São Paulo – Uma das metas da aviação mundial é cortar custos e aumentar a lucratividade. Isso também ocorre no Brasil, mas com uma diferença. Enquanto companhias aéreas da Europa, Japão e Estados Unidos sofrem para sobreviver, as brasileiras veem a demanda e suas receitas aumentarem. Segundo dados divulgados na quinta-feira (21) pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a procura por voos no mercado doméstico cresceu 19,54% em junho deste ano na comparação com junho de 2010. Cada vez mais esse segmento fica sob o comando de TAM e Gol. Cada uma tem 40% do mercado doméstico.
Professor da Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), o economista Gilson Garófalo afirma, no entanto, que, se a concentração é um bom negócio para as empresas, ela não ajuda o consumidor. “Para sobreviver, vemos empresas se fundindo. Isso acontece aqui também. As fusões dão economia de escala para as empresas. Quando se unem, em vez de terem dois centros de manutenção ficam com apenas um. Para os passageiros, a concentração é muito ruim”, diz.
O consumidor fica com poucas opções de preços, horários e até de qualidade. Se as empresas não têm poder de determinar seus custos com combustível, por exemplo, cortam onde podem: reduzem o serviço de bordo, a quantidade de comissários, diminuem o espaço entre os assentos e, em alguns casos, cobram até pelo lanche que servem a bordo.
Garófalo não vê mudanças nessa estratégia de custo baixo nos próximos anos, mas observa que há empresas que exploram oportunidades que ainda não atraíram TAM e Gol. “Podem surgir empresas menores, com um serviço melhor, que é o que tem ocorrido no Brasil com Trip, Avianca e Azul. Ela (a Azul) agiu de um modo muito inteligente ao concentrar seus voos em Viracopos (em Campinas) e atender todo o País por ali. Ela agiu inteligentemente porque também entendeu o problema de acesso à capital paulista”, afirma. O aeroporto fica a 96 quilômetros da cidade de São Paulo e a companhia oferece transporte gratuito até o local.
Tanto Garófalo quanto o diretor técnico do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea), comandante Ronaldo Jenkins, afirmam que a concentração do mercado em aviação é uma tendência mundial. Mas o professor de transporte aéreo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Respicio Espirito Santo, afirma que não é só a tendência que influencia na concentração de mercado. “O Brasil precisa de empreendedorismo e inteligência para explorar bem o mercado regional. Com o amadorismo e o deslumbramento de muitos empresários e a falta de recursos crônica, a aviação regional brasileira tem colecionado muito mais falências do que deveria”, diz.
Os especialistas lembram que, além da concentração aérea, quem anda de avião no Brasil enfrenta outro tipo de problema, que não é tendência mundial: a falta de infraestrutura. O mesmo estudo da Anac que mostra um aumento de 19,54% na procura por voos domésticos afirma que a taxa média de ocupação dos aviões foi de 68,1%. Em junho de 2010, a taxa média de ocupação das aeronaves foi de 64,09%. “Os dados da Anac revelam um crescimento de cerca de 20% do mercado doméstico. O mundo não cresceu isso. Mas os aviões estão com média de 68% de ocupação. Poderia ser de 80%. Você não pode aproveitar o potencial do mercado. Não há planejamento”, afirma Jenkins.
Espirito Santo afirma que o mercado brasileiro ainda não está consolidado e deverá crescer mais. Ele observa que o país tem potencial turístico e aumento de poder aquisitivo das classes A, B e C. “O Brasil ainda pode (e deve) crescer muito em termos de aviação comercial doméstica e internacional. Contudo, barreiras existem e não são desprezíveis. Duas eu ressaltaria: a baixa capacidade, o nível de serviço aquém do desejável e a ineficiência crônica da infraestrutura aeroportuária brasileira; e a resistência e lentidão na modernização de conceitos e práticas de otimização do controle de tráfego aéreo no Brasil”, observa.
Garófalo afirma que o mercado em crescimento abre oportunidades para que outros aeroportos sejam explorados, além de Congonhas, Cumbica, Santos Dumont e Galeão, os dois primeiros em São Paulo e os dois últimos no Rio de Janeiro, as duas maiores metrópoles brasileiras.
“No interior existe mercado, mas as empresas não acham racional [utilizá-lo]. Um voo que parte de Manaus (no Amazonas) tem Assunção (capital do Paraguai) como destino e faz escala em São Paulo, não é racional. O interior de São Paulo tem potencial muito grande, [cidades] como Ribeirão Preto, Presidente Prudente. Alguém duvida disso? São lugares que podem ser pólos irradiadores de tráfego aéreo”, afirma. Ele lembra que a empresa aérea portuguesa TAP opera com sucesso voos a partir de Lisboa para capitais como Fortaleza, no Ceará, e Belo Horizonte, em Minas Gerais.
Para Jenkins, a demanda é muito alta e a oferta não acompanha o mesmo ritmo. “O País não cresce por causa dos limites”, diz. Ele afirma que, se os cronogramas não sofrerem atrasos até 2013 e 2014, a infraestrutura dos aeroportos brasileiros será “um pouco menos afogada do que é hoje”, embora ainda não seja o ideal. Garófalo não acha que as filas e dificuldades para embarcar irão diminuir em breve. “O glamour que existia em voar agora virou sinônimo de canseira”, diz.