Alexandre Rocha
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São Paulo – A Petrobras quer se tornar uma operadora mundial do ramo de gás natural liquefeito (GNL). Para tanto, a estatal brasileira começou a negociar parcerias com empresas e governos do Oriente Médio e da África. “Temos interesse em otimizar e garantir o fornecimento ao Brasil e a melhor maneira é atuar no mercado junto com outros atores”, disse à ANBA o diretor de gás e energia da empresa, Ildo Sauer, que ontem estava no Bahrein e no último domingo se reuniu com autoridades do Catar junto com o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. O Catar é o maior produtor mundial de GNL.
A Petrobras quer diversificar os fornecedores de gás, especialmente para garantir o abastecimento de usinas termelétricas, e fomentar um mercado flexível para a commodity. Ou seja, garantir a entrega do produto quando ele for necessário e pagar por aquilo que for efetivamente utilizado. “Este mercado era fixo, se você pega, paga, e se não pega, também paga”, disse Sauer. “Criando um mercado mais flexível é possível se proteger de eventuais acidentes na produção do Brasil, da Bolívia ou da Argentina, por exemplo, pois se gera suprimentos alternativos e não se gera custos fixos, como um gasoduto. Estamos buscando um modelo junto com os produtores e acredito que nossa atuação vai aumentar esse mercado (flexível)”, acrescentou.
Com a decisão do governo boliviano de nacionalizar sua produção de petróleo e gás, o medo de desabastecimento e de aumento de preços do gás transportado pelo Gasoduto Brasil-Bolívia passou a rondar o mercado brasileiro. Com parcerias no Oriente Médio, a Petrobras acredita ser possível se aproveitar a sazonalidade da demanda pelo produto ao redor do mundo. Segundo Sauer, no Brasil, onde a maior parte da energia é gerada em hidrelétricas, ocorre maior necessidade de gás entre maio e outubro, quando há estiagem. Já no Hemisfério Norte, a maior demanda ocorre em período diferente, quando lá é inverno.
“A característica que favorece o GNL é que ele é uma commodity que você pode trazer quando precisa e pagar quando usa, senão ele pode ser vendido para o Hemisfério Norte. A demanda no Brasil é no período de seca, quando é baixa a demanda no Norte”, disse Sauer. Como exemplo ele citou a atuação que a companhia já tem na área de petróleo e derivados, onde ela tanto importa como exporta produtos, dependendo das condições do mercado. Os excedentes de GNL podem ser exportados para os Estados Unidos, Europa e Ásia.
Neste sentido, mais do que simplesmente importar GNL, a empresa tem interesse em participar de atividades de exploração e produção nos países do Golfo Arábico e promover negócios conjuntos na região, no Brasil e em outros países.
No Catar, por exemplo, Gabrielli, Sauer e outros representantes da companhia se encontraram com o vice-primeiro-ministro e ministro da Energia e Indústria do país, Abdullah bin Hamad Al Attiyah, com o ministro de Estado, Mohammad Saleh Al-Sada, com o CEO da estatal Qatar Petroleum International, Nasser Khalil Al-Jaidah, e com o diretor-gerente da também estatal RasGas, Hamad Rashid Al-Mohannaidi.
Durante a visita, os representantes da Petrobras discutiram a importação de GNL, a possibilidade de exploração e produção no país árabe e a formação de joint-ventures para a realização de negócios no Brasil e em outros países. A delegação brasileira fez ainda uma visita à zona industrial de Ras Laffan, no norte do país, onde se encontram enormes depósitos de gás.
No Bahrein, Sauer se reuniu com representantes da agência reguladora do setor de petróleo e gás, que convidou a Petrobras a participar de rodadas de licitações para exploração e produção em blocos locais. Ele também se encontrou com executivos da Oman LNG, companhia de GNL de Omã, que também convidaram a Petrobras a participar de licitações no país e negociaram a venda de GNL ao Brasil. “Esta negociação avançou bastante”, disse Sauer.
