Por Francisco Clemente*
Mesmo na pandemia, como se verifica em diversas áreas, atividades e relações multilaterais, há potencial de aumento nos investimentos e no comércio entre Brasil e nações árabes, cuja população total é de 424 milhões de habitantes. Os negócios com esse bloco, que já é o nosso terceiro maior parceiro comercial, atrás apenas da China e dos Estados Unidos, podem crescer muito mais.
Para entendermos melhor as oportunidades, é importante avaliarmos dados comerciais e pensarmos de modo estratégico. Em 2020, o Brasil teve superávit de US$ 6,1 bilhões no comércio com as 22 nações árabes, 16% a mais que em 2019. Nossas exportações, constituídas principalmente de carnes, açúcar e minério de ferro, alcançaram US$ 11,4 bilhões. As importações, marcadamente de petróleo, fertilizantes e minerais fosfatados, foram de US$ 5,3 bilhões.
O Brasil também aumentou em 26% as exportações aos países árabes entre janeiro e outubro de 2021, de acordo com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, com a receita das vendas atingindo US$ 11,5 bilhões, contra US$ 9,1 bilhões comparando com o período anterior. Até 2025, nossas vendas podem chegar a US$ 20 bilhões. Além disso, há significativo potencial de investimentos, pois a pandemia enfatizou a importância do Brasil para a segurança alimentar. Além da exportação de alimentos, há oportunidades de aporte de capital em atividades que facilitem o fluxo comercial, como a criação de uma estrutura logística direta entre Brasil e as 22 nações.
Isso também ampliaria exportações de outros produtos, aproveitando espaços nos navios dessa futura linha exclusiva. Os árabes têm interesse em concessões de infraestrutura que facilitem o acesso a alimentos e há no mundo árabe US$ 2,3 trilhões disponíveis em fundos soberanos, significando 40% do total mundial. É possível o acesso a esses recursos para financiar startups, iniciativas sustentáveis e projetos de segurança alimentar, preocupação permanente do bloco.
Alguns números ajudam a evidenciar a relevância do mercado global halal, com salto previsto de US$ 4,88 trilhões em 2019 para US$ 5,74 trilhões em 2024, um crescimento estimado de 18%. De forma detalhada, até 2024, os seguintes setores devem atingir os respectivos crescimentos em relação a 2019: moda (12%, chegando a US$ 31 bilhões); fármacos (12%, chegando a US$ 105 bilhões); turismo (7%, chegando a US$ 208 bilhões); mídia e recreação (22%, chegando a US$ 270 bilhões); alimentos e bebidas (18%, chegando a US$ 1,38 trilhão); cosméticos (15%, chegando a US$ 76 bilhões); e finanças islâmicas (28%, chegando a US$ 3,69 trilhões).
Um exemplo é o frango halal produzido nos frigoríficos brasileiros, em processo compatível com as tradições do islamismo. O Brasil é o maior exportador mundial do produto e há potencial para expandir as vendas. Os fundos soberanos árabes também têm interesse em atividades produtivas e, segundo a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, projetos produtivos estratégicos são bem-vindos na análise do aporte de capital.
Os árabes têm ainda oportunidades significativas de investimentos diretos no Brasil, não apenas em infraestrutura e transportes, mas na produção industrial e agropecuária. A necessidade de rápida incorporação de tecnologias, e o advento do 5G, abrem amplas frentes de oportunidades de aporte de capital. O novo Marco Legal do Saneamento Básico e iniciativas das empresas em princípios ESG também contribuem para um ambiente de negócios mais maduro.
Outra possibilidade está no mercado de esportes, tendo o futebol um cenário favorável para atrair o capital árabe com a Lei 14.193/2021, a qual entrou em vigor recentemente instituindo a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e criando condições legais para os clubes se transformarem em empresas. Com a sociedade anônima há mais governança e gestão, elementos que tornam os investimentos mais seguros. Esta lei, além de proporcionar uma estrutura legal para investidores, contribui para a renegociação de dívidas e o aperfeiçoamento da governança.
Um fator importante para ampliar comércio, negócios e investimentos com os árabes é conhecer sua realidade e cultura, começando pela forte presença dos descendentes no Brasil. São 11,6 milhões de pessoas, ou 6% da população nacional, segundo censo de 2020, uma comunidade marcante na vida nacional. A harmonia e a convivência fraterna, de mútuo conhecimento entre as partes, pode continuar contribuindo para o avanço da economia, a realização de negócios em conjunto e o desenvolvimento de novas oportunidades.
*Francisco Clemente é líder do Desk Oriente Médio da KPMG no Brasil