Lia Rangel, da Agência Brasil
Brasília – A visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a cinco países do continente africano nesta semana marca a "redescoberta da África no nível político" e "o reencontro do Brasil com suas raízes". Essa é a avaliação do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
Para Amorim, do ponto de vista econômico, "a África representa um mercado importante para o Brasil". Segundo ele, em 2002, as exportações brasileiras para o continente chegaram a US$ 2,3 bilhões e as importações ficaram em US$ 2,6 bilhões. Além disso, estão previstas as assinaturas de cerca de 40 acordos que consumirão um investimento de R$ 500 milhões.
Apesar dos números, o chanceler já avisa: "essa não é uma viagem de resultados imediatos". Para ele, é o sinal do reconhecimento por porte do Brasil de uma dívida histórica com os povos africanos. Ele sustenta que o objetivo central é estabelecer canais de cooperação direta com os países, e nem tanto criar uma estratégia global de se fazer política.
O presidente Lula, acompanhado de mais de 10 ministros, cerca de 200 empresários e dezenas de parlamentares, chegou ontem a São Tomé e Príncipe. Hoje, visita a Angola e, nos próximos dias, passa por Moçambique, África do Sul e Namíbia.
Nesta entrevista exclusiva, o chanceler explicou, em pouco mais de 20 minutos, as estratégias do Brasil para a África, explicando as intenções da viagem presidencial. Ele garantiu que, desta vez, não haverá cancelamentos de última hora, como o que aconteceu em agosto. Veja a seguir os principais trechos:
De agosto até hoje, muitas coisas aconteceram no plano internacional. O Brasil se consolidou uma liderança nas articulações internacionais como representante dos países em desenvolvimento. Nesse contexto, quais as estratégias do país para o continente africano?
Celso Amorim – Nosso objetivo com a África é muito mais de cooperação direta do que propriamente de criar uma estratégia global. Evidentemente tudo se junta de alguma maneira e, no caso da África do Sul, especificamente, somos parceiros junto com a Índia no G-3. Nós temos interesses também nos países de língua portuguesa.
O presidente visitará São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique. Em São Tomé, o Brasil, como presidente da CPLP (Comunidade do Países de Língua Portuguesa), teve importância fundamental na retomada da democracia. Em Angola, nós temos um relacionamento fortíssimo que resistiu a toda a guerra civil e apostamos no crescimento dessa relação.
Já com Moçambique, que é um país que tem um enorme potencial, pretendemos estreitar nossa relação comercial. Há uma série de coisas que fazem essa viagem ser muito importante, além do fato de ser um reconhecimento da nossa dívida com a África.
Cerca de 200 empresários integram a comitiva presidencial, além de parlamentares e a maior missão ministerial já vista em viagens internacionais. Qual o significado disso?
Celso Amorim – Serão discutidos temas nas mais diversas áreas. De saúde a energia. Vão ministros e seus representantes, gente da área de financiamento, como o BNDES. Pessoas de todos os setores integram a comitiva justamente pelo aspecto social e cultural da África que desperta grande interesse no Brasil.
Não é uma viagem para se obter apenas um ganho imediato, um lucro imediato, ou mesmo uma cooperação técnica imediata. É também o Brasil em busca de si mesmo. A África é parte forte de nossa identidade e acho que essa visita do presidente Lula é parte desse reconhecimento.
O adiamento da viagem do presidente Lula provocou algum tipo de mal-estar para os países africanos?
Não, eles compreenderam perfeitamente. Essas coisas acontecem, questões de política interna. Acho até que ele vai mais fortalecido tendo passado toda a reforma da previdência.
Vamos falar um pouco sobre as estratégias específicas que serão tratadas com a Namíbia e com a África do Sul.
Começaremos pela Namíbia, pois o país é menor e temos lá uma cooperação muito importante na área naval. O Brasil inclusive está doando uma corveta…
Mas não é só na área militar essa cooperação…
Não. Inclusive participamos na exploração da plataforma marinha, que é muito rica no litoral da Namíbia. Estamos ajudando a desenvolver projetos nessa área. Também queremos reforçar a atuação da Embrapa, investindo em acordos na área agrícola.
Há também interesses, esses valem para todos os países incluídos no roteiro do presidente, em programas como o Bolsa Escola, o Fome Zero, e na área de desenvolvimento agrário.
