasil nessa missão?
Existem quatro áreas diretamente beneficiadas: indústria, ciência, educação e política. Podemos destacar o investimento direto na indústria nacional, a geração de empregos qualificados, capacitação para exportação de alta tecnologia, acesso ao único laboratório no espaço para desenvolvimento de pesquisas nacionais, intercâmbio de pesquisadores, motivação de estudantes e profissionais para ciência e tecnologia, desenvolvimento de relações internacionais e o orgulho nacional pelo primeiro vôo orbital da bandeira no ano do centenário do vôo de Santos Dumont (2006).
Como será o seu treinamento na Rússia a partir do mês que vem?
O treinamento inicia assim que concluídas as negociações. Ele é semelhante ao treinamento para a operação do Ônibus Espacial. Existem aulas técnicas de sistemas, simuladores, montagem e desmontagem de componentes, sistemas e técnicas complementares, procedimentos operacionais, procedimentos de comunicação, documentação técnica e etc. Por já possuir o treinamento necessário na operação da EEI, o treinamento quanto à estação deverá consistir apenas de complementação em sistemas russos mais específicos, conectividade de experimentos e os procedimentos científicos dos experimentos (treinamento conduzido pelas instituições científicas e empresas brasileiras que terão seus experimentos realizados no espaço).
De forma geral, além de auxiliar na manutenção e montagem da EEI, no meu primeiro vôo, devo fazer parte de uma tripulação científica, realizando experimentos de instituições nacionais por um período provável de 15 dias. Os detalhes da missão e experimentos estão sendo tratados pela AEB. Após a conclusão das conversações e definição dos experimentos pela AEB, eu serei informado dos detalhes e iniciarei o período de familiarização com os procedimentos necessários para a execução das tarefas. Nesse período, o treinamento deve ocorrer em Moscou, Brasil e EUA.
O senhor sabe quanto tempo deverá ficar no espaço?
Existem 2 tipos de missão para a EEI: missões de permanência e missões de serviço. As missões de permanência atualmente são compostas por 2 astronautas que permanecem na estação por período de 6 meses. Já as missões de serviço duram em média 15 dias e podem ser compostas por 7 astronautas (Ônibus Espacial americano) ou por 3 cosmonautas (Soyuz russo). Eu farei parte de uma missão de serviço no Soyuz russo, caso as negociações conduzidas pelo presidente da AEB, Dr. Sérgio Gaudenzi, sejam concluídas com sucesso este mês.
O seu vôo vai ser realizado pela Rússia no ano que vem, já tem uma data marcada?
Por enquanto tenho apenas informação de período (abril de 2006). As negociações em curso do Ministério da Ciência e Tecnologia, através da AEB, com a Roskosmos deverão definir a data com precisão. Espero que tenhamos uma conclusão positiva das negociações muito em breve.
Como o senhor se sente em ser o primeiro astronauta do Brasil?
Não é fácil descrever com palavras o sentimento de ser o primeiro astronauta formado pela Nasa do Hemisfério Sul. Contudo, acredito que isso pode ser exemplificado pela satisfação que teria um sobrevivente sedento ao abrir um caminho em uma mata fechada e conseguir chegar, finalmente, a uma clareira com uma fonte de água límpida. Cansado, suado, com as roupas rasgadas e o rosto sangrando das lambadas e espinhos do caminho que abriu, ele olha para trás e vê, com um sorriso de vitória, que os outros sobreviventes o seguiram e já estão cruzando o caminho aberto por ele. Sou o primeiro, mas não quero ser o único ou último. Tenho um orgulho muito grande de poder representar o Brasil em uma missão tão importante para o nosso desenvolvimento tecnológico e científico. Estarei indo ao espaço fisicamente sozinho, mas tenho certeza que a nação brasileira estará comigo.
O fato do Brasil possuir o único astronauta profissional formado do Hemisfério Sul nos dá um destaque de reconhecimento técnico científico e internacional bastante interessante para empresas profissionais brasileiras em termos de penetração no mercado de exportação de alta tecnologia. Do meu ponto de vista, este fato se traduz em grande responsabilidade na execução das missões e tarefas designadas pelo Brasil. Esta responsabilidade fica evidenciada no cuidado e preocupação com a eficiência de performance geral, o que inclui o treinamento, no qual felizmente eu pude obter bons resultados.
O que o senhor pretende levar na mala?
A mim foi confiada a missão de ir ao espaço e levar comigo, além da nossa bandeira, os sonhos, os ideais, as esperanças, o orgulho e tantos outros sentimentos de uma nação inteira. Minha intenção é levar o relógio e o chapéu de Santos Dumont comigo. Nosso herói será homenageado no espaço, perante o mundo, 100 anos depois de seu vôo histórico. Reconhecimento do nosso país, nossa gente e nosso orgulho nacional.

