Cidade do Kuwait – O Kuwait é um país pequeno, não chega a ter 18 mil quilômetros quadrados de área, menor do que qualquer estado brasileiro; tem uma população reduzida, cerca de 3,8 milhões de pessoas, menos de um terço da cidade de São Paulo; mas tem quase 10% das reservas mundiais de petróleo, uma produção superior a 3 milhões de barris por dia e, consequentemente, muito dinheiro para investir, especialmente no exterior.
“Os kuwaitianos gostam de investir fora, o país é pequeno, então buscamos oportunidades no exterior”, disse à ANBA o diretor-geral adjunto da Câmara de Comércio e Indústria do Kuwait, Hamad Al Omar.
Este gosto é confirmado pelas estatísticas. Segundo a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), o Kuwait faz muito mais investimentos estrangeiros diretos (IED) do que recebe. Em 2012, os aportes dos kuwaitianos no exterior somaram US$ 7,562 bilhões, enquanto que a entrada de IED na nação do Golfo ficou em US$ 1,851 bilhão. Essa lógica se repete ano a ano.
O principal agente dos investimentos no exterior é a Kuwait Investment Authority (KIA), um dos mais antigos fundos soberanos do mundo e o primeiro da região, com origens na década de 1950 e capital avaliado em US$ 386 bilhões, segundo o site do Sovereign Wealth Fund Institute. Há também movimentação significativa de investidores privados e de outras empresas estatais.
Alguns exemplos são a fatia de 7,6% da KIA na montadora alemã Daimler, dona da marca Mercedes-Benz; o controle acionário da britânica Aston Martin pela kuwaitiana Investment Dar; e, no Brasil, a kuwaitiana Agility, do ramo de logística, está presente desde 2010, quando comprou a brasileira Itatrans (leia mais sobre as relações do Kuwait com o Brasil no link no final da página).
O país olha também com muito interesse para a Ásia, países como Japão, China e Coreia, para onde vai boa parte do petróleo que exporta. “Temos grandes investimentos nestes mercados, em bancos, por exemplo”, disse o editor de Economia da Kuwait News Agency (Kuna), Fawaz Karami.
Mesmo com essa busca de ativos no exterior, as contas externas do Kuwait estão em ordem. Com a produção e exportação de petróleo, o país bate superávits recordes do ponto de vista fiscal e na seara externa, segundo o último relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a economia local. Karami acrescenta que esse desempenho superavitário ocorre há 14 anos consecutivos.
Há, porém, outro fator por trás do gosto dos kuwaitianos por investimentos no exterior. Além de pequeno e árido, o país é vulnerável, pois está cercado por vizinhos mais poderosos: Arábia Saudita, Iraque e Irã. A invasão iraquiana de 1990 ainda é um trauma para a população local, embora oficialmente as relações entre os dois países tenham sido reestabelecidas. O medo de perder tudo para um novo invasor é um incentivo a mais para investir fora.
De acordo com o professor de Relações Internacionais da Universidade Americana do Kuwait, George Irani, a memória do que ocorreu há mais de duas décadas e a disputa atual entre Arábia Saudita e Irã geram paranoia na sociedade local. “Se não fosse pelos Estados Unidos, o Kuwait estaria perdido num sanduíche entre o Irã e a Arábia Saudita”, afirmou.
Os EUA são aliados de longa data do Kuwait, expulsaram as tropas de Saddam Hussein no início da década de 1990 e ainda mantém presença militar no país. Há, no entanto, uma percepção de que os norte-americanos tendem a se afastar gradativamente dos problemas da região, seja pelo desgaste sofrido a partir da invasão do Iraque, em 2003, ou pela perspectiva de que vão se tornar autossuficientes em petróleo.
Nesse sentido, as nações do Golfo buscam fortalecer as relações com outros parceiros, especialmente da Ásia, que já respondem por uma fatia considerável das compras de petróleo da região, do abastecimento dos mercados locais com produtos e do fornecimento de mão de obra. No Kuwait, os nativos representam menos de um terço da população total, o restante é composto de expatriados, principalmente trabalhadores asiáticos.
Mercado interno
Este interesse no exterior não quer dizer que economia local não vai bem, pelo contrário. O crescimento foi pequeno no ano passado, 0,8%, mas após um avanço de 6,2% em 2012, segundo o FMI. Para este ano, a expectativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) é de 2,6%.
A inflação ficou em 3% em 2013, quase a metade da do Brasil. A taxa básica de juros está em 2% ao ano, nível mais baixo da história. O FMI prevê avanços nas atividades não ligadas ao petróleo este ano e no próximo, pois há perspectiva de aumento de investimentos na infraestrutura local.
É que para que o crescimento do país seja sustentável é preciso diversificar a economia. Segundo Karami, o governo quer transformar o Kuwait num polo financeiro até 2035 e está em implementação um plano que prevê investimentos de US$ 100 bilhões em infraestrutura e na cadeia de petróleo a cada cinco anos. O primeiro período quinquenal termina em fevereiro, mas, de acordo com ele, do total previsto, apenas 47% foi aplicado. “É a primeira vez que temos um planejamento [do gênero]”, justificou.
Um dos problemas que o Kuwait enfrenta para executar o orçamento de investimentos é a disputa entre o governo, capitaneado pela família Al-Sabah, do emir Sabah Al-Ahmad Al-Jaber Al-Sabah, e o Parlamento. Os dois poderes vivem às turras, o que acaba produzindo períodos de paralisia política e orçamentária.
Findo o primeiro período de cinco anos, espera-se que um novo plano com o mesmo orçamento seja lançado para os próximos cinco anos. O foco principal são as obras de transporte e logística e há perspectiva de realização de concessões, parcerias público-privadas e até de privatizações. Outra necessidade é o fortalecimento do setor privado. O Kuwait quer garantir que uma parcela maior das riquezas que produz permaneça no país e ao mesmo tempo espera ampliar a entrada de investimentos estrangeiros. Na área petrolífera, o país está no máximo de sua capacidade de produção e, para ampliá-la, precisa investir em exploração.
Para o professor George Irani, o Kuwait “vive com prazo de validade”, ou seja, não conseguirá viver para sempre às custas das receitas do petróleo, sem cobrança significativa de impostos e sem o desenvolvimento de outras atividades econômicas fortes. “Você vê grandes hotéis por aqui, mas não há turismo”, exemplificou.
De fato, as grandes carreiras hoteleiras estão presentes do país, mas não há o tipo de ação de promoção que leva multidões de estrangeiros para outros emirados da região, como Dubai, Abu Dhabi e Catar. Pelo contrário, o Kuwait é grande emissor de turistas.
O jornalista viajou a convite do governo do Kuwait


