São Paulo – Em 1º de janeiro de 2017 a ONU terá um novo, ou nova, líder. O escolhido assumirá a Organização das Nações Unidas (ONU) com desafios amplos e que impõem ao cargo um poder de ação limitado. A crise dos refugiados, o conflito na Síria e a anexação de parte da Ucrânia pela Rússia são apenas alguns dos problemas que obrigarão o próximo secretário-geral a negociar com lados opostos na diplomacia internacional e buscar com eles soluções para conflitos. Governança e protagonismo das Nações Unidas são outros problemas que esperam o substituto do sul-coreano Ban Ki-moon nos próximos cinco anos.
Dos doze candidatos, seis são mulheres. São consideradas como possíveis escolhidas a ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, Helen Clark, a ex-ministra das Relações Exteriores da Argentina, Suzana Malcorra, e a diretora geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a búlgara Irina Bokova. Outros dois nomes com força na disputa são o do ex-primeiro-ministro de Portugal e ex Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, e o do ex-ministro das Relações Exteriores da Sérvia, Vuk Jeremic.
A escolha para secretário-geral começou em julho em enquetes informais realizadas no Conselho de Segurança da ONU, que é formado por dez membros rotativos e cinco permanentes. Nessas reuniões, cada candidato recebe avaliações como “incentivar a candidatura”, “desencorajar a candidatura” ou abster-se de votar. Ao fim de cada rodada, espera-se que candidatos com mais votos “desencorajar” deixem a disputa até que dois ou três nomes com mais chances de vencer sejam apresentados à Assembleia Geral, realizada sempre no mês de setembro e neste ano marcada para o próximo dia 20.
Após a apresentação dos três nomes mais fortes, um deles será escolhido. O selecionado geralmente é anunciado em outubro, mas neste ano o processo poderá ser encerrado apenas depois das eleições dos Estados Unidos, em 08 de novembro. O país é um dos cinco com poder de veto no Conselho de Segurança, ao lado de Rússia, China, França e Grã-Bretanha.
Há uma indicação de que o próximo secretário-geral das Nações Unidas seja uma mulher, pois nunca elas ocuparam o posto. Além disso, deseja-se que o representante seja uma pessoa nascida em um país do Leste Europeu também porque esta região nunca teve um secretário-geral. O protocolo do cargo também prevê que seu ocupante seja de um país que não seja uma potência global. O escolhido terá um mandato de cinco anos, que pode ser renovado indefinidamente. Nunca um secretário-geral ocupou o posto por mais de dois mandatos.
Desafios
O fluxo de refugiados precisa de ação rápida do próximo secretário geral. Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) mostram que em 2015 havia 65,3 milhões de deslocados no mundo, número que envolve pessoas que deixaram seus países ou que deixaram seus lares para viver em outra região do mesmo país. Entre os refugiados, o montante alcançou 21,3 milhões de pessoas no fim do ano passado. Na avaliação do professor do curso de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Marcus Vinicius de Freitas, solucionar a crise dos refugiados depende de outra solução: o conflito sírio.
“A questão da Síria é de difícil solução, pois envolve, sobretudo, o que fazer com o presidente Bashar al Assad. Um lado, o dos Estados Unidos, acha que é preciso ter troca de regime, criar uma democracia e ter uma nova liderança. A outra opção, defendida pela Rússia, é deixar Assad no poder. O conflito dessas duas visões impede que se solucione o problema. Além disso, há uma resistência dos Estados Unidos com um engajamento (de soldados) em terra, ainda mais em ano eleitoral”, afirma. Na avaliação de Freitas, o ideal seria a troca de regime, desde que fosse uma decisão calculada e com largo apoio internacional.
O professor do Instituto de Relações Exteriores da Universidade de Brasília (UNB), Pio Penna Filho, também vê na crise dos refugiados o maior dos desafios. “Nunca houve tantos (refugiados), com um fluxo migratório tão intenso à Europa. Os governos europeus vão reagir de forma mais dura a este fluxo. Já há manifestações de xenofobia”, afirma. Ele observou, porém, que a ONU pode concentrar suas ações em uma região que, apesar dos conflitos, pode alcançar a paz e o desenvolvimento: o Oriente Médio. “Quase todos os temas convergem para o Oriente Médio. Ali a ONU poderia fazer algo, se concentrar em atuar ali”, diz.
Mais ágil
Penna Filho recorda que as Nações Unidas foram mais ativas nos anos 50, 60, 70, época da Guerra Fria, e também na década de 1990, sob o comando do egípcio Boutros Boutros-Ghali (1992-1996) e do ganês Kofi Annan (1997-2006). Entre 1950 e 1970, observa, a Assembleia Geral das Nações Unidas discutia profundamente os temas em pauta e buscava solução para os problemas. Nos anos 1990, cúpulas como a Eco92, para o Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro, levavam a ONU ao papel de protagonista dos grandes desafios da civilização.
“Noto um declínio com a guerra ao terror iniciada pelos Estados Unidos (após os atentados de 11 de setembro de 2001). Gerou um esvaziamento da ONU e com ele, surgiram blocos regionais em resposta à falta de liderança da ONU”, afirma Penna Filho.
Para o professor de Economia Internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Antônio Carlos Alves dos Santos, a ONU tem outro obstáculo pela frente: ela mesma.
“A ONU surgiu em 1945 estabelecida em torno dos vencedores da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). É difícil que atenda às demandas de hoje, a tomar como exemplo o Conselho de Segurança, composto por cinco países membros permanentes. Ao não ter, por exemplo, Alemanha e Japão ou emergentes de grande influência neste grupo, ele já se mostra descolado do século 21”, diz Santos. “Um dos desafios do próximo secretário-geral das Nações Unidas é continuar o processo de reforma da instituição, que teve início nesta gestão e depende dos cinco países membros do conselho de Segurança”, afirma.
O processo de reforma da ONU passa por torná-la mais ágil nos processos internos e em atender rapidamente, por meio de suas agências, as demandas que surgem. A maior parte das decisões adotadas no âmbito da ONU precisam ser feitas por consenso. Contratar um funcionário, por exemplo, pode demorar mais de 200 dias. Parte do processo de reforma foi iniciado por Ban Ki-moon, cuja administração, por sua vez, divide opiniões.
Freitas afirma que o sul-coreano deixa o comando da ONU após dez anos sem nenhum grande escândalo administrativo, como ocorreu com seus antecessores. Santos observa que ele se esforçou em tornar a ONU mais ágil e iniciar reformas, porém reconhece: sua administração teve fracassos “retumbantes”, como a crise na Ucrânia e o conflito sírio.
Penna Filho avalia que sob a administração de Ban Ki-moon a ONU perdeu sua liderança e influência, mesmo reconhecendo que sua atuação é limitada. “O secretário geral tem poderes limitados. No entanto, pode abarcar temas fortes, como o dos refugiados, a defesa dos direitos humanos. Se a escolhida for uma mulher, existirá uma ênfase maior às questões de diferença de gênero, com foco na precariedade da situação das mulheres mundo afora”, diz. “A ONU só funciona se grandes potências se comprometerem com ela. Não adianta mais de cem países considerarem sua força e liderança se um grupo desrespeitar suas decisões”.