Segundo o executivo, acordos do tipo “master sales agreement”, que permitem a compra spot de GNL, deverão ser assinados no futuro próximo com as companhias do Catar e de Omã, para que depois de parta a confecção de contratos de prazo mais longo. A Petrobras já assinou convênios semelhantes com a Sonatrach, da Argélia, e com a nigeriana Nigeria LGN.
Infra-estrutura
Recentemente a Petrobras alugou dois navios da companhia Golar LNG, especializada em transporte de GNL, para operação nos terminais portuários da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, e de Pecém, no Ceara. As duas embarcações são unidades de transporte, regaseificação e armazenamento de GNL. Uma delas, segundo a Petrobras, terá capacidade para regaseificar até 14 milhões de metros cúbicos por dia e a outra até 7 milhões de metros cúbicos. Isto não significa que tudo será utilizado no Brasil.
Além disso, estão sendo construídas as instalações para receber as unidades flutuantes no Rio e no Ceará. A primeira, de acordo com Sauer, tem custo de US$ 100 milhões e estará pronta em 2008 e a segunda tem orçamento de US$ 70 milhões e será entregue em 2009. O custo do afretamento dos navios, segundo o executivo, é de US$ 90 milhões.
Ainda no Bahrein, Sauer esteve com executivos do banco de investimentos Gulf Finance House (GFH) e da Energy City, centro empresarial do setor de energia que está sendo construído no Catar e é financiado pela GFH. “Eles nos convidaram para estudar abrir um escritório na Energy City, de acordo com as nossas necessidades”, afirmou o diretor da Petrobras.
Mais negócios no Catar
De acordo com o embaixador do Brasil em Doha, Paulo Dyrceu Pinheiro, que participou dos encontros no Catar, a receptividade à visita dos brasileiros foi muito positiva, tendo inclusive destaque nos principais órgãos de imprensa do país, como os jornais The Peninsula, Gulf Times e Qatar Tribune e a rede de TV Aljazeera.
“Isto faz parte de uma estratégia do Petrobras de desenvolver negócios em outras partes do mundo”, disse o embaixador à ANBA. “É preciso ter cuidado para não desperdiçar esta oportunidade”, acrescentou.
Para ele, um bom desenvolvimento das conversas na área de gás e petróleo pode influenciar os negócios também em outros segmentos, como os de engenharia e construção civil. Ele ressaltou que há abundância de capitais no Catar, impulsionada pelas exportações de commodities energéticas. Durante a passagem da delegação brasileira, segundo Pinheiro, surgiu a idéia de se formar um Conselho Empresarial Brasil-Catar, justamente para estimular os contatos entre companhias dos dois países.
O Catar detém cerca de 5% das reservas de gás natural do mundo. O setor de petróleo e gás responde por 62% do produto interno bruto (PIB) do país, segundo informações da Economist Intelligence Unit (EIU), serviço de informações econômicas da revista britânica The Economist. De acordo com a EIU, apesar de já ser o principal produtor mundial de GNL, o país tem intenção de triplicar sua produção até 2012.
Ainda segundo a EIU, o PIB do país chegou a US$ 52,7 bilhões no ano passado, um crescimento real de 7,1% em comparação com 2005, para uma população de apenas 900 mil habitantes. A instituição estima que a economia do Catar deverá crescer mais 8,3% este ano e 9,5% em 2008. Com este desempenho, um outro setor que está em franca expansão é o de construção civil, a exemplo de outros países do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), bloco econômico ao qual o Catar pertence junto com Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Omã.
As exportações do país somaram US$ 30,6 bilhões no ano passado e as importações US$ 12,36 bilhões, segundo a EIU. No mesmo período o Brasil exportou o equivalente a US$ 87,1 milhões ao Catar, principalmente em carne de frango, transformadores elétricos, minério de ferro, cartuchos para espingardas e carne bovina. As importações, por sua vez, somaram US$ 7,9 milhões, especialmente de uréia.