Latákia, Síria – Na manhã de 1º de setembro, jornalistas estrangeiros convidados a visitar a Síria pelo Ministério do Turismo local partiram de Al-Nasrah, próxima da fronteira com o Líbano, para Latákia, cidade portuária às margens do Mar Mediterrâneo e a quinta maior do país, localizada cerca de 140 quilômetros a noroeste. Parte da delegação argentina retornou para Damasco, e a reportagem da ANBA seguiu viagem junto com um grupo de profissionais de imprensa tchecos.
Com a guerra e sanções internacionais, a Síria tem racionado combustíveis, pois não produz o suficiente para suprir a demanda e tem dificuldades para importar. Cada motorista tem direito a uma cota mensal limitada, e já na saída de Al-Nasrah foi possível ver longas filas se formando em postos de gasolina, pois era início do mês.
Nas conversas com os tchecos, mais uma história de encontros, como a do argentino que topou com seu primo em Maalula, publicada na última quarta-feira. Acompanhava o grupo um senhor sírio de Alepo que foi colega de universidade do pai de um dos jornalistas europeus na década de 1970, na então Tchecoslováquia.
Numa viagem anterior, o rapaz procurou pelo amigo do pai em Alepo, mas só sabia seu nome e profissão, não tinha o endereço certo. Ao perguntar na cidade, a maior da Síria, se alguém o conhecia, ficou surpreso com a solidariedade local. Formou-se uma rede de pessoas, uma telefonando para a outra para pedir informações, até que o senhor fosse localizado. Muito simpático, agora estava acompanhando a equipe e auxiliando nas explicações e na tradução. Fala eslovaco, idioma parecido com o tcheco.
No caminho para Latákia, no litoral, o grupo parou na beira da estrada para apreciar ao longe o Qal’at Al-Marqab, castelo dos cruzados localizado no alto de uma colina em Baniyás, entre Tartus e Latákia. A fortaleza tem uma torre avançada, perto da praia, de onde seus ocupantes podiam observar a movimentação no mar. O nome em árabe significa “Castelo da Vigia”, numa referência à torre.
A joia da coroa medieval por ali, no entanto, é o Qal’at Salah El-Din (Castelo Saladino). De origem bizantina no século 10, foi ampliado pelos francos no século 12 e posteriormente pela dinastia aiúbida, fundada pelo herói Saladino, que o conquistou em 1188. Antes, era chamada de Castelo de Saône, ou Sahyun. O sítio é considerado Patrimônio da Humanidade pela União das Nações Unidas para a Ciência, a Educação e a Cultura (Unesco), junto com o Crac des Chevaliers, também na Síria, e está inscrito na lista de Patrimônio Mundial em Perigo desde 2013.
O monumento é incrível. Está localizado a pouco mais de 30 quilômetros a leste de Latákia, numa região de montanhas e vales verdejantes. O castelo ocupa o alto de um rochedo, dividido em dois por obra humana, criando, por baixo, uma passagem. Por cima, as duas partes da propriedade eram unidas por uma ponte na Idade Média, sustentada por um pináculo no meio da fenda.
“É o maior castelo da Síria, e talvez da região árabe”, contou o diretor do Departamento de Antiguidades e Museus da região de Latákia, Ibrahim Kherbek, que estava no local. O castelo em si tem uma área de 6,5 hectares, e o sítio como um todo, 129,5 hectares.
Para a manutenção do monumento, segundo ele, “o governo sírio paga como pode”, e há recursos também de instituições como a Unesco para “documentação e alguma restauração”. Ao contrário do Crac des Chevaliers, o Castelo Saladino não foi palco de combates da guerra iniciada em 2011.
O interior da fortaleza é um labirinto de torres, muralhas, cavalariças, cisternas e outras estruturas erguidas ao longo de séculos. As vistas dos vales e montanhas ao redor são um espetáculo à parte.
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Ponto turístico
Além das atrações históricas e naturais da região, a cidade de Latákia é um balneário, então o turismo é uma fonte importante de recursos para a economia local. Em função da guerra e das sanções econômicas, a ONU estima que mais de 80% da população da Síria está abaixo da linha de pobreza.
