São Paulo – Os países árabes enfrentaram a crise da covid-19 com relativa resiliência, mas a pandemia causou mudanças nas economias da região. O economista-chefe do Bahrain Economic Development Board, Jarmo Kotilaine, falou sobre essas transformações em evento virtual promovido pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira nesta quinta-feira (11).
“Em todos os lugares da região vemos uma resiliência relativa, mesmo em países em que havia uma vulnerabilidade relativa por causa dos riscos macroeconômicos, nós não vimos uma deterioração absurda e foi possível conseguir um nível relativo de continuidade da economia”, disse.
O Produto Interno Bruto (PIB) regional caiu entre 4% a 5% no ano passado, mas os países devem ter um 2021 de aceleração econômica significativa, dependendo de como a pandemia ocorrerá daqui para a frente, segundo Kotilaine. “De forma geral, devemos ver até 5% de crescimento em vários países, conforme retomamos as atividades econômicas”, afirmou ele.
O economista ressaltou que a pandemia de covid-19 teve grande impacto no Oriente Médio, mas afetou as diferentes regiões do mundo árabe de formas diversas entre si. O Egito, por exemplo, foi um dos países que teve crescimento econômico no ano passado, apesar da covid-19.
Kotilaine abriu sua palestra fazendo um recordatório dos eventos pelos quais passou a região nos últimos anos, como o aumento nos preços de petróleo, ascensão que foi interrompida pela crise financeira global de 2008, por sua vez seguida da Primavera Árabe, e então pela queda nos preços do petróleo no começo do ano passado, contexto no qual chegou a covid-19 ao mundo e aos árabes.
O economista afirma que a crise apareceu em um momento em que a ideia da abertura era muito central para vários países árabes, que tentavam modernizar suas economias e gerar crescimento, com turismo, investimentos em logística e comércio, aviação, entre outros. “Essa foi uma ideia que acabou sendo testada por uma crise que virou uma grande marreta na ideia da globalização”, afirmou Jarmo Kotilaine.
O especialista tem um livro publicado sobre o impacto da covid-19 nas economias do Golfo (Trials of Resilience – How Covid-19 is Driving Economic Change in the Arab Gulf) e no evento virtual falou bastante sobre o assunto. Kotilaine disse que já vinham se enfraquecendo nos últimos anos os propulsores do crescimento do Golfo, como a extração do petróleo e a expansão das atividades por meio dos cofres públicos, que causaram o boom da infraestrutura árabe e do setor imobiliário.
A hora do setor privado
Nesse cenário, de gastos menores do governo e projetos de infraestrutura ocorrendo em escala menor, o setor privado assumiu novo papel. “O crescimento terá que vir do setor privado e da produtividade”, diz Kotilaine. Ele detectou três perfis de empresas na região: as grandes, que atuam de forma global e conseguem competir em qualquer ambiente, as pequenas e médias empresas, que são maioria, e as empresas familiares.
As médias e pequenas são principalmente de varejo, serviços básicos, que ganharam dinheiro identificando oportunidades e minimizando custos com mão de obra barata. Muito do varejo local não conseguiu reagir bem à crise, com o e-commerce e a concorrência na área das grandes companhias internacionais da área. Também entre as empresas familiares, algumas nunca conseguiram se desenvolver de forma corporativa.
“Acho que esses desafios são oportunidades muito relevantes para pessoas que queiram chegar nesses mercados com bom direcionamento, com capital e possíveis boas parcerias, aproveitando as oportunidades de consolidação”, disse o economista como sugestão para empresas brasileiras. “Essa é uma área na qual empresas que já passaram por desafios no Brasil talvez vejam bastante valor”, falou.
Na crise da covid, foi a primeira vez que as empresas começaram a gastar mais dinheiro com tecnologia do que com mão de obra barata na região, segundo o economista. Ele acredita que isso poderia ter sido feito antes, face ao capital presente na região e à população pequena. “Isso está começando agora e está aumentando a produtividade”, disse.
Kotilaine se mostrou otimista com as possíveis lições que a crise da covid-19 deixaram na região, apesar de reconhecer que o período foi difícil e desafiador para muitas pessoas. “Acho que as estrelas estão alinhadas para dar suporte a uma nova mentalidade mais focada em inovação e criatividade na região do Golfo como nós nunca vimos antes”.
Fundos e planos
Questionado sobre o assunto pelo secretário-geral da Câmara Árabe, Tamer Mansour, Kotilaine afirmou que os fundos soberanos árabes seguirão investindo no exterior, mas há interesse muito grande em canalizar cada vez mais o dinheiro em nível local. Ele citou o fundo de investimento público saudita que anunciou que três quartos dos seus ativos serão mantidos na Arábia Saudita no período 2021-2025.
Indagado pelo presidente da Câmara Árabe, Rubens Hannun, sobre como a pandemia afetou os planos estratégicos dos países, tais como Visão 2030 saudita, o economista disse que eles não tiveram mudança fundamental. “Mas para todos os que tinham alguma dúvida sobre a necessidade das mudanças que esses planos propunham, a pandemia tornou-se a prova dessa necessidade”, afirmou, referindo-se principalmente à diversificação da economia e menor dependência do petróleo prevista neles.
O webinar “Perspectivas da Economia, Inovação e Tecnologia para 2021” teve também palestra do advogado especialista em tecnologia da informação, Ronaldo Lemos. Profissionais da Câmara Árabe apresentaram no evento o calendário de atividades da entidade para 2021. Hannun abriu o evento e Mansour mediou os debates.
Acompanhe o evento completo no YouTube.
Leia mais sobre o webinar: