Murilo Ramos e Luciano Pires, da Agência Brasil
Brasília – Há 50 anos, nascia uma empresa de energia cercada por suspeitas e dúvidas quanto à sua atuação e futuro. Críticos se perguntavam se uma companhia brasileira seria capaz de extrair e refinar óleo bruto e, além disso, distribuir seus derivados.
A história e os números provaram que sim. “Estaremos entre as dez maiores empresas petrolíferas do mundo em cinco anos”, aposta o presidente da Petrobras José Eduardo Dutra.
Hoje, a Petróleo Brasileiro S/A é praticamente unanimidade nacional. Correntes que em outras épocas exigiam sua privatização reconhecem o papel fundamental que a maior empresa nacional exerce.
A Petrobras é campeã na prospecção de petróleo em águas profundas, disponibiliza gás natural em quantidade e qualidade a indústrias e leva o nome do Brasil para fora ao fornecer combustível de primeira linha a uma equipe de Fórmula 1primeiro semestre de 2003, a companhia registrou lucro superior a R$ 9,37 bilhões. Em todo o ano passado o lucro registrado foi de R$ 8,09 bilhões.
Apesar de ter atingido patamar invejável, dada a estagnação econômica atual, não está nos planos da Petrobras diminuir o ritmo. Em entrevista à Agência Brasil, José Eduardo Dutra detalha projetos da companhia para os próximos anos.
Entre eles, o de posicionar a Petrobras, até 2008, no seleto grupo das dez maiores empresas petrolíferas do mundo. Chegar à auto-suficiência de petróleo no Brasil é uma das metas já para 2006. Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista:
A Petrobras encerrou o primeiro semestre deste ano com um lucro de R$ 9,37 bilhões. Ao longo de todo o ano passado, o saldo foi de R$ 8,09 bilhões. É possível explicar tal performance?
José Eduardo Dutra – A expectativa é que este lucro aumente ainda mais. O primeiro semestre foi um pouco atípico. No segundo trimestre os preços do petróleo estiveram excepcionalmente altos. As crises na Venezuela, na Nigéria e a guerra fizeram com que o preço do barril chegasse a quase US$ 40. Como a Petrobras é uma grande produtora de petróleo o lucro da companhia acabou sendo inflado. A nossa torcida é por um lucro maior que no ano passado, mesmo depois de tanta desconfiança.
A empresa está consolidada nesses 50 anos, mas ainda não falta a ela firmar-se no exterior?
A Petrobras começou a ter uma orientação estratégica para o exterior com a quebra do monopólio do petróleo no país. Isto porque, foi aberto um mercado – que até então – era cativo para que outras empresas viessem para cá. Era normal que a Petrobras se expandisse internacionalmente até para compensar as perdas decorrentes da quebra do monopólio. E isso começou a ser feito a partir de alguns focos, como a nossa posição estratégica na América Latina. Hoje, a companhia tem atuação em extração, refino e gás em toda a América do Sul, menos no Uruguai, Chile e Paraguai. Atuamos também no Golfo do México e Nigéria. Mas isso não significa que estamos fechados a outras oportunidades. Estamos tentando voltar para o Oriente Médio. Inclusive com uma proposta no Irã. Foi aberto um processo de licitação e estamos disputando dois blocos de exploração, apesar dos problemas de natureza política na região.
A Petrobras se interessa pelo Iraque?
Estamos avaliando, porque não há definição de como ficará o processo por lá. Mas as empresas dos países que participaram da guerra, Estados Unidos e Inglaterra, também devem ter preferência. Além de tudo, não temos capital para investir no mundo todo. Sabemos que 85% dos recursos que vamos investir nos próximos cinco anos vão ser feitos no Brasil. O país ainda é o grande mercado da empresa.
E em relação ao gás natural? Quais os próximos passos?
