Marco Bahé
Recife – A eleição de um novo governador em Pernambuco, no final de outubro, pode ser o passo inicial de uma relação entre esse estado do Nordeste brasileiro e a Argélia. Eduardo Campos, 42 anos, é neto de Miguel Arraes – governador cassado pelo Golpe Militar, na década de 60, e que passou um longo exílio de 14 anos morando em Argel. Em sua primeira audiência com o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, na última quarta-feira, Campos manifestou o desejo de importar da Argélia gás natural liquefeito para ser usado no pólo industrial pernambucano e abastecer uma usina termelétrica instalada no estado.
O governador eleito levou ao presidente a preocupação com as relações instáveis entre Brasil e Bolívia, depois que o país andino decidiu nacionalizar a extração de gás natural e entrou em conflito com a estatal petrolífera brasileira, a Petrobrás. "Pernambuco está a ponto de receber importantes investimentos e não podemos ficar à mercê de um fornecimento duvidoso de gás", argumentou Eduardo Campos.
Ele se refere à refinaria de petróleo que deve entrar em funcionamento até 2009, além de um estaleiro, um fábrica de PET e outra de PTA. Sem falar da termelétrica de 480 megawatts que hoje funciona a 30% da capacidade devido à falta de gás. Só esses novos empreendimentos exigirão um fornecimento adicional de 10 milhões de metros cúbicos de gás por dia.
A saída apresentada pelo governo pernambucano é a compra do gás a países mais distantes e a construção de um terminal de regaseificação. Campos está convencido de que essa é a saída para diminuir a dependência brasileira do produto em relação à Bolívia. Após o encontro, o presidente Lula convidou Eduardo Campos para ir com ele à Venezuela no próximo dia 12. A petrolífera venezuelana PDVSA é sócia do Brasil na construção da refinaria em Pernambuco.
Laços de família
Campos, ex-ministro da Ciência e Tecnologia de Lula, tem uma relação afetiva com a Argélia por esse país ter recebido seu avô após o golpe militar de 1964. Governador identificado com as causas populares, Miguel Arraes tentou primeiramente exílio na França, o que foi negado. Recebido em Argel, iniciou ali um estreito envolvimento com as lutas anticolonialistas das nações africanas.
Além da Argélia, tornada independente da França em 1962, Arraes se envolveu ainda com os países de língua portuguesa. "Mantive relacionamento estreito com pessoas de Angola, Moçambique, Guiné, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, dada a identidade da língua, e acompanhei de perto a luta contra o regime colonial português", disse o político brasileiro, em entrevista antes de sua morte, em agosto de 2005.
Arraes levou a família para morar com ele, em Argel, onde nasceu o último dos seus 10 filhos. Eduardo Campos, nascido no Brasil, visitou o avô no exílio em 1969. "Lembro da família toda reunida, pela primeira vez, desde que o regime autoritário se instalou no Brasil", conta com emoção.
Miguel Arraes voltou ao Brasil, com a abertura política, em 1979, mas manteve os contatos no país que o acolheu. Tanto que, em maio de 2005, o presidente argelino Abdelaziz Bouteflika, em visita ao Brasil, fez questão da presença de Arraes no jantar que teve com o presidente Lula, em Brasília.
Três meses depois, Arraes morreria. Eduardo Campos, a viúva Madalena Arraes e toda a família viajaram para homenagens ao ex-governador em Argel, a convite do presidente Bouteflika.
"O Brasil e a Argélia têm muita coisa em comum. Somos povos que viveram sob o regime colonial e ainda temos muitos problemas sociais para resolver. Podemos nos ajudar mutuamente, não só no campo comercial, como no também na troca de tecnologia e cooperação técnica", diz o governador eleito de Pernambuco.