“Queremos mostrar para todo mundo que Latákia é um local seguro, que podem vir, adoramos receber todos”, afirmou o gerente de Promoção e Marketing de Turismo da região, Firas Wardi, que também recebeu os jornalistas no castelo. “Temos sítios como castelos, ecoturismo, praias, florestas, vales montanhas, ou seja, diferentes atrativos”, acrescentou.
Não ocorreram combates nas regiões de Tartus e Latákia durante a guerra e, de acordo com Wardi, a população local e o Ministério do Turismo têm feito esforços para mostrar que a área é segura. “Pessoas de outras cidades estão morando aqui, de Alepo, Raqqah, Idlib e Deir Ezzor”, destacou ele, referindo-se a cidades onde ocorreram grandes confrontos. O gerente afirmou ainda que os visitantes começaram a voltar, até pequenos grupos da França, Espanha e Itália.
A reportagem viu turistas da própria Síria em Latákia, além de russos. As bases naval e área que a Rússia mantém na Síria ficam entre Tartus e Latákia, então militares do país moram na região. Foi possível ver um avião de caça voando sobre a estrada entre as duas cidades.
Embora sem danos materiais, as cidades do litoral perderam muitos de seus filhos na guerra. O serviço militar é obrigatório na Síria e soldados da região foram lutar em outras partes do país. Logo na entrada de Latákia, um cartaz como o rosto do presidente Bashar Al-Assad está rodeado de imagens menores de jovens locais mortos nos combates. Cena, aliás, que se repete em várias cidades sírias.
Latákia, no entanto, está viva, e tem um comércio pujante, aberto até tarde da noite, como é costume em países árabes.
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Primeiro alfabeto
No dia 02 de setembro, a reportagem da ANBA acordou cedo e foi com os colegas tchecos até Ugarit, sítio arqueológico antiquíssimo próximo a Latákia. As ruínas localizadas no alto de uma colina chamada Ras Shamra – “Cabeça de Erva-Doce”, pois a planta cresce por ali – foram achadas por um agricultor em 1928. Capital de um reino que na Antiguidade ocupava a área da atual província de Latákia, a cidade teve seu apogeu entre 1.600 e 1.200 a.C. Lá foi encontrado o que é considerado o alfabeto mais antigo do mundo, inscrito em caracteres cuneiformes num pequeno tablete de argila.
Chegar à cidade com o sol nascendo atrás das ruínas de seus antigos portões deu à visita um clima quase sobrenatural. Kaisar, um guia local, levou o grupo para uma volta pelo sítio. “Apenas um terço da área da cidade foi descoberta”, afirmou. Entre as descobertas, o palácio real, onde foi encontrado o alfabeto. “E há vestígios de civilizações mais antigas embaixo”, destacou.
Ele mostrou o palácio e partes da cidade, incluindo o que, acredita-se, era um bordel, e a tumba de Rabano, um cidadão ilustre, provavelmente escriba do rei, dada a quantidade de livros encontrados lá.
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O carro pifou
Depois da visita, foi hora de tentar encontrar diesel para a viagem de volta a Damasco, cerca de 350 quilômetros ao sul. O grupo parou em vários postos de gasolina, sem sucesso, até que o motorista deixou os jornalistas no hotel para tomar café da manhã enquanto continuava a busca sozinho.
A van foi reabastecida, mas os problemas não terminaram aí. Com um calor acima de 30 graus, o motor superaqueceu e a equipe teve que parar para deixá-lo esfriar e colocar água fria no radiador. O defeito se manteve e uma parada semelhante se tornou necessária a cada dez minutos, até que chegasse o resgate: dois mecânicos a bordo de uma Saveiro Made in Brazil, e um micro-ônibus para levar o grupo no resto da viagem para a capital.
Este é o último capítulo da série especial sobre a viagem da reportagem da ANBA pela Síria, mas a agência volta a falar do país na próxima semana.
*A estadia da reportagem da ANBA ocorreu a convite do Ministério do Turismo da Síria