A África do Sul, por sua vez, é uma país bastante estratégico para o Brasil. É parceiro junto com a Índia no G-3, e mostrou-se um aliado fundamental nas negociações internacionais, como ficou provado na formação do G-x, em Cancún.
Bem, na África do Sul existem muitos negócios ocorrendo. Na área automotiva está acontecendo muita coisa e há perspectivas de cooperação com outras áreas, como na aviação, com a Embraer. Do ponto de vista político, a visita consolida uma relação muito especial.
O presidente Lula já esteve muitas vezes com o presidente Mbeki. Inclusive, recentemente na reunião do G-3, na ONU. Vamos também cuidar muito da relação bilateral. Um exemplo é a assinatura de um importante acordo na área de Ciência e Tecnologia.
Passamos então para os países de língua portuguesa. As questões a seguir foram enviadas pela Rádio Nacional de Angola. Eles querem saber mais detalhes sobre a extensa comitiva formada por cerca de 180 empresários que vai ao país. Em que áreas o Brasil tem interesse em investir em Angola?
Angola é um país muito rico. Nós já temos presença tradicional na área de petróleo e queremos mantê-la e desenvolvê-la, se for possível. Temos também participação expressiva na área da construção civil – empresas brasileiras tiveram importante papel na construção de barragens, principalmente, e na mineração de diamantes, mas acho que devemos diversificar essa presença. Uma coisa interessante em Angola é que muitas empresas brasileiras, de pequeno e médio porte, já estão estabelecidas.
Encontramos brasileiros trabalhando com transporte coletivo e até nos ramos de alimentação. Acredito que essa grupo saíra muito fortalecido após essa viagem. Outra área em que os angolanos precisam muito de ajuda é a agrícola. As plantações foram completamente devastadas durante a guerra civil. Angola era um produtor importante.
Eu ainda me lembro de mapas antigos que apontavam o país como o segundo maior produtor de café depois do Brasil. Hoje em dia, a produção agrícola praticamente acabou. Essa situação abre a possibilidade para firmarmos não só acordos de cooperação, mas também para estabelecer negócios.
Tantos empresários brasileiros no país e com o crescente estreitamento entre Angola e o Brasil, há a perspectiva de criação de uma banco brasileiro em Luanda?
Isso está sendo examinado. A presença de um banco brasileiro em Angola é um elemento importante para facilitar a transferência de capitais para os pequenos e médios empresários que acabo de mencionar.
Para eles é muito difícil entrar em grandes projetos por dificuldades de conseguir uma financiamento. Nós gostaríamos muito que o Banco do Brasil pudesse estabelecer uma agência em Angola.
Mas ainda não há nada definido…
É uma intenção e vamos ver como as coisas acontecem.
E como o Brasil vê Angola hoje?
Para nós, Angola é um parceiro de grandes potencialidades, é um país importante na África, não só pela riqueza natural, mas pela sua diversidade cultural. Angola influenciou fortemente a cultura brasileira. Sempre quando falamos do congo, da congada, estamos falando de uma tradição vinda de Angola.
Sem dúvida, é um parceiro extremamente valioso, além de ser nosso vizinho direto, pois está diretamente do outro lado do Atlântico. Um país rico em petróleo, em diamantes e que tem grande interesse cultural pelo Brasil. Onde quer que você vá, mesmo em lugares públicos, você vê televisões transmitindo programas brasileiros.
Mudando o foco da conversa, vamos falar de São Tomé e Príncipe, um pequeno arquipélago próximo a Angola. O Brasil teve um papel de destaque como interlocutor do processo que contribuiu para a volta da democracia no país após o golpe militar, em julho deste ano. Um país paupérrimo, de tradição agrícola. Mas, recentemente, com a descoberta de poços de petróleo, espera atingir a maior renda per capta do mundo. Neste mês foram abertas as primeiras ofertas de blocos de petróleo. A Rádio Nacional de São Tomé e Príncipe pergunta: quais são as intenções do Brasil em relação à exploração do petróleo no país?
O que está sendo articulado é uma cooperação com a Agência Nacional do Petróleo para ajudar os saotomenses a desenvolverem o sistema de regulação e licitação da exploração do petróleo no país. Isso é muito importante. Vamos praticamente ensiná-los a negociar.
São Tomé é muito pequeno, muito pouco desenvolvido, e nós temos uma capacidade acumulada de negociação de blocos de petróleo que pode ser extremamente útil.
E quais são as outras possíveis áreas de cooperação entre o Brasil e São Tomé?
