São Paulo – A imigração clandestina, tema do próximo filme da cineasta tunisiana Raja Amari, não poderia ser mais atual. Na semana passada, a União Europeia aprovou um acordo que permite a restrição temporária da circulação de pessoas entre os países do bloco, com vistas a conter a entrada de imigrantes, principalmente do Norte da África, e a atender às pressões da Direita do Velho Continente.
Raja, nascida em 1971, em Túnis, é representante de uma nova geração do cinema árabe e está em São Paulo para participar da 6ª Mostra Mundo Árabe de Cinema, que termina nesta quarta-feira (29), em São Paulo, mas que segue em Brasília e depois será levada para Belo Horizonte. Ela foi convidada para fazer a palestra de encerramento do festival, após a exibição de seu último filme, “Segredos Enterrados”, de 2009.
A cineasta aproveitou para visitar a sede da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, uma das patrocinadoras da mostra, ao lado da diretora Cultural e Científica do Instituto da Cultura Árabe (Icarabe), organizador do evento, Soraya Ismaili, de Nagila Guimarães, uma das curadoras do festival, e do diretor de Relações Nacionais e Internacionais do instituto, José Farhat.
Atualmente, Raja trabalha para levantar financiamento para seu novo filme. Como no Brasil, conseguir recursos para fazer cinema no Norte da África não é tarefa fácil. Ela conta que “Segredos Enterrados” demorou três anos para ser realizado e trata-se de uma fita de orçamento relativamente baixo, de menos de 1 milhão de euros.
A cineasta diz que o setor conta com apoio estatal na Tunísia, mas isso cobre apenas parte dos custos, então os produtores têm que sair atrás de recursos. “Segredos”, por exemplo, é uma produção franco-tunisiana, embora se passe no país africano e seja falada em árabe.
Ela comenta que o cinema tunisiano não pode ser chamado de uma “indústria” propriamente dita, pois são feitas de três a quatro produções por ano, que podem ser chamadas de “filmes de autor”, mas que têm boa visibilidade internacional, pois participam de vários festivais e conseguem ser exibidos em circuito comercial, principalmente na Europa.
Tunísia
Por causa da situação política na Tunísia, que está sob um governo provisório, após a queda do ditador Zine El Abdine Ben Ali, ainda não sabe como será daqui para frente a política estatal para a cultura. “No momento, estamos aguardando as eleições, estamos em suspenso até saber o que vai ocorrer”, disse ela sobre a expectativa que paira sobre o povo tunisiano. “Hoje [o setor de cinema] também está em suspenso até sabermos qual será a política do governo para a cultura”, acrescentou.
As eleições estão marcadas para outubro e, segundo Raja, será a primeira vez que o país terá um pleito verdadeiramente livre. Apesar das incertezas sobre o que virá depois e do clima de ansiedade, ela garante que há “muito entusiasmo” entre a população.
Movimento
O tipo de filme que se faz hoje na Tunísia reflete um movimento mais amplo que ocorre no Oriente Médio e Norte da África. Segundo a cineasta, o novo cinema árabe traz as visões mais “pessoais” de seus realizadores e é menos comercial.
No passado, a indústria da região era dominada pelo Egito, que tinha uma vasta produção de comédias e de outros gêneros populares. Hoje, de acordo com Raja, o próprio Egito, mais o Líbano, o Marrocos e a Tunísia, lideram a vanguarda do cinema regional. Como no Brasil, porém, as produções regionais não são necessariamente as de maior sucesso comercial, mas sim as norte-americanas, e também as francesas, no caso dos países do Magreb.
Segundo Nagila Guimarães, uma das curadoras da mostra, a produção árabe, no entanto, aumenta em quantidade e em qualidade. Nos últimos anos, ela participou da organização do Festival de Cinema de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, onde metade dos filmes exibidos é necessariamente da região.
Os festivais internacionais proliferam no mundo árabe. Um dos mais tradicionais é o de Cartago, na Tunísia, mas recentemente outras mostras foram criadas em Dubai, também dos Emirados, em Doha, no Catar, além de Abu Dhabi. Isso, de acordo com Nagila, tem ampliado a exposição da produção regional e despertado o interesse dos distribuidores.
Soraya, do Icarabe, garante que a seleção de 17 filmes feita por Nagila, junto com a também tunisiana Dora Bouchoucha, fez com que a programação da mostra, que ocorre há alguns anos, desse "um salto de qualidade". Farhat acrescentou que houve uma "aceitação enorme" do público. "Tivemos salas cheias", declarou.
A exibição do filme de Raja ocorre a partir das 20 horas, na Cinemateca Brasileira (www.cinemateca.gov.br), e o debate com a cineasta, logo depois. Para mais informações sobre o festival, acesse www.mundoarabe2011.icarabe.org.

