Débora Rubin
São Paulo – Quando foi ao Líbano pela primeira vez, há seis anos, o médico Roger Abdelmassih participava de um congresso sobre reprodução humana do qual era chairman. Apesar de ter ido a trabalho, fez questão de ir a Anfé, ao norte de Beirute, para visitar a casa onde seu pai havia nascido. Chegando lá, viu uma palmeira antiga e pediu uma pá emprestada. Começou a cavar e retirou um tanto de terra que ele guardou em um saco. Chegando em São Paulo, colocou a terra dentro de um cristal baccarat e pôs a preciosidade em seu escritório. Ali, diz o médico, está a sua origem, seu DNA.
Roger Abdelmassih, 63 anos, filho de imigrantes libaneses, é um dos nomes mais conhecidos do Brasil – e do mundo – quando se trata de reprodução humana. Sua clínica, que também é um centro de pesquisas, vive cheia de casais que sonham com um filho. Grande parte recorre ao doutor Abdelmassih depois de inúmeras tentativas frustradas. Muitos de seus clientes são famosos que só fazem aumentar a fama do médico.
O principal, claro, foi Pelé, que em 1996 passou pelo tratamento com o médico. Abdelmassih utilizou com o casal Pelé e Assíria a técnica ICSI (Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóides). A técnica, associada à fertilização in vitro, permite que um único espermatozóide seja injetado dentro de cada óvulo com o auxílio de uma micropipeta e um microscópio. A técnica foi trazida para o Brasil em 1994 pelo médico. O resultado do tratamento do maior jogador de futebol de todos os tempos foi o nascimento dos gêmeos Celeste e Joshua, hoje com nove anos.
A gravidez do casal correu o mundo e aconteceu o que Abdelmassih chama de "efeito Pelé". "Depois que o tratamento dele se tornou público, as pessoas ficaram mais conscientes sobre as questões relativas à fertilidade", conta o médico. Outros famosos também passaram pela imensa clínica que fica na avenida Brasil, zona nobre da cidade de São Paulo. Entre eles, o apresentador Gugu Liberato, o humorista Tom Cavalcanti e a atriz Luiza Thomé.
Tudo na vida do doutor é superlativo. Em março, ele comemorou o bebê de número cinco mil, nascido graças às suas técnicas avançadas de reprodução assistida. O número um nasceu em 1989. Ou melhor, os dois primeiros bebês, já que são gêmeos – hoje com 17 anos. Mensalmente, são 140 tentativas de fertilização. Nascem, em média, 55 bebês por mês. E cada tentativa sai entre R$ 15 mil e R$ 18 mil. Na clínica, trabalham 50 pessoas.
E os investimentos em pesquisas tampouco são tímidos. Desde 2005, o centro se dedica a uma pesquisa para criar óvulos e espermatozóides a partir de células tronco – se der certo, casais inférteis deixarão de recorrer a gametas de doadores. O centro está investindo nada menos que US$ 1 milhão na pesquisa.
Pioneiro
Abdelmassih foi o primeiro a fazer a fertilização in vitro dentro de uma clínica – antes, só hospitais faziam. Hoje, está entre as 15 clínicas mais importantes de reprodução humana de todo o mundo. Os clientes vêm de todas as partes, principalmente dos Estados Unidos e da Europa. Doutor Roger faz questão de receber cada um dos clientes. Cumprimenta os casais no hall de entrada e quando eles chegam ao consultório, entre desesperados e ansiosos, ele logo avisa: fiquem tranqüilos, nós vamos resolver.
De fato, as chances para as mulheres até 35 anos chegam a 55% na clínica de Abdelmassih. "Para se ter uma idéia, um casal jovem e absolutamente saudável tem entre 18% e 20% de chance de engravidar. Aqui, a possibilidade é bem maior", explica. Depois de tantos anos auxiliando casais inférteis, ele sabe como lidar com a ansiedade. "A dor da falta, da ausência do filho, é uma das piores coisas que existe", diz o médico, que vê de perto essa dor todos os dias. Ele mesmo nunca sofreu do mal de seus pacientes. Pai de cinco filhos, Abdelmassih agora espera o 12º neto.
O doutor das cinco mil crianças entrou na faculdade em 1963, na primeira turma da Unicamp. Em 1968, resolveu se especializar em urologia. No começo, tratava apenas de homens com problemas de fertilidade. Aos poucos, começou a atender também as mulheres.
O gosto pela medicina vem dos tempos de criança. "Sempre quis ser médico, sempre tive muita vontade de vencer, de ser o melhor", confessa. Abdelmassih vem de uma família de comerciantes. O pai deixou a cidade de Anfé aos 14 anos, em 1925, e veio para o Brasil ser mascate. De mascate a dono de loja no interior de São Paulo, em pouco tempo ele já estava comprando fazendas. Caçula de três filhos, Abdelmassih realizou aquele que era o sonho de toda a família libanesa que chegava no país naquela época: ter um filho médico.
Nascido no Brasil, Abdelmassih diz se sentir um libanês. Guarda as tradições da família, é fã de comida árabe até no café da manhã e mantém um mapa do Líbano na entrada de seu consultório. Só não fala árabe. "Essa é uma das dores que eu tenho", lamenta. "Meus pais usavam o árabe para falar quando a gente não podia entender".
Quando esteve em Beirute, naquela ocasião em que pegou um pouco de terra da antiga casa do pai em Anfé, o médico recebeu uma condecoração do governo libanês por ser um bem sucedido filho de libaneses. E, claro, pendurou a homenagem na parede de seu consultório, em frente ao mapa do Líbano.