São Paulo – A Copa que será realizada no Brasil em 2014 irá colocar o Brasil no "centro" do mundo, trará turistas para além das 12 cidades-sede, criará demandas que hoje não existem e irá exigir do Brasil uma infraestrutura bem maior do que a atual. Essas demandas e necessidades trarão oportunidades de geração de riqueza e renda que poderão transformar o País. Um estudo realizado pela Ernst & Young Terco e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em junho de 2010 estimou que até 2014 o País movimentará R$ 142,79 bilhões com investimentos relacionados à disputa mundial.
Segundo o diretor executivo de consultoria da Ernst & Young Terco, Marcos Nicolas, o levantamento "Brasil Sustentável – Impactos Socioeconômicos da Copa do Mundo de 2014" não mostra quanto dos R$ 142,79 bilhões já foi gerado, pois não tem o objetivo de acompanhar os investimentos. No entanto, ele afirma que se forem executados de acordo com os projetos traçados e nos prazos previstos, o Brasil será o grande campeão desta Copa independentemente de qual seleção levante a taça.
De acordo com o estudo, o setor de construção civil será o principal beneficiado pelos investimentos para o evento. O levantamento prevê que este setor irá gerar R$ 8,14 bilhões a mais graças à Copa do Mundo. Outros beneficiados são os segmentos de alimentos e bebidas; serviços prestados às empresas; serviços de utilidade pública (como água e gás); e serviços de informação. Juntos com a construção civil, esses segmentos deverão gerar R$ 50,18 bilhões.
"Precisa viabilizar [os projetos], tem que executar no tempo e no plano determinado. Aí o Brasil vai ter os ganhos planejados. A Copa é agora, não é só em 2014. Não podemos vê-la como atraso, não se pode mais perder nenhuma hora para nada. O estudo tem que ser atingido", afirma Nicolas. Os R$ 142,79 bilhões que o País pode ganhar serão distribuídos em projetos e investimentos antes e durante o evento.
Nem todos os setores se beneficiam da Copa do Mundo nos mesmos momentos. "A riqueza [prevista pelo levantamento] deve ser distribuída de 2011 a 2014. Por isso que nos preocupamos. Você deixa de gerar [riqueza] se não fizer já em 2011. Por isso o primeiro ciclo já deveria estar estruturado", diz Nicolas.
Há projetos que caminham dentro do planejado. É o caso do estádio Mineirão, em Belo Horizonte, que está sendo reformado, e do Mané Garrincha, que está sendo reconstruído, em Brasília. Outros estádios, como o Beira Rio, em Porto Alegre, e a Arena da Baixada, em Curitiba, serão reformados para o evento, porém estão atrasados.
E isso não acontece apenas com o cronograma de obras dos estádios do Sul do País. Um relatório divulgado em setembro pelo Tribunal de Contas da União (TCU) aponta atrasos em obras de infraestrutura dos governos e munícipios, portos e aeroportos.
Até 30 de setembro, conforme o levantamento do TCU, não haviam começado as obras dos aeroportos de Fortaleza, Salvador, Curitiba, Cuiabá, Porto Alegre, Brasília, Confins (Belo Horizonte) e Recife. Uma fiscalização do TCU nas obras do aeroporto de Manaus resultou, segundo o órgão, em redução de R$ 37 milhões nos custos da obra. O aeroporto de Natal, São Gonçalo do Amarante, foi concedido à iniciativa privada e os aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo estão com obras em andamento.
Se há projetos atrasados, há também os que estão cumprindo o cronograma. "Algumas [cidades] já avançaram porque já aprovaram investimentos, mas não há um destaque. São Paulo é independente da Copa de 2014 porque já tem um nível médio [de infraestrutura] muito forte. O Rio, com as Olimpíadas, olhou para frente e se prepara também para 2016. Temos que bater palmas para esta estratégia", diz Nicolas. Ele afirma, também, que muitos exemplos positivos não são mostrados.
Todos querem seu bolão
De grandes empresas a pessoas físicas, todos se preparam para a Copa. Com as pequenas empresas não é diferente. O estudo "Copa do Mundo FIFA 2014: Mapa de Oportunidades para as Micro e Pequenas Empresas nas Cidades-Sede", elaborado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae-SP) e pela FGV, mostra que há nove setores da economia nos quais os pequenos empreendedores podem se beneficiar antes, durante e depois da Copa: construção civil, tecnologia da informação, turismo, produção associada ao turismo, comércio varejista, serviços, vestuário, madeira e móveis e agronegócio.
Consultor de serviços do Sebrae-SP, José Bento Desie diz que há setores, como construção civil e têxtil, que terão os maiores lucros antes da Copa. Outros gerarão mais riquezas durante o mundial. É o caso de serviços, comércio, hospedagem e transporte. Já o turismo pode crescer depois do evento, com o legado que ele deixar. Legado, diz Desie, que pode até mudar a economia do país e práticas hoje empregadas. Na construção civil, uma nova metodologia utilizada para a Copa poderá ser adotada em obras futuras. Ele diz que até a agricultura poderá ser beneficiar do fluxo de turistas enquanto o torneio for realizado.
