Assim como no resto do mundo, é difícil prever com exatidão como a crise financeira internacional vai afetar Dubai, emirado que vivenciou forte expansão econômica nos últimos anos, puxada especialmente pelo setor imobiliário.
Há quem diga que o principal pólo turístico, comercial e de serviços dos Emirados Árabes Unidos vai resistir bem, apesar de certa desaceleração no curto prazo por causa da escassez de crédito no mercado internacional. Outros, mais pessimistas, dizem que as conseqüências serão severas, dado o nível de endividamento do governo e das empresas, a queda na demanda e a dificuldade em conseguir novos financiamentos.
O sentimento geral é de que os empreendimentos em andamento, que são muitos, serão concluídos, mas novos projetos já anunciados, porém não iniciados, podem ser adiados ou até cancelados. “Não somos ingênuos a ponto de pensar que não seremos vulneráveis à crise, projetos que ainda estão para começar talvez sejam adiados”, resumiu Simon Mellor, vice-presidente da Dmg World Media, empresa que promove uma série de feiras de negócios em Dubai, inclusive a Big 5 Show, mostra do ramo da construção que ocorreu no final de novembro.
Ele e outros profissionais ligados ao setor acreditam, no entanto, que o volume de projetos em andamento ainda vai movimentar muito dinheiro, o suficiente para manter a atividade aquecida. “A crise preocupa, mas nela surgem oportunidades”, observou o chefe do escritório de promoção comercial do Itamaraty em Dubai, Arthur Nogueira, durante palestra à delegação brasileira que esteve no emirado na semana passada.
No que diz respeito à Big 5 a crise realmente não afetou os números de expositores e de visitantes, que foram recordes, nem os negócios realizados pelas empresas brasileiras participantes. Pelo contrário, segundo o secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Michel Alaby, e o gerente de projetos da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), Adalberto Schiehll, as duas entidades que organizaram o estande do Brasil, havia expectativa de um número menor de contatos por conta da turbulência internacional, o que acabou não se confirmando.
Os empresários ouvidos pela ANBA disseram, porém, que a crise foi tema recorrente nas conversas com os potenciais clientes e ocorreu um aumento significativo dos contatos com companhias de fora de Dubai.
Cortes
O fato é que a crise já bateu na porta do emirado. Nas últimas semanas empresas importantes anunciaram ajustes ou demissões em massa como forma de cortar custos. No domingo (30) a Nakheel, uma das maiores incorporadoras de Dubai, que pertence ao governo, anunciou o fechamento de 500 postos de trabalho. Na semana anterior, a Tameer, outra incorporadora de grande porte também pertencente ao governo, divulgou que vai demitir metade de seus funcionários, algo em torno de 180 pessoas.
A principal incorporadora privada do Emirado, a Damac, anunciou já em outubro o corte de 200 empregos. Além disso, a empresa informou que projetos planejados na Índia, Paquistão, Argélia, Marrocos e Tunísia serão suspensos. Segundo reportagem do jornal Emirates Business 24/7, de Dubai, o presidente da companhia, Hussein Sajwani, disse que 2009 será um ano de desafios, mas ele espera recuperação do mercado imobiliário a partir do final do ano que vem.
O executivo estima que vai ocorrer uma queda de 20% nas vendas de imóveis, daí a justificativa para as demissões. As estatísticas já mostram o desaquecimento do mercado de imóveis em Dubai, que durante anos só se valorizou. Segundo o HSBC, um dos bancos internacionais com maior atuação no Oriente Médio, os preços dos imóveis diminuíram 4% de setembro para outubro, a primeira queda em seis anos.
De acordo com matéria do jornal Khaleej Times, também de Dubai, os preços devem cair entre 15% e 30% até o final de 2008 por causa da queda na demanda e do excesso de oferta. Vale lembrar que apesar dos habitantes locais abastados e da grande presença de expatriados com bom poder aquisitivo, boa parte da população dos Emirados, e de Dubai em especial, é formada por trabalhadores braçais estrangeiros, que não têm dinheiro para comprar os imóveis de alto padrão disponíveis no emirado.
É comentário corrente em Dubai que os preços subiram muito por causa da especulação. Muitos investidores compraram imóveis para vender logo em seguida por valores maiores, gerando uma escalada que fez com os valores finais ficassem várias vezes superiores aos originais.
