Isaura Daniel
São Paulo – Todos os dias o professor Helmi Mohammed Ibraim Nasr estica um tapete com uma bússola que aponta a direção de Meca, cidade sagrada do islamismo, no chão da sua casa, em um bairro tranqüilo da cidade de São Paulo. Sobre ele Nasr, considerado um dos mestres da cultura árabe no Brasil, se prostra e reza humildemente. Nessa hora desaparece o homem das letras e é possível perceber o homem de Deus.
Os livros são o mundo de Nasr. Mas a religião também. Nasr é muçulmano. As duas características fizeram com que fosse ele o escolhido para traduzir o Alcorão Sagrado do árabe para o português. O Alcorão em árabe é considerado o mais grandioso entre todas as versões já que, segundo conta a história, foi nesse idioma que a mensagem de Allah foi revelada ao profeta Muhammad.
Professor de Estudos Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente de Relações Internacionais da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Nasr é egípcio, mas fez do Brasil a sua segunda pátria. Chegou em 1962 para ficar um ano e não retornou mais. No Brasil, Nasr chegou com uma missão: fundar o departamento de Língua Árabe da USP, a mais importante universidade brasileira.
A idéia foi do ex-presidente brasileiro Jânio Quadros, em 1961, entusiasmado com uma visita feita ao então presidente egípcio Gamal Abdul Nasser. Pediu ao governo egípcio o envio de um professor árabe ao Brasil para levar adiante a iniciativa. Nasr foi o escolhido em função do domínio da língua francesa, considerada uma das mais próximas do português pelos egípcios. "Foi uma surpresa. Eu não tinha intenção nenhuma de viver no Brasil." Nasr impôs sua condição: apenas um ano.
O departamento foi fundado. Foi criada a graduação em língua árabe, a pós-graduação, o mestrado, o doutorado. Mas Nasr ainda não foi embora e nem pretende fazê-lo. Para ele viver no Brasil se tornou uma missão. "Achei que era um dever porque a colônia árabe no Brasil é muito respeitada, é formada por pessoas muito boas, mas conhece pouco a própria cultura. Achei que o ambiente precisava de alguém para manter viva a cultura árabe. Era destino", explica.
Uma das preocupações de Nasr era justamente o fato de haver no país muitos árabes voltados ao comércio e poucos ao mundo das letras e da cultura. "Coloquei o primeiro tilojo", sorri.
Antes de vir para o Brasil, Nasr morou por quatro anos na França, onde fez doutorado em Moral e Sociologia. Quando foi chamado para transferir-se para o Brasil, estava dando aulas na Universidade do Cairo. Foi na instituição de ensino que Nasr também se graduou, anos antes, em Estudos Clássicos e Religiosos. "Nessa faculdade os alunos precisavam saber o Alcorão", lembra.
O estudo impulsionou o conhecimento da religião muçulmana por parte do professor. Mesmo antes disso, porém, ele tinha familiaridade com o livro sagrado em função das suas visitas à mesquita desde a infância. O egípcio tem uma família numerosa: são oito irmãos. Ele, porém, sempre foi o mais ligado à religião. O professor já foi a Meca, na Arábia Saudita, fazer peregrinação cerca de dez vezes. Ali fica a Caaba, antiga casa de Abraão.
Homem dos livros
Nasr publicou neste ano, durante a Cúpula dos Países Árabes e Sul-Americanos, o primeiro dicionário árabe-português. A edição foi feita pela Câmara Árabe e distribuída no Brasil. Ele foi o responsável também pela tradução para o árabe do livro "Novo Mundo nos Trópicos", do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre. A publicação está sendo distribuída no mundo árabe.
O professor escreveu também teses e estudos que pretende publicar. Um deles se chama "A Teoria de Asín Palácios sobre a Divina Comédia". A tese, de livre docência, se baseia na teoria de Asín Palácios, um padre espanhol, para quem Dante Alighieri tirou os elementos da obra "A Divina Comédia" da cultura islâmica. "Minha rotina é o estudo", resume, feliz com sua escolha de vida.
Homem de negócios
Na Câmara Árabe Nasr ingressou na década de 70, depois de ser convidado por líderes da entidade. O professor se aproximou deles quando o atual prédio do hospital Sírio Libanês estava por ser construído. O professor foi posto em um comitê encarregado de recolher dinheiro para as obras. "Pensei: o que vou fazer, não tenho aptidão para isso." A idéia de escrever uma carta para o rei da Arábia Saudita na época, o rei Khalid bin Abdul Aziz Al Saud, porém, acabou trazendo US$ 200 mil para o projeto. Até hoje o professor comemora o feito.
Homem de família
Nasr tem 83 anos e é casado com a filha de libaneses e também professora da USP, Nida Gattaz. Os dois se conheceram no Brasil, alguns anos depois de o egípcio chegar.
Sempre sorridente, o professor conquistou a confiança e o respeito, além da simpatia da comunidade árabe brasileira. Helmi Mohammed Ibraim Nasr é tido hoje como uma das maiores autoridades em cultura e idioma árabe no Brasil.