São Paulo – Poucos adultos podem dizer que realizaram o sonho de infância. O artista plástico Nikko Kali realizou vários e, aos 68 anos, segue realizando. Com mais de 40 anos de carreira, começa a ser descoberto em seu próprio país ao mesmo tempo em que ganha mercado nos Emirados Árabes Unidos, onde já tem clientes. Pintor e escultor, com passagem por diversos estilos e linguagens, suas obras são marcadas em especial pelo uso expressivo das cores e, hoje, também pelo pigmento de pedras preciosas.
Residente na França desde meados dos anos 1980, quando migrou para estudar Gemologia em Paris (sonho de infância número um: brincar com pedras preciosas), Nikko já teve obras expostas no Japão, China, Itália, Espanha, Inglaterra, Portugal, Singapura e França. E, claro, no Brasil. O desejo, agora, é fazer uma exposição individual em Dubai, para onde seus olhos (e os do mundo das artes) têm se voltado.
Ao longo de sua trajetória artística, Nikko vendeu mais de cem obras originais, incluindo uma peça adquirida por 100 mil euros, que está em Singapura – valor que simboliza não apenas o prestígio de seu trabalho, mas também o alcance internacional de sua arte. “Hoje, cheguei a esse patamar em que não sou mais eu quem dou o meu preço, mas o mercado”, conta. Suas obras levam, em média, de 3 a 4 meses para ficarem prontas.
Desde a pandemia, Nikko mantém um ateliê na Praia Grande, litoral de São Paulo, onde passa metade do ano criando. Como uma ave migratória que só sobrevive de calor, o artista usufrui do verão europeu e do brasileiro. O local escolhido, na praia, o mantém perto de alguns familiares e, ao mesmo tempo, da capital.
Voar, pintar, rezar
Menino crescido na zona norte de São Paulo, Nikko foi bem pragmático na hora de escolher uma faculdade: economia. Era o mais fácil para conseguir um emprego, lhe diziam e ele dizia a si mesmo. Só que o menino queria voar (sonho de infância número dois: ser piloto de avião). “Eu pensava nesse país imenso e achava que só iria conhecê-lo se pilotasse eu mesmo uma aeronave”, conta, entusiasmado. Entusiasmo, aliás, é uma de suas marcas. Ao final, a forma de viabilizar o desejo foi se tornando comissário de bordo, o que foi sua profissão por um tempo.

Quando se mudou para Paris para estudar, se encontrou no mundo. Ali era o seu lugar – a cultura, as pessoas, a língua, tudo deu match! E ele foi ficando. Mudar significou vender um pequeno apartamento em São Paulo para bancar a vida e os estudos por lá. Formado, conseguiu trabalho na alta joalheira francesa e durante anos foi funcionário das 9h às 17h, com salário bom e final de semana livre para viver o lazer.
Só que tinha uma certa inquietude no rapaz, que já começava traçar seus riscados, misturar suas cores, experimentar suas artes (sonho de infância número três: ser artista! Em tempo: no ateliê da Praia Grande ele guarda seu primeiríssimo quadro, feito em 1967). Começou a se arriscar: expunha uma obra aqui, outra ali. Foi aparecendo aos olhos da sociedade artística francesa. “Mas ainda não dava para viver disso”, diz. É imensamente grato à ajuda que recebeu de Cícero Dias, grande nome do modernismo brasileiro, que faleceu em 2003, em Paris. “Foi ele quem me motivou a fazer pequenas exposições em salões de prefeituras para começar a aparecer”, se recorda.

O ponto de virada se deu em 1994, quando ele fez uma exposição na Expo Unesco, na sede da organização em Paris. “Vendi quatro grandes obras e aí tomei uma decisão: pedi demissão, guardei dinheiro e decidi que me dedicaria integralmente à arte”. O reconhecimento no Brasil veio mais tarde, quando recebeu, em 2009, a Medalha de Ouro da Société Académique des Arts, Sciences et Lettres, concedida pela Academia Francesa sob o patrocínio do Presidente da República da França (três anos depois, foi homenageado no Brasil com a Medalha Granadeiro do Imperador, entregue pelo 1º Batalhão de Guardas do Rio de Janeiro).
Em sua jornada fantástica e colorida, Nikko teve vivências que somam em suas obras, como o ano em que viveu na Índia, nos anos 1990, que o marcou profundamente em sua forma de existir no mundo. Os aprendizados espirituais que recebeu ali carrega até hoje consigo – inclusive, o nome Nikko Kali nasceu naquele ano indiano, abençoado por um numerólogo local e pela Deusa Kali, divindade hindu da transformação, e de quem havia um templo no caminho de sua casa em Nova Delhi (seu nome de batismo ele não revela).
E, apesar de estar chegando ao mercado emiradense só agora, Nikko também já viveu em Dubai, em 1995. “Sou simplesmente fascinado por outras culturas e por aprender”, explica o artista, que também morou no Vietnã.
Arte para todos
De todos os trabalhos que já teve ao longo de sua vida, ser arte-educador de crianças foi uma das que mais lhe ensinou. “O olhar para a arte deles, puro, não formatado, é a melhor coisa que um artista pode ter. Eles não buscam explicações, eles dão seus próprios significados”, conta. Hoje, não trabalha mais com os pequenos, mas busca sempre esse olhar para se livrar da crítica vazia ou agressiva.
Apesar do alto custo das obras, e de todo o universo milionário dos colecionadores, prega que a arte seja acessível a todos, que esteja em espaços públicos, e que as crianças visitem museus desde cedo. Em 2024, realizou uma exposição no Palácio das Artes na Praia Grande, hoje sua segunda casa. Como de praxe, Nikko passou os primeiros dias perambulando para ver quem via suas obras na exposição gratuita. Um dia, viu um rapaz de chinelos e boné observando um de seus quadros atentamente. Se aproximou e puxou conversa. O rapaz, morador de rua e alcoolista, estava fascinado com o que via e descreveu a obra ao seu autor como se ele mesmo a tivesse pintado. “Sem saber nada de arte, ele me revelou tudo”, conta.
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*Reportagem de Débora Rubin, em colaboração com a ANBA


