Francisco Clemente*
É interessante notar que, num período ainda marcado pelas incertezas da pandemia, a corrente comercial do Brasil com as nações árabes tenha apresentado em 2021 seu melhor resultado desde 2014, totalizando US$ 24,25 bilhões. Melhor ainda, quando observamos que o saldo é favorável ao nosso País, que exportou US$ 14,42 bilhões, com aumento de 26% em relação a 2020, e importou US$ 9,83 bilhões. O superávit, portanto, foi de US$ 4,59 bilhões.
Cabe ressaltar que as perspectivas são positivas quanto ao avanço da interação econômica, conforme se constata nas expectativas da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. Os países do bloco seguem firmes como terceiro maior destino de nossas exportações, atrás apenas da China e dos Estados Unidos, e suas economias apresentam um fluxo de recuperação, inclusive da atividade industrial. Nesse cenário, o minério de ferro teve aumento expressivo nos embarques, somando-se aos produtos agropecuários, como açúcar, soja e carne bovina e de frango, nos quais já somos grandes fornecedores.
Os árabes, que ocupam o quinto lugar no ranking de nossas importações, são nossos fornecedores de combustíveis fósseis e fertilizantes. Agora, devem ampliar as vendas de alumínio e podem assumir posição mais estratégica para o Brasil no tocante aos adubos. Ainda no que diz respeito ao fluxo comercial, merece ênfase o fato de os Emirados Árabes Unidos terem assumido a liderança no bloco como compradores do Brasil, com aumento de 13,21% no valor em 2021 em relação a 2020. Em segundo lugar ficou a Arábia Saudita, com crescimento de 9,78%, seguida pelo Egito, com expansão de 14,55%.
A posição do Brasil como exportador para os árabes é extremamente estratégica por um aspecto muito peculiar: dentre os cerca de 424 milhões de habitantes do bloco, distribuídos em 22 nações, a grande maioria professa a religião muçulmana. Estima-se que apenas cerca de 15 milhões sejam cristãos. Para o mundo islâmico, os gêneros alimentícios precisam obedecer a uma série de requisitos, desde o abate dos animais, que não pode causar sofrimento, ou cultura agrícola, passando pelo processamento e embalagens. Nosso País tem excelência e as devidas certificações como fornecedor dos chamados produtos halal (“lícito”/“autorizado” em árabe).
Além dos alimentos, esse mercado atrelado a preceitos religiosos tende a crescer em outros segmentos, como o de cosméticos e medicamentos. São oportunidades com potencial de ampliar nossas exportações. O turismo halal também aponta tendência de expansão. Nessa área, o principal destino brasileiro tem sido Foz do Iguaçu, no Paraná, onde já há boa experiência na recepção dos visitantes muçulmanos.
O mercado halal, segundo dados do State of the Global Islamic Economy, deverá movimentar cerca de US$ 5,74 trilhões até 2024. Os povos que consomem esses produtos representam quase um terço da população mundial, ou aproximadamente 1,9 bilhão de pessoas. Os árabes, considerando-se os aspectos demográficos e o poder aquisitivo, encontram-se entre os principais consumidores do universo muçulmano, que inclui outras etnias, como parte dos habitantes da Índia e a grande maioria do Irã, Turquia, Paquistão e Afeganistão, dentre outros.
O mundo árabe demonstra rápida recuperação e apresenta alto índice de desenvolvimento e inovação em vários de seus países. Ademais, insere-se de modo cada vez mais significativo na economia e no cenário global. Os Emirados Árabes Unidos sediam exposição universal em Dubai e abrigaram o recente Campeonato Mundial de Clubes. O Catar receberá a Copa do Mundo da Fifa no final de 2022. Também são vultosos os investimentos de várias nações do bloco em todo o mundo, nas mais diversas atividades, incluindo as possibilidades de aporte de capital em clubes brasileiros, na esteira das oportunidades abertas pela Lei da Sociedade Anônima do Futebol – SAF (nº 14.193/2021).
O Brasil sempre teve excelentes relações com os árabes, inauguradas pelo imperador D. Pedro II, que visitou o Líbano e a Síria, dentre outros países da região. O fluxo imigratório intensificou-se desde então. Hoje, são cerca de 12 milhões de imigrantes do bloco e seus descendentes vivendo no Brasil. Trata-se de uma interação histórica, fator humano importante para que o comércio exterior entre os dois povos prospere cada vez mais.
*Francisco Clemente é líder do Desk Oriente Médio da KPMG no Brasil.