São Paulo – A Câmara de Comércio Árabe Brasileira tem um novo presidente. O diplomata Osmar Chohfi (foto acima) assumiu nesta quinta-feira (22) no lugar do empresário do setor de pesquisas Rubens Hannun. Nome conhecido nas relações internacionais, Chohfi já foi secretário-geral do Itamaraty e esteve à frente da embaixada em Quito, no Equador, quando o Brasil intermediou o processo de paz do país com o Peru.
Filho do sírio Michel Chohfi e da brasileira de origem síria Olga Abud Chohfi, o diplomata é de família com longa tradição na liderança de entidades árabes no Brasil. O pai, um empresário do setor de tecidos, foi um dos fundadores da Câmara Árabe e presidente do Club Homs. A mãe integrou as diretorias da Associação do Sanatório Sírio, que criou o Hospital do Coração (HCor), e da Liga das Senhoras Ortodoxas. O irmão, Michel Chohfi Filho, foi presidente do Lar Sírio Pró-Infância, que atende crianças e jovens carentes.
A rotina da Câmara Árabe não é novidade para Chohfi, que ocupa a vice-presidência de Relações Internacionais da entidade desde 2015. Quando foi secretário-geral de Relações Exteriores no Itamaraty, cargo que tem funções de vice-ministro, Chohfi liderou duas missões oficiais a países árabes nas quais teve contato com o trabalho da Câmara Árabe. “Tive a oportunidade de ver como a Câmara Árabe podia nos ajudar na diversificação da relação do Brasil com os países árabes”, relata ele à ANBA.
Chohfi assume a presidência tomando para si vários desafios, como aumentar o intercâmbio econômico do Brasil com os países árabes, trazer mais produtos de valor agregado à pauta, fazer com que cresçam os investimentos árabes no Brasil, ajudar a liberar entraves do comércio e seguir os esforços do seu antecessor pela modernização da Câmara Árabe. “Temos que estar aptos a ingressar na economia 4.0”, afirma.
Para executar essas e outras metas, ele conta com a vasta bagagem da diplomacia, da qual é aposentado. Chohfi foi embaixador na Espanha, no Principado de Andorra e no Equador, cônsul-geral em Nova York, chefe de gabinete de ministro e chefe do Cerimonial da Presidência da República, entre outros vários cargos. Ele também foi o representante permanente do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA), onde chegou a presidir o Conselho Permanente, principal órgão político da instituição.
A ajuda na consolidação da paz entre Equador e o Peru e a participação em temas da cooperação energética no âmbito do Tratado da Bacia do Prata são bem simbólicos da trajetória diplomática de Chohfi, sempre muito pautada no reforço das relações dos países sul-americanos, do qual ainda é um convicto. “O que de bom pode acontecer na América do Sul é bom para o Brasil, o que de negativo pode acontecer na América do Sul é ruim para o Brasil e vice-versa”, afirmou ele em entrevista à ANBA.
Leia abaixo alguns dos principais trechos da entrevista:
ANBA – O senhor faz parte da diretoria da Câmara Árabe há seis anos e agora se torna presidente da instituição. O que o aproximou da entidade?
Osmar Chohfi – A Câmara de Comércio Árabe Brasileira sempre foi uma presença na minha família porque o meu pai foi um dos fundadores da Câmara. Quando fui secretário-geral das Relações Exteriores do Brasil, em 2001 e 2002, tive a oportunidade de ficar mais próximo dos trabalhos da Câmara porque chefiei duas missões oficiais ao mundo árabe. O presidente Fernando Henrique Cardoso e o ministro das Relações Exteriores Celso Lafer determinaram ser necessário fazer um movimento de aproximação com o mundo árabe. Fiz uma missão aos países do Golfo, visitei Arábia Saudita, Kuwait e Emirados Árabes Unidos, e outra ao Egito, ao Líbano e à Síria. Nessas ocasiões tive a oportunidade de ver como a Câmara Árabe podia nos ajudar na diversificação da relação do Brasil com os países árabes porque ela tinha já uma atuação muito importante na promoção do comércio. A presença da Câmara nas missões ajudou muito nos contatos que fiz no mundo árabe, sobretudo no campo econômico-comercial.
Pode se dizer que a participação em entidades da nossa comunidade árabe-brasileira estava no meu DNA. Aceitei com muitíssimo prazer, então, o convite que me foi feito na gestão do Marcelo Sallum (2013 a 2016) para participar da diretoria da Câmara Árabe como vice-presidente de Relações Internacionais a partir de 2015. Aposentei-me da carreira diplomática em 2011 e a Câmara me deu a oportunidade de me reinserir numa atividade produtiva, o que me deu muita satisfação.