"Há uma tendência de se procurar produtos orgânicos. Vamos sensibilizar os produtores agrícolas e ver onde eles podem se reforçar. Esta tendência se confirma durante o evento e pode se refletir nos hábitos de consumo. Pode ser que depois da Copa, seja criada uma demanda [por produtos orgânicos]. Hoje o produtor procura demanda e não encontra, mas, na Copa, este assunto estará em pauta e esperamos que interfira nos hábitos de consumo", diz Desie. Dados divulgados neste ano pela Associação Brasileira de Orgânicos (Brasilbio) mostra que o faturamento dos alimentos orgânicos em 2010 no Brasil foi de R$ 500 milhões. É um setor que cresce acima da média da agropecuária nacional, mas representou em 2010 0,2% do valor bruto do setor agropecuário, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Além de divulgar o estudo e as áreas que poderão se beneficiar da Copa, o Sebrae-SP, que prepara projetos para a Copa desde 2009, irá ajudar micro e pequenos empresários a se preparar para lucrar com o evento. Missões do Sebrae-SP deverão visitar a Alemanha e a África do Sul, sedes das duas últimas copas, para aprender com as experiências anteriores. Pequenos agricultores interessados em plantar produtos orgânicos poderão receber cursos e treinamentos. Os outros setores da economia com potencial de crescer mais com a Copa também irão receber cursos.
Um dos microempresários que segue as dicas do Sebrae-SP para ganhar dinheiro na Copa é Daniel Leopoldino, dono da loja de produtos fitoterápicos e suplementos alimentares Sempre Natural, em Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo. Para ele, a Copa de 2014 já começou. Ele e a mulher, sua sócia no negócio, estão estudando inglês para receber turistas estrangeiros. O empresário também usará o evento para ampliar as vendas na internet.
Quando a Copa chegar, Daniel irá ficar nas proximidades do estádio de abertura da Copa, o Itaquerão, na Zona Leste de São Paulo, para distribuir amostras grátis dos seus produtos junto com um panfleto da loja. "Vendemos para 18 mil clientes em todo o Brasil. Queremos ampliar essa carteira", diz. Para isso, ele pretende fazer parceria com o fabricante dos seus produtos.
"Para o laboratório será um ótimo negócio, pois um torcedor que vier do Maranhão para ver um jogo talvez não compre o produto da minha loja, mas de um endereço lá na cidade dele. O fabricante será o mesmo", afirma. A participação da empresa de Daniel na Copa será uma "ampliação" daquilo que ela já faz em competições regionais. "Hoje eu procuro distribuir amostras em passeios ciclísticos, campeonatos locais de karatê. Por que não faria isso num evento como a Copa?", diz.
Um leito para os turistas
Sejam grandes ou pequenas, as empresas que atuam no setor turístico estarão entre as principais beneficiadas pelo torneio. Dados do Ministério do Turismo mostram que o Brasil recebeu 5,1 milhões de turistas em 2010. O Ministério estima que, em 2014, oito milhões de pessoas visitarão o Brasil. Dessas, 600 mil virão apenas para a Copa do Mundo. Esse patamar deverá se manter depois do evento. O Ministério espera 7,9 milhões de estrangeiros em 2016, ano que o Rio de Janeiro será sede dos Jogos Olímpicos.
O Rio deverá ter mais de três mil novos quartos de hotel até o começo do evento. Alguns desses ambientes ficarão em locais projetados para um público mais "caliente". De acordo com o Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro, 20% dos 180 motéis já se preparam para a Copa ao transformar parte das suas suítes em quartos de hotel.
O Motel Serramar, na Barra da Tijuca, foi um dos estabelecimentos que aderiu à ideia. Há cerca de um ano, um dos prédios do motel foi reformado para receber o hotel. O objetivo dos proprietários era lucrar com a Copa de 2014. Parte desta meta já foi alcançada, segundo o gerente de reservas, Rodrigo Lucas. "Hoje já hospedamos pessoas que vêm trabalhar em obras para a Copa ou em alguma outra atividade relacionada ao evento", diz.
Os quartos que antes eram decorados com espelhos no teto, camas redondas, paredes coloridas e quadros com desenhos "sugestivos" ganharam camas "normais", mesa de trabalho e decoração sóbria. Em alguns ambientes, a cama de casal deu lugar a outras duas para solteiros. O Serramar ainda recebe casais em busca de prazer em 22 quartos decorados à moda antiga. Já o hotel tem 50 suítes, com diárias que variam de R$ 135 a R$ 262. O negócio se mostrou lucrativo e deverá crescer mais até a bola rolar. "Teremos cem quartos antes que a Copa comece", diz Lucas.
Outro motel carioca, o Elegance, no Catete, se prepara para "mudar de ares". Não só por causa da Copa, diz o sócio-administrativo Marcos Piñol, mas, também, porque a clientela mudou. "Os casais agora namoram na casa dos pais, não vão mais a motel com a mesma frequência", diz. O estabelecimento ainda não abandonou suas características de motel, mas já oferece diárias a R$ 250 com café da manhã para 19 dos seus 49 quartos. Os sócios aguardam o orçamento de uma grande reforma, que prevê mudar encanamentos, modificar o tamanho dos quartos e a decoração deles. "Ainda não decidimos o que vamos fazer, mas, dependendo da obra, ela poderá demorar dois anos", diz.
Até quem não tem uma empresa já se prepara para ganhar dinheiro com o mundial de futebol. O estudante de gastronomia Anderson Salvador pretende alugar o imóvel em que vive com a mãe, na Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, para turistas.
"Vivo a cerca de cinco quilômetros do [estádio] Mineirão. A minha casa tem uma estrutura muito boa, cabem de 12 a 15 pessoas com conforto. Tem dois quartos com suíte, espaço gourmet", diz. Ele ainda não sabe quanto cobrar pelo aluguel do imóvel, mas imagina que pode conseguir até R$ 100 mil durante o mês de realizado do evento.
Até anúncio na internet Salvador já colocou. Além de alugar o imóvel para 2014, o futuro chef de cozinha espera receber inquilinos na Copa das Confederações, em 2013. Ele pode ampliar o "pacote", se os locatários quiserem. Anderson se propõe a cozinhar para os turistas e levá-los ao Mineirão nos dias de jogos, com acréscimo no valor da locação.