José Eduardo Dutra – A descoberta do gás não pode ser considerada econômica por si só. Ela se monetiza quando tem mercado para o consumo. A partir disso, o mercado é atingido com investimento em infra-estrutura, que geralmente é mais caro que a matéria-prima. Mas estamos diante de um bom problema com a descoberta de gás (Bacia de Santos). Vamos iniciar um processo de rediscussão de estratégia. Temos a expectativa de que daqui a cinco ou seis anos o gás tenha peso maior na nossa matriz energética. Deve chegar a 7%. Lógico que isso se faz de forma paulatina, até porque a entrada do gás implica na retirada de alguns produtos, como o óleo combustível, que também são nossos. Estudos cuidadosos estão sendo feitos para verificar a viabilidade.
Olhando para trás, qual a importância histórica do Estado enquanto gestor da Petrobras?
Não tenho dúvida de que se não tivesse havido monopólio do petróleo não teríamos atingido o atual estágio de desenvolvimento. Não vou entrar na polêmica se foi correto acabar com o monopólio. A Petrobras tem um perfil hoje diferente do começo. Continua sendo estatal, mas o Estado não detém a maioria das ações da companhia (a União possui 37% de participação). Existem pelo menos 400 mil acionistas da empresa. Entre eles, fundos de pensão dos Estados Unidos e milhares de trabalhadores de classe média que compraram ações com o FGTS. Apesar de ser acionista majoritário – e que coloca questões relativas à estratégia do Estado – o governo tem de levar em consideração o respeito aos minoritários. A Petrobras tem ganhado prêmios em função da transparência de seus relatórios. Isso é fundamental para atingirmos o volume de investimentos que pretendemos para os próximos cinco anos, que chega aos US$ 34,5 bilhões. Desse total, 57% é caixa da Petrobras. O resto vamos captar. Se não respeitarmos os minoritários, não teremos acesso a esses recursos. Este ano, por exemplo, tem sido um ano muito bom. Captamos US$ 4 bilhões no mercado internacional e vendemos títulos da ordem de US$ 250 milhões sem nenhum tipo de garantia da República. Inclusive em condições de juros menores que os obtidos por ela.
O presidente Lula defendeu como bandeira de campanha a construção das plataformas de extração no Brasil. Qual o índice de nacionalização das novas bases que serão construídas?
Mudamos editais de licitação de duas plataformas (P-51 e P-52). Com isso, o índice de nacionalização varia de 40% a 75% e acreditamos que essas exigências irão contribuir para que a indústria nacional esteja apta a atender a índices maiores. Essa opção não se reveste de ideologia ou nacionalismo. Do ponto de vista empresarial, é importante que empresas brasileiras se preparem para participar das licitações porque isso vai implicar em maior concorrência, melhores preços e melhores prazos, além de qualidade. Embora a obrigação seja do governo, a Petrobras, como maior empresa do país, tem papel indutor. Na licitação da P-54, por exemplo, exigimos conteúdo nacional superior: 65%.
Alguns setores questionam a construção de uma nova refinaria, que, neste momento, está sendo avaliada pela Petrobras. O país precisa de uma nova refinaria? Para começar a operar quando?
A empresa já tem investindo cerca de US$ 5 bilhões nas refinarias que possui. Isso permitirá uma maior capacidade de refino de óleo mais pesado e vai gerar até 2008 uma capacidade adicional de 220 mil barris/dia, o que representa praticamente uma nova refinaria. Além dessa ampliação, avaliamos, com base em projeção de crescimento, que cabe uma nova refinaria no Brasil para processar entre 150 mil e 200 mil barris/dia a partir de 2008. Sendo assim, ela tem de ser construída a partir do ano que vem. Onde vai ser? Não há definição. Há 12 estados concorrendo. Estamos realizando estudos de campo. Estamos mandando equipes para diversos lugares para analisar as áreas oferecidas, infra-estrutura e uma série de condicionantes que têm de ser avaliadas em conjunto. Tem que ter acesso, por exemplo, à matéria-prima. Mas não significa que o óleo será produzido no local da refinaria. Tem que ter mercado próximo, viabilidade de licença ambiental de longo prazo, porque a refinaria é um projeto de 50 anos. A nossa expectativa é que até o início do ano que vem, se a gente não chegar a definir o local, vamos ao menos afunilar a escolha. Não há espaço para construir 12 refinarias nem dinheiro para isto. Estamos nos propondo a construir uma e possivelmente em parceria com outra empresa.