Qual é sua história na imigração árabe?
As duas famílias, a minha família materna, Abud, e a minha família paterna, Chohfi, chegaram ao Brasil há mais de 100 anos. O meu pai, Michel Chohfi, chegou ainda jovem, com um tio, em 1920, e meus avós Daud e Wassila chegaram um ano depois. O meu avô Salim Abud, que já era casado e tinha quatro filhos na Síria, veio em 1906, trabalhou como mascate, voltou para a Síria e trouxe minha avó em 1912. Eles tiveram mais seis filhos no Brasil, inclusive a minha mãe.
As duas famílias, tanto Abud quando Chohfi, se dedicaram ao comércio. Tenho muito orgulho dos meus antepassados porque mudar para outro continente, para um país longínquo, sem conhecer a língua e os costumes, era realmente um feito. Nada do que eu possa ter feito na minha vida se iguala a esse desafio.
Havia um universo cultural árabe na sua família?
Havia um universo árabe muito forte porque eu tinha muito contato com meu avô materno e com minha avó paterna. Os outros avós faleceram mais cedo. O meu avô materno falava português, não muito bem. Tinha sido mascate e andado muito pelo interior. Gostava de fumar cigarro de palha. Tinha um canivetinho, fazia o cigarrinho de palha, amarrava, fumava. Ele era uma figura extraordinária, gostava muito dele.
A minha avó paterna morou conosco desde que eu nasci até os meus 18 anos. Ela era uma pessoa extraordinária. Não falava muito bem português e nos ensinou, a mim e ao meu irmão, a falar um pouco de árabe coloquial. Depois, quando éramos adolescentes, um professor de origem libanesa Luiz Hayek deu aulas para mim e para o meu irmão. Nascida em 1872, ela nos contava histórias da Síria e tudo o que viu nos anos tão difíceis da Guerra de 1914-1918.
A cultura árabe era muito presente na nossa vida também porque participávamos das atividades do Esporte Clube Sírio, do Club Homs, lia-se a Revista Oriente, uma revista sobre atividades da colônia que trazia muita coisa sobre a cultura árabe. Também comíamos muita comida árabe em casa. Tivemos muito presentes esses elementos que chamamos de cultura mais ampla, até pela gastronomia árabe, que hoje é também parte da gastronomia brasileira.
A sua família se dedicou ao comércio e aos negócios. Como foi a sua escolha pela diplomacia em meio a esse universo?
Em minha família, ninguém entrou para o serviço público. Fui o primeiro. Desde o final do Ensino Médio, as matérias de que eu mais gostava eram história e geografia. Gostava de línguas também. O meu pai assinava o jornal O Estado de S.Paulo e naquela época, na primeira página só se publicavam notícias de política internacional; da Guerra da Indochina; dos acordos de Genebra; de diferentes conflitos; do papel da diplomacia e da ONU. Ao terminar o Ensino Médio, decidi fazer Direito porque o Direito abria muitas possibilidades e alternativas. Em 1960 entrei para a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo de São Francisco. Todas as tratativas internacionais, aquelas grandes reuniões, a ideia de que se podia trabalhar pela paz no mundo, tudo isso me interessava. Eu participava intensamente das assembleias na Faculdade de Direito, em uma época em que o movimento estudantil era fortíssimo e muito presente.
Na época, meu pai participou de uma sociedade em uma construtora e cheguei a fazer um estágio lá. Posteriormente fiz um estágio em Advocacia. Mas, no fundo, sempre quis ser diplomata. Fiz Direito pensando que seria uma porta para a possibilidade de ser diplomata, como realmente foi. Quando estava no começo do último ano, fiz o exame de admissão ao Instituto Rio Branco. Antes disso, eu já tinha tido uma conversa com o meu pai. Para conseguir atingir aquilo que eu queria, eu precisava do meu pai pois não tinha renda própria. Ele me apoiou plenamente a atingir esse objetivo.
Na diplomacia, o senhor teve a oportunidade de atuar em países árabes?
A minha carreira foi muito voltada para assuntos latino-americanos. Um dos meus primeiros trabalhos foi na Embaixada do Brasil em La Paz, na Bolívia. Quando cheguei em La Paz, em 1974, estava sendo negociado o acordo de fornecimento de gás da Bolívia para o Brasil. Chefiei o setor comercial da embaixada, o que me deu uma visão muito clara da prioridade que têm os países sul-americanos na política externa brasileira. O que de bom pode acontecer na América do Sul é bom para o Brasil, o que de negativo pode acontecer na América do Sul é ruim para o Brasil e vice-versa.