Principalmente vamos tratar de questões relacionadas à agricultura e à saúde. São Tomé tem índices altos de malária e o Brasil pode colaborar com técnicas de prevenção da doença. Existem também programas ligados à educação, sobretudo o Bolsa Escola.
Em Moçambique, há grandes expectativas de que o Brasil construa uma fábrica de medicamentos anti-retrovirais para ajudar no controle da Aids. A Rádio de Moçambique quer saber: que iniciativas concretas o Brasil vai levar ao país para contribuir com a prevenção da doença? Em que pé estão as negociações para a construção dessa fábrica?
Mantemos firme a intenção em levar adiante o projeto de construção dessa fábrica. Eu acho que depende exclusivamente de uma negociação interna, aqui no Brasil, com relação a forma do perdão da dívida externa de Moçambique.
Quando se perdoa uma dívida, sempre deve haver um resíduo, e queremos utilizá-lo para a construção da fábrica de medicamentos anti-retrovirais. Nós já começamos uma cooperação em projetos de prevenção da Aids e de distribuição de medicamentos. A ida do presidente dará um impulso muito grande para esses projetos.
A outra questão enviada pelos moçambicanos se refere a reativação das minas de carvão de Moatize, na província de Teté, ao norte do país. Que nível de investimentos o Brasil espera fazer nesta área e como estão as negociações nesse sentido?
Há interesses do governo brasileiro, da Vale do Rio Doce, do governo de Moçambique. O próprio presidente Lula esteve recentemente na ONU com o presidente Joaquim Chissano para tratar sobre esse assunto. Mas é um tema complexo, porque envolve a mineração, a construção de ferrovias, obras de construção civil e empresas em mais de um país.
Em termos de investimentos já se tem uma definição?
Ainda não sei dizer. Mas seria muito importante que conseguíssemos concretizar esse negócio, seja individualmente, seja em cooperação com a África do Sul ou, quem sabe, com a China, que está muito interessada nesse negócio. É preciso juntar todos interesses em um só pacote. E eu tenho grandes esperanças de que isso possa ocorrer nessa viagem.
E quais os reais interesses do Brasil no projeto?
É um grande projeto econômico que serviria de âncora e irradiação para outras coisas. Em Angola, nós temos uma presença grande com a Oderbrecht, a Camargo Corrêa e a Petrobrás, o que acabou levando outras possibilidades de investimentos. Eu mencionei essas todas pequenas empresas que se formaram.
Muita gente foi para lá, médicos, por exemplo, para atender os funcionários da Oderbrecht, acabaram criando um sistema de hospitais e viraram pequenos empresários. Em Moçambique é isso que falta, um projeto grande que sirva de âncora para outros.
Outra área de grande interesse dos moçambicanos é a agrícola. Já existe um acordo de cooperação com a Embrapa, mas o que realmente pode evoluir dentro desta perspectiva?
Acho que sobretudo na pesquisa agropecuária, pois Moçambique é um país com uma renda per capta muito baixa, mas que tem um potencial bastante razoável para se desenvolver, principalmente por ter um mercado próximo a ele muito grande, que é o da África do Sul. Pode ser muito importante para algumas empresas brasileiras investir em Moçambique para atingir o mercado sul-africano.
Para finalizar, uma pergunta que coincide com o interesse de todos os países pelos quais o presidente passará nessa próxima semana. A política do presidente Lula voltada à África significa que também as elites estão de olho no continente africano. O que move esse despertar de interesses?
É uma busca da própria identidade do Brasil. É curioso. Eu já estive na África e é interessante notar as semelhanças com o Brasil na maneira de ser, de falar, na música. Eu senti por todos os países pelos quais passei na África, não só nos de língua portuguesa, que existe uma fome de Brasil.
A África é um continente com muitos problemas. Agora, felizmente, pelo menos a parte sul está toda pacificada, tenta implantar o sistema democrático e isso facilita o desenvolvimento.
É um continente de muita pobreza, evidentemente, mas não é estagnado. Há dinamismo e vontade de se fazer coisas. Eles têm de aprender muito, como nós também. Mas já passamos por um trajeto mais longo e temos muito a ensinar e também muito o que ganhar.
Eu acho que há esse desejo de reencontro com nossas raízes, o que explica o porquê de tantos deputados, de tantas entidades da sociedade civil estarem tão interessadas nessa viagem do presidente. Existe uma oportunidade de cooperação econômica que será mutuamente proveitosa e ajudará a África a se desenvolver.