São Paulo – Não seria estranho supor que o paulistano José Roberto Sadek, neto de libaneses, tivesse escolhido enveredar pelo mundo das palavras ao eleger a profissão que queria seguir, como se a tradição árabe de narrar histórias tivesse encontrado nele espaço para se manifestar: foi estudar Jornalismo na Universidade de São Paulo (USP). Seu doutorado, defendido na mesma instituição, foi sobre como as histórias são contadas no cinema e como isso serviu de referência para a construção das novelas brasileiras.
Seu mais recente livro, “Séries e Seriados: Para Espectadores Ligados e Desligados Também”, publicado pela Giostri Editora, oferece informações para um melhor entendimento e aproveitamento, por parte dos espectadores, dessa forma de entretenimento que é a série. A obra também explica como se organizam as histórias, quais as características que sustentam o interesse de quem as acompanha por tanto tempo, o que notar nos primeiros capítulos ou episódios.
Ao conversar com a reportagem da ANBA, Sadek revela, surpreso, que nunca havia relacionado a tradição árabe de contar histórias com sua trajetória profissional e explica como essa última se deu. “Os convites foram aparecendo, eu fui aceitando ou não. Entrei na ECA para estudar Jornalismo, mas disseram: você tem que vir para o cinema, pois fotografa bem! E eu fui.” A ECA é a Escola de Comunicação e Artes da USP.
E Sadek foi, e conta que as coisas foram andando, que virou fotógrafo, cansou de fotografar e virou roteirista, e foi chamado para dirigir uma emissora de TV: “Eu vou indo porque alguém chama.” Assim, de chamado em chamado, foi diretor de Criação e Produção da TV Escola, realizou Projetos Especiais para a TV Cultura de São Paulo, foi diretor-geral de Séries para a TVE Rio de Janeiro, ocupou o cargo de secretário de Cultura do Estado de São Paulo, coordenou o Grande Premio Governador do Estado de São Paulo para Cultura.
O cinema e a TV
Quando se graduou na faculdade de Cinema, era complicado e caro fazer filmes, então, com um grupo de amigos, criou uma pequena produtora que participava de editais, concursos e concorrências. “Éramos dez malucos…mas a gente ganhou um monte de prêmio em dinheiro e era assim que conseguíamos financiar nosso próximo curta-metragem. Era sofrido.”
Sadek também trabalhou na Fundação Roberto Marinho e na TV Globo, onde realizou filmes como diretor de Fotografia e depois, como roteirista, e relata que fez muitos Globo Repórter, programa jornalístico semanal há 51 anos no ar na emissora. “Naquele tempo, se fazia televisão em filme. Quando fui fazer TV, em uma semana, rodei mais filmes do que, sei lá, em dois anos de cinema independente.” Hoje, em meio a projetos criativos aqui e acolá, o ensino de Cinema na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) é a atividade no topo do perfil do descendente de libaneses no Linkedin.
Sadek foi bolsista Fulbright em Nova Iorque e é graduado também em Arquitetura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mas nunca exerceu a profissão. “Estudei em colégio de padres em que só havia três profissões aceitáveis: médico, advogado ou engenheiro.” Ele escolheu Arquitetura. Acredita que poderia ter sido um bom médico, e até considerou a hipótese, mas acabou desencorajado pelas lembranças que tinha do pai, doutor, que infartou e o deixou órfão, com duas irmãs mais novas, aos 15 anos. “Ele dizia que a vida de médico era ruim e para eu nunca escolher esse ofício.”
Filho e neto
A morte do pai teria sido um transtorno para a vida da família se a mãe não tivesse tomado a frente para garantir os direitos dos filhos. “Foram tempos difíceis, as relações familiares ficaram complicadas, mas foi a herança do meu pai, que não era muita, que nos manteve. A gente sobreviveu.” Sem a presença paterna em casa, foi criado cercado por mulheres: mãe, irmãs, primas, tias, o que considera um privilégio. É o feliz pai de duas moças, está no segundo casamento, e sua mulher também tem filhas. Uma delas acaba de dar à luz a uma menina. “Sabe que nas festas eu evito os grupinhos masculinos, cuja conversa é sempre sobre dinheiro, carro e futebol? As mulheres são muito mais interessantes.”
Dos avós libaneses, tem uma vaga lembrança do avô paterno lhe ensinando a jogar gamão. “Quero reaprender, pois tenho um tabuleiro lindo, de madrepérola.” A mãe da mãe morava no Espírito Santo, e era na casa dela que os 14 netos, vindos de outros estados, se encontravam nas férias de verão. “A vó Alice era muito gorda, grandona, e passava a manhã inteira enrolando quibe para alimentar essa galera que voltava da praia com muita fome.” Esses primos não se encontram mais com tanta frequência, mas se mantêm unidos num grupo virtual, do qual netos, primos e sobrinhos querem fazer parte.
Há 50 anos, num período atípico, foi atrás de autoconhecimento e descobriu e começou a praticar Tai Chi Chuan. É aluno do mesmo mestre que lhe abriu os caminhos para essa arte marcial chinesa e, agora, dá aulas na academia do seu professor. “Lá é assim, os mais velhos ensinam os mais novos.”
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