Diante desse cenário, surgiram rumores sobre a saúde financeira do governo e das empresas locais. Nos últimos anos, com alta liquidez no mercado internacional, Dubai tomou muito dinheiro emprestado para alavancar seu desenvolvimento.
Para acalmar os ânimos, o presidente da Emaar, principal incorporadora do emirado, Mohamed Ali Alabbar, veio a público dizer que o governo deve atualmente cerca de US$ 10 bilhões e as empresas estatais mais US$ 70 bilhões, somando um total de US$ 80 bilhões, sendo que os ativos do emirado somam US$ 90 bilhões, sem considerar os aeroportos, o metrô (ainda em construção), pontes e viadutos e o sistema público de saúde. Além disso, os ativos das empresas chegam a US$ 260 bilhões. Ou seja, segundo o executivo, que está à frente de uma força-tarefa montada pelo governo para combater os efeitos da crise, há recursos suficientes para cobrir as dívidas.
“Creio que Dubai pode passar por isso, seus ativos ultrapassam os débitos”, disse o diretor do Centro de Serviços ao Consumidor da Câmara de Comércio e Indústria de Dubai, Omar Khan, durante uma palestra para a delegação brasileira que visitou a Big 5, realizada na semana passada. “Mas não temos uma resposta completa ainda”, acrescentou, referindo-se à dificuldade de prever quais serão os efeitos totais da crise.Alexandre Rocha/ANBA
Omar Khan: é difícil prever a extensão da crise.
Pelo menos no mercado de capitais da região o impacto da crise tem sido severo. Segundo o Emirates Business 24/7, as bolsas de valores do seis países do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC) perderam US$ 127 bilhões em novembro, valor menor somente do que o de outubro, quando a queda foi de US$ 220 bilhões. Em Dubai a bolsa caiu na semana passada para o menor nível desde novembro de 2004, segundo matéria da agência Bloomberg.
Salvamento?
Outro boato que surgiu com força nas últimas semanas é que o vizinho emirado de Abu Dhabi, lastreado por um fundo soberano de US$ 1 trilhão e uma enorme produção de petróleo, iria às compras em Dubai. As autoridades de Dubai se apressaram em desmentir a existência de qualquer negociação para a venda de empresas importantes.
Na semana passada, porém, o governo dos Emirados anunciou a fusão, sob a responsabilidade do Real Estate Bank, banco estatal de Abu Dhabi, da Amlak Finance e da Tamweel, as duas principais empresas de hipotecas de Dubai. Junto com o Emirates Industrial Bank, essas companhias vão formar uma nova instituição, o Emirates Development Bank. Assim como em outros países, inclusive o Brasil, o governo dos Emirados vem injetando dinheiro no sistema financeiro para dar liquidez ao mercado.
As ações das duas empresas de hipotecas caíram mais de 80% este ano, segundo a Bloomberg, sendo que a Amlak anunciou em 19 de novembro que iria suspender temporariamente a liberação de novos empréstimos imobiliários. Bancos estrangeiros, como os britânicos HSBC e Lloyds TBS, também anunciaram que vão tornar mais severos os critérios para concessão de crédito na região do Golfo.
O presidente da Amlak, Nasser Al Shaikh, comentou, de acordo com reportagem do jornal Gulf News, que outras fusões deverão ocorrer no emirado, com apoio do governo federal, como maneira de enfrentar a crise. Mohamed Ali Alabbar negou, no entanto, que existam planos de fusão das grandes incorporadoras como a Emaar, Nakheel e Tameer.
Nenhuma autoridade se referiu à fusão Amlak-Tamweel como operação de salvamento, o negócio foi tratado como o modo encontrado para otimizar o trabalho das duas empresas e torná-las mais competitivas.
Seja qual for o nome que se dê à operação, o clima em Abu Dhabi, menos alavancado e com mais dinheiro em caixa, é de mais bom humor. Não que o maior dos sete emirados esteja invulnerável à crise, mas foi mais comedido em sua estratégia de desenvolvimento e agora tem gordura para queimar.
Durante uma reunião com integrantes da delegação brasileira que estava no país na semana passada, o presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Abu Dhabi, Salah Salem Al Shamsi, era só sorrisos. Disse que o governo local pensa até em expandir seu programa de desenvolvimento e que agora é a hora de investir. Chamou até o emirado de “paraíso” para os negócios e garantiu que vem a São Paulo no início de 2009 para falar aos empresários brasileiros sobre as oportunidades existentes por lá.