Da redação
São Paulo – "A soja pode ser uma alternativa viável na luta contra a fome, principalmente em países com deficiência nutricional, se aliada a estratégias governamentais que levem em conta a contribuição de produtos alimentícios locais. O risco é grande quando se concentra os esforços em apenas uma commodity".
O alerta foi feito ontem pelo secretário intergovernamental da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Peter Thoenes, em palestra feita na VI Conferência Mundial de Pesquisa de Soja, a IV Conferência Internacional de Processamento e Utilização de Soja e o III Congresso Brasileiro de Soja, que estão sendo realizados em Foz do Iguaçu, Paraná.
Peter Thoenes fez palestra sobre o papel da soja contra a fome no mundo. Outro aspecto abordado pelo secretário da FAO foi a questão da competitividade no mercado globalizado.
"A adoção de políticas nacionais contra a fome deve passar pelas questões de comercialização, para que um país pequeno, por exemplo, possa obter êxito. No entanto, o governo dos países deveria interferir somente na fixação do preço do produto e seus derivados e resolver os problemas internos do povo", completou.
Segundo o Chefe do Departamento de Agricultura da FAO, Eric Kueneman, "o potencial de uso da soja para aplacar a fome no Brasil é bastante animador". E acrescentou: "O farelo, destinado principalmente para utilização como ração animal, pode ser também usado na farinha do pão, para uma melhor composição nutricional".
Ele defendeu que essas ações sejam feitas paralelamente à luta contra a miséria, a principal causa da fome no Brasil, para surtirem reais efeitos.
A respeito do Programa Fome Zero do governo federal, Kueneman informou que a FAO está muito interessada em apoiar a iniciativa, por meio de projetos específicos. "Pretendemos também aprender com a experiência brasileira para usá-la em outros países", adiantou.
Hoje a demanda de mercado impulsiona a produção mundial de soja, que está concentrada, majoritariamente, em países ricos. O Brasil, uma nação em desenvolvimento, é segundo maior produtor e o primeiro maior exportador mundial de soja em grão, mas ainda não tem cultura de consumo do produto. É essa realidade que a cadeia produtiva, pesquisadores e políticos tentam mudar.
Em duas frentes
No domingo (29), durante a abertura da Conferência Mundial de Soja, o presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Clayton Campanhola, já havia deixado claro que o Brasil continuará agindo nos mercados interno e externo para ampliar o uso da soja e seus derivados na alimentação.
Campanhola considerou fundamental a realização dos três eventos para o futuro da soja no Brasil e no mundo.
Ele lembrou que o Brasil, em apenas quatro décadas, passou de uma produção de 206 mil toneladas para 52 milhões de toneladas, com perspectivas de aumento para 58 milhões na próxima safra.
"O grande mérito da Embrapa para que o país chegasse ao atual patamar de eficiência foi a realização de estudos de adaptação da soja, cultura originalmente de clima temperado, ao clima brasileiro, o chamado processo de tropicalização da soja", disse.
"Foram lançadas, desde a fundação da Embrapa, na década de 1970, 206 variedades. Hoje, 50% da área nacional cultivada tem variedades desenvolvidas por nossos pesquisadores", informou.
A respeito da dicotomia entre soja transgênica e soja convencional, Campanhola afirmou que a pesquisa na área é questão de domínio tecnológico para o Brasil.
"A Embrapa, enquanto instituição de pesquisa agropecuária, tem grande papel a desempenhar para garantir a nossa soberania nacional. Se deixarmos essa tarefa somente nas mãos do setor privado serão atendidas parcelas de interesse", alertou.
"Nosso interesse é que a pesquisa também caminhe nessa área para garantir a segurança alimentar da população".
O Diretor-Presidente da Embrapa frisou a importância de haver investimento constante em pesquisa e do fortalecimento de parcerias com a iniciativa pública e a privada, para garantir o volume de produção de soja no Brasil.
"As discussões abordadas durante esses eventos irão subsidiar e nivelar os conhecimentos técnico-científicos sobre produção, processamento e utilização da soja no mundo. Convidamos os participantes a conhecer e experimentar o "jeitinho" brasileiro de fazer soja", finalizou.
À mercê das multinacionais
O ministro da Agricultura Pecuária e Abastecimento, Roberto Rodrigues, que também participou da abertura dos eventos, criticou a falta de lideranças ligadas à soja nas mesas de negociação internacionais.
"Não é possível que o Brasil, como um dos maiores produtores, não participe da formação do preço, ficando à mercê do preço estipulado por empresas multinacionais na Bolsa de Chicago", afirmou.
Rodrigues afirmou ainda que a agricultura é a vocação do Brasil. "O governo federal tem de criar condições para que o produtor não seja colhido por fatores estranhos à sua vontade. A agricultura é o maior negócio do país, a nossa âncora verde", disse.
Foco mundial
Esta é a primeira vez que um evento desta magnitude acontece no Brasil. "O país se torna o foco principal da soja no mundo. A pesquisa tem contribuído para o crescimento da produção e produtividade, atendendo a demandas globais", disse o pesquisador e membro da Academia Brasileira de Ciências Flávio Moscardi.
Participam do encontro mais de 1.500 pesquisadores de todo o mundo. Entre os temas discutidos destacam-se a situação atual da soja, as perspectivas mundiais para o grão, o uso de organismos geneticamente modificados, as soluções para o combate à ferrugem asiática, os benefícios na redução de riscos de doenças crônicas e seu uso como biodiesel.
Até o fim evento, no dia 5, devem ser apresentados mais de 700 trabalhos científicos.

