São Paulo – Desde a década de 1990, o sobrenome árabe de um brasileiro ocupa o primeiro lugar no ranking mundial dos pesquisadores que publicam, regularmente, trabalhos sobre os distúrbios do sono. É o médico Sérgio Tufik, fundador e coordenador do Instituto do Sono, ligado a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em São Paulo. Neto de libaneses, Tufik se interessou pelo assunto ainda nos anos 1970, quando estudar o sono não estava na grade dos cursos de Medicina. “Defendi minha tese sobre o sono em 1978 e, um ano depois, saiu a primeira classificação de distúrbios do sono no mundo”, conta ele.
A escolha de Tufik foi meio por acaso, mas certeira. Primeiro, desistiu da Engenharia para abraçar a Medicina. “Na época da faculdade, comecei a estudar uma coisa que chamei de psiconeurocibernética. Todo mundo dava risada, pois não era algo razoável. Não tínhamos nem computadores na época”, explica. Mas, visionário que só, Tufik achava que sua pesquisa era possível e deu continuidade ao assunto. A tese de doutorado levantou novamente a questão. “Tive problemas com a minha ideia inicial. Estava estudando a privação do sono para modificar os efeitos da maconha. Mas acabei não encontrando os resultados que procurava, conversei com o orientador e foquei nos distúrbios do sono”, diz Tufik. E não parou mais.
O desenvolvimento de pesquisas na área do sono e o trabalho com polissonografia (método que avalia o sono e suas variáveis fisiológicas) levaram Tufik a um projeto maior: a criação do Instituto do Sono, em 1992. A instituição realiza pesquisas pioneiras na área, presta serviços de diagnósticos à população, atendendo pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde), por exemplo, e forma profissionais – principalmente médicos e técnicos em polissonografia. “Formamos até hoje 461 médicos na área de sono”, diz orgulhoso Tufik. Os profissionais estão espalhados por todo o país.
No que diz respeito às pesquisas realizadas, o doutor Tufik também se orgulha da última que fizeram: o estudo epidemiológico sobre queixas de sono na cidade de São Paulo. Até agora foram feitos três levantamentos. No último, 1.100 pessoas da cidade foram levadas para fazer polissonografia no instituto. “Foi um grande trabalho, pois uma coisa é passar questionário, outra é registrar todo mundo, tirar o sangue etc”, diz. E, segundo Tufik, foram observados dados muito controversos. “Por exemplo, no caso de apnéia, que todo mundo dizia que entre 2% e 8% da população tem, nós encontramos o distúrbio em 32% na população. A insônia aumentou na cidade, por conta de stress, violência etc”, afirma.
Brasil na frente
O trabalho sério de Tufik e de sua equipe – quatro docentes das disciplinas de Medicina e Biologia do sono da Unifesp e um grupo de oito orientadores – levaram a universidade brasileira também a um posto importante quando o assunto são os distúrbios do sono. “Ocupamos o quarto lugar no mundo. Estamos à frente universidades como Toronto (Canadá), John Hopkins, Mayo, Missouri (Estados Unidos) e Bolonha (Itália). Estamos muito bem”, afirma Tufik. E tudo isso com uma equipe considerada pequena. Já o Instituto do Sono é tido como o maior do mundo, em produção científica (número puxado pelos trabalhos de Tufik) e serviços prestados. “Em termos de laboratórios, acho que só perdemos para Estados Unidos e Alemanha”, diz.
Do Líbano para Piraju
Tanto empenho tem raízes nos países árabes, mas precisamente no Líbano, de onde veio o avô de Tufik, com apenas 14 anos. “Ele chegou Brasil adolescente, desembarcou em Porto Alegre, com passaporte turco (por conta do império otomano) e sem nenhum tostão. Foi roubado no navio”, conta. Mas nada no mundo fez ele desistir. Soube que tinha uns parentes no interior de São Paulo, na cidade de Piraju, juntou as malas e botou o pé na estrada. “Ele foi mascateando, levou três anos para chegar, mas conseguiu”, conta Tufik, que gostava de ouvir as histórias do avô.
Em Piraju, o patriarca da família se casou, aos 17 anos. “E, claro, montou a sua lojinha”, brinca Tufik. “Ele era o tipo self-made man”, completa. Logo aprendeu a língua e veio se aproximando da capital. A família mudou para Ibitinga e o pai de Tufik, nascido lá, teve mais oportunidades: veio estudar em São Paulo. “A geração do meu pai não chegou até a faculdade, mas evoluíram um pouco mais, abriram negócios aqui na cidade”, diz.
A conquista da família veio na geração seguinte, a terceira, que chegou a universidade. “Com todas as inseguranças de um imigrante, meu avô construiu uma família linda no Brasil”, afirma Tufik, que considera o país um exemplo para o mundo no respeito às diferenças de raça. “O Brasil é um ícone no mundo nesse aspecto de misturar povos. Somos muito especiais nisso. Nos EUA, tem todas as raças, mas elas estão separadinhas. Aqui não, todo mundo se misturou, até os japoneses, que era um pouco mais difíceis, os judeus e tal. Formamos uma grande nação com todos os genes. Nós fizemos um estudo recente e fomos ver a origem genética das pessoas. Todo mundo tem tudo aqui no Brasil, a mistura é total. A democracia genética é aqui”, brinca.
Transferência de conhecimento
Feliz e emocionado com as últimas declarações do presidente norte-americano, Barack Obama, sobre a condução das relações com os árabes, Sérgio Tufik diz que, agora, a sua "próxima conquista" será levar o seu grande conhecimento sobre sono para o mundo árabe. "Eu gostaria muito de ajudar os países árabes nessa questão do sono. Seria um retorno às minhas origens. Eu sei que eles participam muito pouco, têm dificuldade, então, seria fantástico", diz o pesquisador, professor e doutor do sono. Tufik já viajou para vários países da região, é um profundo conhecedor da cultura árabe. No Brasil, o médico prepara para novembro deste ano a realização do Congresso Mundial de Sono, que reunirá pesquisadores do mundo inteiro. Será a primeira vez que o evento acontecerá no país.