De La Paz fui transferido para a Embaixada do Brasil em Buenos Aires, onde chefiei o setor político. Na época, nossa relação com a Argentina era muito tensa por causa da construção da Usina de Itaipu. Ainda no universo das Américas, trabalhei, por exemplo, nas divisões da América Meridional I e América Meridional II do MRE; na Organização dos Estados Americanos (OEA); na Embaixada do Brasil em Caracas; e na Embaixada do Brasil em Quito, no Equador, como embaixador. Essa última foi uma experiência extraordinária. O Brasil coordenou o processo diplomático para alcançar a paz entre o Equador e o Peru. Participei ativamente desse processo. Foi uma das melhores experiências diplomáticas que tive porque se chegou à assinatura de um tratado de paz definitivo. Não há tarefa maior para a diplomacia.
Em 2001, fui convidado para ser secretário-geral do Itamaraty. Foi nessa oportunidade que me aproximei mais dos temas árabes porque fiz as viagens que mencionei e que tiveram dois bons resultados: aproximei-me mais da temática dos países árabes e da Câmara Árabe. Foram viagens muito proveitosas para o relacionamento Brasil-mundo árabe. Essa aproximação, no final do governo FHC, se intensificou nos governos que vieram depois.
Como o senhor avalia o histórico das relações do Brasil com os países árabes?
A aproximação foi crescente. A partir do final do governo FHC, a relação se intensificou por diferentes razões. Houve uma aproximação política e sobretudo uma grande aproximação econômico-comercial, o que deu muita substância às relações entre o Brasil e os países árabes. As relações políticas são importantes pois dão a moldura institucional, sem a qual nada se realiza numa relação diplomática. Construída essa estrutura institucional, facilita-se o comércio, a cooperação econômica, os investimentos, a cooperação em ciência e tecnologia, a aproximação cultural, tudo isso aquilo que dá substância às relações entre as nações.
Como exemplo, vale lembrar episódios recentes: os fóruns econômicos Brasil-Países Árabes que a Câmara Árabe organizou. Em 2018 tivemos a participação do presidente Michel Temer no nosso fórum, em São Paulo. Em outubro de 2020, em fórum virtual em razão da pandemia, tivemos a presença do presidente Jair Bolsonaro. Em ambos, tivemos também a expressiva presença de ministros e empresários importantes do Brasil e do mundo árabe. Essas participações representam o reconhecimento da credibilidade e da importância da atuação da Câmara Árabe num relacionamento árabe-brasileiro, hoje em dia tão rico. O fato de que o Brasil é um país relevante para a segurança alimentar dos países árabes não é despido de significado porque dá um componente estratégico para a relação. O processo de aproximação com os países árabes tem sido uma construção permanente, cada vez mais sólida. Houve a visita recente do ex-presidente Michel Temer ao Líbano para levar ajuda humanitária brasileira. Como fato de grande significado, há que ressaltar a visita do presidente Jair Bolsonaro em 2019 aos Emirados Árabes Unidos, Catar e Arábia Saudita, ocasião em que foram assinados acordos significativos. Ademais, autoridades árabes e brasileiras do mais alto nível têm mantido contato permanente e frequente.
Durante a pandemia introduzimos elementos novos nessa relação. Enfrentamos vários desafios para mantê-la próxima sem os encontros presenciais. Tudo isso foi conseguido. Foi mérito da Câmara Árabe ter conseguido manter um ritmo intenso no relacionamento Brasil-países árabes. Resultou do esforço dessa diretoria cuja gestão está terminando agora, que foi liderada com grande competência e criatividade por Rubens Hannun, auxiliado pelos diretores que o acompanharam durante esse período. Os webinars e o fórum econômico, que foi todo virtual, foram um esforço tecnológico que deu extremamente certo. O fato de que o Brasil, mesmo nos momentos mais difíceis do comércio internacional conseguiu manter uma corrente de comércio estável com o mundo árabe, foi importante e demonstra que a nossa relação, do ponto de vista institucional, está muito bem estruturada e permite que esse conteúdo se desenvolva com mais facilidade e mais solidez.
O contexto mundial traz desafios para essa relação Brasil-países árabes?
Há elementos objetivos que tornam essa aproximação e esse intercâmbio importante para os dois lados. Isso não vai mudar num mundo em constante evolução, em que vários pressupostos foram superados. Há uma reconstrução da ordem mundial, com a ascensão da China e da Ásia, a reformulação da presença dos Estados Unidos no mundo propiciada pela administração Joe Biden, a evolução da União Europeia, os reflexos das consequências da pandemia no comércio internacional e da política econômica dos países. Tanto a América Latina, o Brasil em especial, como o mundo árabe vão ter que se adaptar a essas mudanças.
