São Paulo – Foi por um erro da polícia libanesa que, em 1901, o empresário Elias Hallab Cauerk trocou Beirute pelo Rio de Janeiro na companhia da mulher e de quatro filhos (outros quatro herdeiros nasceriam por aqui). O que os policiais que o prenderam por engano, já que o seu nome era o mesmo de um ladrão que havia cometido um assalto, não imaginavam é que aquele erro daria ao Brasil seu primeiro chef árabe.
Profundamente abalado pela injustiça, que lhe custou dois dias na cadeia, ele colocou no navio todos os equipamentos do restaurante que tinha na capital de seu país e embarcou sem olhar para trás.
Foi assim que, no mesmo ano em que chegou, Elias abriu o primeiro restaurante árabe do Brasil, o Oriente & Ocidente, na Rua da Alfândega, no Centro da cidade maravilhosa. “No início, a casa atendia os imigrantes árabes instalados na região”, explica Samir Moysés, neto de Elias e chef do restaurante Folha de Uva, em São Paulo. “Mas depois caiu nas graças dos brasileiros, que adoravam o charuto de uva, o homus e os carneiros que ele preparava”, diz Moysés.
Isso mesmo, era o próprio Elias quem comandava as panelas de seu estabelecimento. “Ele cozinhava muito bem”, conta Moysés. O neto do empreendedor dos sabores das arábias faz questão de manter a tradição. “No Folha de Uva, tudo é feito exatamente como ele fazia”, afirma.
Além do talento na cozinha, Elias deixou outra herança até hoje respeitada na família: a generosidade com os mais necessitados. “Todos os dias, ele distribuía moedas para os mendigos do Centro do Rio, além de cozinhar a mais para ter o que oferecer a essas pessoas”, conta Moysés.
Sério e muito dedicado à família, Elias era um homem bom de prosa. E costumava receber “patrícios e clientes” para conversar em seu restaurante. “Ele era um conselheiro para muita gente”, diz Moysés.
Após a morte de seu fundador, em 1940, o Oriente & Ocidente passou para um dos filhos até encerrar suas atividades, algum tempo depois. Hoje, a tradição gastronômica familiar continua por meio do trabalho de Moysés no Folha de Uva e de outra neta, Eugênia, proprietária do Empório Árabe em Vitória, Espírito Santo. Prova de que, gerações depois, o legado do primeiro chef libanês no país continua unindo brasileiros e árabes em torno da mesa.