São Paulo – A pandemia adiou viagens, cancelou feiras e congressos, trouxe as reuniões de negócios para a sala de casa, esvaziou os céus. E, embora exista consenso de que as pessoas vão voltar a viajar muito a lazer, o cenário que aguarda os congressos, as feiras e as empresas aéreas é desafiador. A Organização Mundial do Turismo, órgão das Nações Unidas (UNTWO, na sigla em inglês), estima que 2020 vai retomar os patamares dos anos 1990 em volume de negócios, com quedas entre 70% e 75% nas chegadas internacionais e perdas de US$ 1,1 trilhão em renda relacionada ao turismo.
Diretor da Reinisch Projects e com ampla experiência na organização de feiras e eventos, Lawrence Reinisch acredita que uma parte do turismo que não era de lazer vai ter muita dificuldade para retornar ao que era antes. Mas ele acredita que a interação humana não pode ser substituída “por uma tela”. “O turismo de instrução, de congressos, vai sofrer porque é possível ser substituído pelos meios digitais. Mas o networking não se faz por videoconferência. Conhecer uma pessoa por uma tela, estabelecer um laço de confidencialidade assim é muito difícil”, diz.
Reinisch acredita que, à medida que as pessoas forem vacinadas e que a pandemia estiver sob algum controle, o turismo de lazer voltará a crescer. Mas a crise econômica, a queda na renda e o desemprego serão um desafio até para essa retomada. “As pessoas colocam a viagem como extensão de suas vidas. Houve uma democratização do setor, muita gente passou a integrar a classe média e a viajar mais e isso ficou muito forte na cultura das pessoas”, diz Reinisch, que prevê a partir de 2021 uma retomada do turismo doméstico.
Professor no Senac Aclimação, bacharel em Turismo, mestre em Mudança Social e Participação Política e doutor em Psicologia Social, Fábio Ortolano também observa que, em um primeiro momento, o turismo do segmento conhecido como Mice (a categoria em que se incluem feiras, eventos e congressos) pode demorar a retomar, mas não por muito tempo. “Alguns rituais não são meras formalidades, eles agregam valor como, por exemplo, os coquetéis e os serviços agregados que possibilitam experiências”, afirma Ortolano.
Reinisch observa que cada destino tem uma característica. São Paulo, por exemplo, acostumou-se a ver hotéis lotados durante a semana e bem menos ocupados aos finais de semana, resultado da sua atratividade para o turismo corporativo, de conferências e feiras. Já o Rio de Janeiro via seus hotéis lotarem com o turismo de lazer aos finais de semana, além de também receber uma parcela do turismo de negócios. E a Costa do Sauípe, na Bahia, caracterizou-se por atrair conferências de empresas entre março e junho e viajantes de férias entre dezembro e fevereiro.
“As viagens corporativas vão diminuir, afinal as reuniões podem ser solucionadas por videoconferências. Mas podemos ver uma recuperação desigual em cada destino e até uma readequação nos pacotes e ofertas disponibilizados pelas empresas, como os long stays”, diz, sobre a opção em que quanto mais tempo hospedado, menor o valor da tarifa que o cliente precisa pagar.
Dubai e os aviões
Foi ainda nos anos 1980 que Dubai, um dos sete emirados que formam os Emirados Árabes Unidos, viu uma oportunidade de desenvolvimento econômico. Devido sua localização privilegiada entre os grandes emissores de passageiros e mercadorias do Ocidente e do Oriente, Dubai se colocou como centro de distribuição de aviões, passageiros, serviços e produtos.
Construiu portos, aeroportos e preparou sua infraestrutura. Criou uma empresa aérea e investiu em rede hoteleira. Outras cidades e países da região e da Ásia seguiram o exemplo: Catar, Singapura e até o emirado vizinho de Abu Dhabi.
Especialista em indústria aeronáutica e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcos José Barbieri Ferreira avalia que Dubai, apesar do desafio que tem pela frente, já diversificou seu turismo e infraestrutura a ponto de obter renda de diversas fontes.
Ele avalia que há um desafio grande para uma indústria importante dentro setor turístico: empresas aéreas e indústria aeroespacial na Europa, Estados Unidos e no Brasil.
“O impacto da pandemia nas empresas aéreas foi drástico. Algumas foram estatizadas, outras tiveram dívidas renegociadas. De alguma forma, o Estado ajudou as empresas em cada um dos seus países. Agora, o que deverá acontecer é ter empresas menores, com menos rotas e menos aviões. E as companhias mais saudáveis tendem a se fortalecer”, diz Barbieri.
“Ao que tudo indica, dentre os diversos estilos de vida, um aspecto parece ser comum entre todos: congregar a conexão, o ambiente e aquilo que realmente importa, nossos afetos. Além disso, cada empresa terá o desafio de definir seu posicionamento, considerando a sensibilidade aos preços, perfil de seus consumidores, dentre outros fatores que já conhecemos”, avalia Ortolano.
Barbieri entende que a demanda por aeronaves menores e mais eficientes nos próximos anos deve ser maior do que por grandes aviões, justamente por ter um custo menor de operação. Ao mesmo tempo, mais aviões usados poderão estar disponíveis em razão da redução do tamanho das empresas. Resultado: os fabricantes terão o desafio de ofertar aviões mais eficientes, como já vinha acontecendo antes da pandemia, e talvez de diversificar seus modelos de negócios para outras áreas de atuação, como espacial e TI, algo que também já estava a acontecer.
“A pandemia não trouxe nada de novo. As empresas aéreas já estavam se adequando em busca de custos menores. Talvez o turismo de negócios viesse mesmo a usar mais tecnologia e demandar menos viagens corporativas. Mas o que íamos viver em duas décadas aconteceu em um ano. Foi uma revolução”, avalia Barbieri.
*Reportagem de Marcos Carrieri, especial para a ANBA