O que vai pesar mais na decisão? A questão política ou a técnica?
José Eduardo Dutra – Fundamentalmente técnica. É lógico que se pode chegar a uma situação em que as diferenças sejam mínimas. E aí a Petrobras buscará junto aos governadores e estados condições para que a lucratividade seja maior para a empresa. A ‘pitadinha’ política referida tempos atrás pelo presidente Lula pode se dar numa circunstância em que haja uma posição muito próxima entre os estados. Aí a definição pode se dar por meio de uma decisão estratégica.
O Banco Central revisou para baixo a previsão de crescimento da economia para este ano. Sabendo que o consumo está diretamente ligado ao crescimento, como a revisão do Produto Interno Bruto (PIB) atingirá a Petrobras?
O próprio balanço da empresa projeta queda no consumo de gasolina e óleo. Mas acreditamos que a retomada do crescimento deverá se dar nos próximos meses ou ano porque as condições estão sendo consolidadas. E aí terá efeito direto para o Brasil e para a Petrobras.
Há uma perspectiva real de que o país se torne auto-suficiente em petróleo. Mas não há perspectiva de que o combustível se torne mais barato.
Vivemos em um regime de mercado aberto. Os preços são competitivos. Qualquer empresa pode entrar no mercado brasileiro. Isso é um balizador para que a Petrobras tenha um preço competitivo e não seja prejudicada por importações de terceiros. Temos de lembrar que se destrincharmos o preço do combustível, a participação da Petrobras gira em torno de um terço. Da gasolina que chega por volta de R$ 2 a um posto, a Petrobras recebe cerca de R$ 0,53. E essa parcela que recebemos remunera investimentos desde a extração até a distribuição.
A composição do preço está equivocada na opinião do senhor?
Existem alguns aspectos que podem ser comparados. O Brasil é um meio termo entre Estados Unidos e Europa. Nos Estados Unidos, a incidência de impostos é menor e na Europa é maior. A margem dos distribuidores brasileiros é maior do que nos Estados Unidos e na Europa. Agora na relação tributária quem pode decidir é o governo federal. Acho que em relação ao GLP, gás de cozinha, que tem peso no orçamento da família de baixa renda, seria possível reduzir o nível de tributos tanto federais quanto estaduais, entendendo que esse é um produto de primeira necessidade à população mais pobre.
Mas não seria o caso de desonerar a gasolina e o óleo diesel para estimular a economia?
Mas tem a questão arrecadatória. É um cobertor curto. Tem que se tentar encontrar um valor que garanta a arrecadação e não iniba o consumo. Mas a redução do consumo desses combustíveis tem a ver com os preços e em grande parte ao desaquecimento da economia também.
A reforma tributária pode solucionar esses problemas?
Estamos debruçados sobre a indústria de petróleo. Hoje estamos em vias de inviabilizar um projeto no Rio de Janeiro em função de uma modificação do ICMS na legislação estadual. Isso inibe que investidores estrangeiros venham para o Brasil. É preciso definir regras claras para os impostos para garantir segurança aos investimentos.
E quanto ao ICMS e à Cide? O senhor teme o que pode acontecer a esses tributos depois da reforma tributária?
A Cide não interfere sobre a Petrobras. Acredito que venha a ser utilizada no futuro dentro do propósito para a qual foi criada, ou seja, ter papel regulador e oscilar em relação ao preço do petróleo. Quanto ao ICMS, acho positiva a unificação das alíquotas porque dará estabilidade tributária e garantia ao investidor.
Qual será tamanho da Petrobras em quatro ou cinco anos?
Estamos trabalhando com projeção de que a Petrobras produzirá, apenas no Brasil, em torno de 2,4 bilhões de barris/dia (2 bilhões no Brasil e 400 milhões no exterior). Isso transformará a companhia em grande exportadora de petróleo e muda o perfil da empresa que passa a exportar mais de 600 mil barris/dia de petróleo. Em 2008, também esperamos que a Petrobras esteja entre as dez maiores empresas petrolíferas do mundo. Hoje somos a décima segunda.