A relação do Brasil com o mundo árabe não vai ser impactada negativamente pois tem importância estrutural no campo da segurança alimentar no mundo árabe e da importância do mercado árabe para a produção do agronegócio brasileiro. Mas não é só isso. A cooperação na área energética pode se ampliar, os investimentos também. O Brasil, afinal, apesar de todas as vicissitudes, tem um potencial extraordinário e sempre será um mercado atraente para os investimentos internacionais. Os árabes procuram investir em setores que possam trazer resultados bons para os seus fundos soberanos. Tudo isso dá musculatura para a relação Brasil-mundo árabe, o que permitirá resistir com êxito a eventuais impactos negativos.
O que senhor enxerga como seus grandes desafios na presidência da Câmara Árabe?
São vários os desafios. Um deles é consolidar o incremento do intercâmbio comercial e econômico entre o Brasil e o mundo árabe. Vamos partir do patamar de cerca de US$ 16,8 bilhões do comércio bilateral (2020) para mais do que isso. Não quero dizer uma cifra, mas vamos tentar aumentar esse intercâmbio, fazer a Câmara partícipe importante para esse objetivo e, sobretudo, diversificar o comércio. Já temos produtos de valor agregado nesse comércio, mas precisamos ampliar sua presença na pauta. Um outro desafio é trazer mais investimentos árabes para o Brasil.
Também vejo a necessidade de aumentar as exportações dos países árabes para o Brasil. Nesse contexto é importante promover mais acordos de livre comércio como o que foi assinado entre o Mercosul e o Egito. Isso nos permitirá eliminar entraves, ampliar a facilitação de negócios e enriquecer a pauta do intercâmbio. Promover acordos para evitar a bitributação deve ser também uma meta.
Outro desafio é o de continuar esse nosso esforço de modernização. Temos que estar aptos a ingressar na economia 4.0. Precisamos criar uma estrutura tecnológica robusta, que é o que nós já estamos fazendo. Criamos a plataforma digital Ellos e nesse contexto, o projeto Blockchain. Temos o LAB CCAB, que será um espaço de interlocução entre as startups brasileiras e as startups árabes. Nosso planejamento estratégico – com metas para daqui a dez anos, mas que antecipamos para cinco anos – nos dá um roteiro seguro para o fortalecimento de nossa atuação, com objetivos precisos e realizáveis.
Vamos fortalecer nosso relacionamento institucional com os países árabes diretamente e através do Conselho dos Embaixadores Árabes no Brasil. O conselho é nosso parceiro fundamental nesse processo de aproximação institucional. Mas não somente isso. Continuaremos a estreitar nossa relação com a União das Câmaras Árabes, que nos considera um parceiro confiável, seguro e criativo; com todas as câmaras dos 22 países da Liga Árabe; e com as demais câmaras binacionais. Procuraremos manter uma relação institucional fluída com as autoridades brasileiras e árabes e com as comunidades empresariais do mundo árabe e do Brasil. Isso é algo que já fazemos muito bem e vamos continuar a consolidar.
Outro objetivo significativo é a regionalização, que já começou quando abrimos nosso escritório em Itajaí. Vamos abrir proximamente um escritório em Brasília e estabelecer pontos de contato em outros estados brasileiros para trazermos uma relação mais próxima com a Câmara. Com relação à internacionalização, temos uma experiência de grande sucesso que é o nosso Escritório Internacional em Dubai. Vamos estabelecer escritórios em Riad, na Arábia Saudita, e no Cairo, no Egito, assim que as circunstâncias da pandemia nos permitirem. Também queremos ampliar o relacionamento com outros parceiros institucionais, como Associação das Câmaras do Mediterrâneo e a União Africana, que nos darão projeção para outras regiões
O senhor pensa em uma aproximação com a comunidade árabe?
A Câmara Árabe e as outras entidades árabes coirmãs do Brasil têm um papel grande na criação de redes de aproximação dentro da própria comunidade brasileira de origem árabe, que como vimos na pesquisa encomendada pela Câmara Árabe no ano passado, chega a 11,6 milhões de integrantes. Esse, aliás, é um dos projetos que reputo de grande importância e que se liga a outras iniciativas como o nosso acordo com a Usek (Universidade Saint-Esprit de Kaslik), do Líbano, para recuperar a história da imigração. A criação da Casa Árabe, que vai valorizar o legado da cultura e da integração social árabe-brasileira, é outro exemplo. Conhecer a nossa história, o que representamos na sociedade brasileira como um todo, nos permitirá pautar uma contribuição cada vez mais ativa e com expressão própria na construção do Brasil que queremos.