Cláudia Abreu
São Paulo – Pura, com farinha de mandioca, com camarão salgado, com carne seca ou batida com outras frutas, a polpa de açaí está entrando para ficar na mesa dos brasileiros. E o crescimento da procura pelo produto alimenta outra rede: a de pequenos produtores do Norte do país. Em Igarapé-Miri, no Pará, um grupo de 280 agricultores vive da fruta. Eles montaram uma cooperativa, a Coopfruit, e produzem cerca de 600 toneladas por ano de polpa. O produto abastece o mercado interno e desde o ano passado está sendo exportado. Foram enviadas sete toneladas para a Austrália e 15 para a França.
A Coopfruit (Cooperativa Agroindustrial de Trabalhadores e Produtores Rurais) nasceu em 2000. Foi criada justamente para solucionar o problema de renda dos pequenos produtores do município de Igarapé, maior produtor mundial de açaí. "O pessoal estava desanimado com as condições de comercialização. A distância das fábricas fazia com que a fruta chegasse ruim ao destino e as empresas argumentavam que tinham de baixar o preço. Conclusão: tinha gente que perdia toda a produção ou vendia a lata – de 14 quilos – por 50 centavos", afirma Raimundo Frasão, químico da Coopfruit.
Hoje a situação em Igarapé-Miri é bem diferente. A cooperativa dá segurança aos agricultores. Toda a produção tem a compra garantida pela Coopfruit. O preço da lata – outro motivo de desentendimento com as grandes indústrias – agora é definido com os próprios produtores. "O valor é discutido entre os associados da cooperativa e votado em assembléia", explica Frasão. Este ano, a cooperativa está pagando entre 8 e 10 reais por lata. O valor depende da qualidade da fruta, mas representa quase o dobro do que pagavam os antigos compradores.
A polpa de açaí da cooperativa abastece o mercado interno – principalmente região Sudeste do país – e, desde o ano passado, está sendo exportada para Austrália e para a França. A venda para o exterior foi feita por meio do Bolsa Amazônia, um consórcio regional voltado para a promoção e divulgação de produtos sustentáveis da região amazônica. "A receptividade foi muito boa, os australianos já fizeram um segundo pedido", afirma Frasão.
O bom retorno das exportações já está influenciando os planos da cooperativa. "A intenção é dobrar a produção até o final do ano", completa. O crescimento está ancorado na perspectiva da Coofruit de entrar em novos mercados. Atualmente, a cooperativa produz 600 toneladas por ano – 12 toneladas por dia de polpa de frutas.
Outras misturas
Os agricultores de Igarapé também deram asas à criatividade. Estão preparando misturas prontas para comer, de açaí com outras frutas. Já está disponível no mercado o açaí com guaraná, com acerola, com banana e com banana e mel e só com mel. "Os brasileiros aceitaram muito bem a mistura com guaraná. Já os estrangeiros, gostam do açaí com o mel", explica Frasão. As misturas, assim como a polpa natural, são encontradas em embalagens de um quilo e 250 gramas.
O sucesso com o açaí também abriu espaço para outras frutas cultivadas no Norte. Polpas de cupuaçu, maracujá e até abacaxi estão em produção da Coopfruit. Segundo Frasão, a intenção é manter a fábrica da cooperativa funcionando o ano inteiro, inclusive no período de entressafra do açaí. "A safra acontece entre agosto e dezembro. Nesse intervalo, vamos usar outras frutas da região", explica Frasão. Ele também está testando o buriti.
Açaí social
A cooperativa também tem, por filosofia, empregar na fábrica os próprios produtores ou seus familiares. "É uma forma de gerar mais renda à família produtora e incentivar os agricultores a continuar produzindo açaí", afirma Frasão. A preocupação tem uma explicação: antes de industrializar o açaí, para complementar a renda por causa dor preços baixos pagos pela indústria, os produtores de Igarapé preferiam extrair o palmito do açaí, o que destruía grandes áreas e deixava a planta inutilizável.
Para montar a Coopfruit, os agricultores contaram com o apoio da ONG Poema (Núcleo de Ação para o Desenvolvimento Sustentável na Amazônia), da Universidade Federal do Pará, e da prefeitura de Igarapé-Miri. Eles ajudaram na elaboração e execução do projeto da fábrica. O financiamento para compra de equipamentos e o capital de giro foi feito pelo Banco da Amazônia, Banco do Estado do Pará e pelo Banco do Brasil.
Sobre o ouro preto
Fruta de cor escura, o açaí caiu no gosto dos consumidores do Sudeste do país nos últimos 10 anos por causa do seu valor energético. A polpa virou mania entre os freqüentadores de academia, também virou sobremesa certeira para quem quer substituir o sorvete tradicional. No Norte, no entanto, o prato é receita antiga, passado de gerações para geração.