São Paulo – Desde a adolescência, alguma coisa acontece no coração de Hussein Abdo El Selam sempre que o Carnaval se aproxima. Nascido em São Paulo e filho de libaneses, Seu Jamil, como é mais conhecido, nunca pensou, no entanto, que a paixão pela folia poderia levá-lo tão longe. Mais exatamente ao cargo de presidente da escola de samba Acadêmicos do Tucuruvi, do Grupo Especial da festa paulistana.
No posto desde 1991, orgulha-se de ter usado seu talento árabe para os negócios ao administrar a agremiação. E já sabe que vai ser só alegria e lágrimas quando ouvir a bateria da Tucuruvi, na madrugada deste sábado (dia 5), sacudindo o sambódromo.
“Eu choro antes mesmo de entrar na avenida”, conta Seu Jamil. “A cada ano renovo as minhas emoções, nem acredito que sou o responsável por aquele trabalho todo”, conta, acrescentando que estar no Anhembi, onde acontece a festa, é sempre “especial e diferente”.
Quem ouve um depoimento emocionado assim, imediatamente se pergunta: mas como esse legítimo representante da comunidade árabe foi parar no samba? “Meu vizinho era diretor da escola, que não decolava nunca”, conta Seu Jamil. “Disse a ele que se estivesse lá levantaria a Tucuruvi. E recebi o convite para trabalhar na agremiação”, lembra.
Uma vez entre os carnavalescos, Seu Jamil tratou de colocar ordem na gestão da folia. “Vejo a escola também como uma empresa, um comércio. Precisamos vender ingressos, conseguir patrocinadores”, explica. “O dinheiro na minha mão se multiplica: faço R$ 100 mil virarem R$ 200 mil”, conta, colocando toda a sua herança árabe de bom negociador a serviço da festa.
Do Líbano ao Nordeste
Ainda sobre as suas origens, Seu Jamil explica que a Tucuruvi nunca teve um desfile com temática árabe. Mas que isso não demora a acontecer. “Vamos fazer um Carnaval árabe sim”, promete. “O meu sonho é levar a escola para se apresentar em Beirute, no Líbano”, conta. “Pelo menos uns 150 dos nossos três mil componentes”, diz.
Enquanto o samba das arábias não vem, a agremiação homenageia, esse ano, os nordestinos que vivem em São Paulo com o enredo: “Oxente, o que seria da gente sem essa gente? São Paulo: a capital do Nordeste”. “Prometemos várias surpresas”, diz Seu Jamil. “Nossa Comissão de Frente vai mostrar a chegada dos nordestinos à capital paulista”, revela, prometendo um desfile de fortes emoções.
As mesmas emoções que o fizeram dedicar a vida ao Carnaval, missão na qual o presidente da Tucuruvi não está sozinho. “Minha mulher, Edna, com quem estou casado há 53 anos, cruza a avenida sambando com a energia de uma menina de 18 anos”, diz, romântico. Juntos no amor pela festa, o casal ainda conta com a empolgação da neta Sara, de nove anos. “Ela adora desfilar conosco”, diz o avô carnavalesco e de sangue árabe, com a animação de quem, tantos carnavais depois, ainda sente o coração disparar ao primeiro acorde da bateria.