Dubai – Em abril deste ano, eu conheci Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Fui para cobrir dois eventos e meu hotel era praticamente dentro do pavilhão de exposições. Tinha visto bastante coisa diferente do meu dia a dia, mas nunca imaginei que um cara vestido de Pikachu passaria por mim em pleno país árabe. Quanta coisa a gente não imagina sobre a vida… Então, mesmo com o Pokémon Go fora de moda, achei que seria legal seguir o tal do Pikachu e ver onde dava aquilo tudo. Ele ria com amigos fantasiados de coisas que não sei o que eram, e atravessou o saguão.
Do outro lado, o rapaz entrou num pavilhão. Lá estava ocorrendo a Middle East Film & Comic Con, convenção de cultura pop. O Pikachu tinha pulseira para entrar e se foi. Eu fiquei na porta. Barrada da festa dos Pokémons meio árabes meio japoneses? Hoje não! Conversei com o pessoal da recepção e expliquei que era jornalista, se podia entrar para ver se rendia uma pauta (aqui estou, pagando a promessa). Ela explicou que era o último dia de feira, faltando duas horas para acabar, mas me deixou entrar. A mostra tinha livros, histórias em quadrinhos, games, e exposição de desenhistas e artistas gráficos.
Fui andando naquela feira tão diferente das outras que visitei. Entre um estande com karaokê, outros com jogos, meninos e meninas, adultos e adultas. Cosplay do Chewbacca lutando com um cosplay de ninja no corredor. Um tiranossauro rex, ou era um Godzilla? Surreal não eram as fantasias, mas a mistura. Já tinha acostumado a ver pessoas vestindo roupas tradicionais árabes. Mas um garoto com essa roupa e com pintura de zumbi na cara? Gente, deve ser por isso dizem que Dubai é cosmopolita.
Faltando 40 minutos para a Comic Con acabar, fui adentrando. E cheguei na parte que eu gostava: os quadrinhos! Dezenas de banquinhas com centenas deles. Entre uma folheada e outra, preços de Dubai. Ok, deixa para lá. Eu já estou com mais livros do que vou conseguir ler esse ano mesmo… Decidi ver as banquinhas de artistas independentes. Uma das melhores escolhas que fiz nessa minha viagem.
Em um corredor cheio de mesas, a maioria dos expositores guardando suas coisas para encerrar a participação na feira. Mas uma garota permanecia sentada. Cheguei mais perto e vi os desenhos na parede atrás dela. Perguntei se era a autora. Ela olhou fixamente para mim enquanto eu falava. Respondeu com gestos, primeiro apontando com o dedo para metade dos desenhos e o cartão de visita de outra artista, e depois para a outra metade, mostrando o nome que usa no Instagram, Ko, escrito no papel à sua frente. Talvez ela só fale árabe, pensei. Mas me entendeu e eu a entendi, então ótimo.
Dava para notar a admiração pelo traço japonês nos desenhos expostos. Fiquei bem satisfeita em ver, entre os bótons, um simpático pinguim. “Vou levar esse”, apontei, e tirei 15 dirhans da carteira. Nessa hora, reparei um caderninho aberto em cima da mesa, onde as pessoas escreviam recados. Ela sorriu e me deu a caneta. Escrevi: “Seus desenhos são lindos! Obrigada. Abraços, do Brasil! Thais.” Enquanto guardava o pinguinzinho, minha nova amiga leu o recado. Ela me olhou com um sorriso tão grande e fez o gesto de um abraço. Só aí eu entendi que a Ko era deficiente auditiva. Ela me olhava com atenção para fazer leitura labial. E me respondia com gestos porque eu não entenderia nada da linguagem de sinais.
Ela, então, deu a volta na mesa e veio me dar o abraço que eu prometi no recado. Um dos melhores que já recebi! A Ko, que entendia sim tanto inglês quanto árabe, para completar me ensinou a dizer “Thais” na linguagem dos sinais. A generosidade dela é uma das lembranças mais sinceras que tenho de alguém. Pedi, então, para fazer uma foto e ela me explicou que não podia aparecer, por questões religiosas. Por isso, fiz o registro que ela pediu, das suas artes.
Me despedi dela e aproveitei os últimos minutos de Comic Con para procurar por outros trabalhos de garotas. Pertinho dali, encontrei duas amigas que dividiam uma mesa. Ambas eram também muçulmanas e foram à feira juntas. A Zahra’a Nasralla, designer e arquiteta, estava expondo seus cadernos feitos artesanalmente com costura copta. Já a Val, estudante de design, tem apenas 22 anos e estava vendendo desenhos e adesivos criados por ela. Quando perguntei sobre um desenho em outro formato, elas me disseram que poderiam entregar encomendas e perguntaram onde eu morava. Dei risada e respondi: “Acho que não vai ser uma boa ideia porque eu moro no Brasil”. As duas ficaram surpresas e animadas por saber que seus desenhos viriam para tão longe.
Faltavam só alguns minutos para acabar a Comic Con e fui voltando pelos corredores e observando toda aquela gente. Os desenhistas, expositores e amantes de cultura pop se agrupando para ir embora. Entre desenhos e filmes norte-americanos e japoneses, Pokémons no caminho, descobrir essas meninas artistas foi muito mais do que eu podia desejar para aquele fim de tarde em Dubai.