Alexandre Rocha
São Paulo – A produção conjunta de soja do Brasil e da Argentina ultrapassa o total da safra dos Estados Unidos, que é o maior produtor mundial do grão. No entanto, os preços da commodity no mercado internacional são definidos pelo pregão da Bolsa de Mercadorias de Chicago. Para tentar começar a mudar esse cenário, a Bolsa de Mercadorias e Futuros de São Paulo (BM&F) e o Mercado a Término de Rosário (Rofex), da Argentina, anunciaram na semana passada a intenção de criar um mercado futuro de soja e derivados operado de forma conjunta pelas duas entidades.
De acordo com especialistas ouvidos pela ANBA, se o projeto der certo e for bem aceito pelos investidores, ele poderá garantir ao produto cotações mais adequadas às realidades locais e diminuir o risco para os produtores e empresas com as oscilações de preços.
"Os objetivos são criar contratos adequados para os padrões locais, com melhores condições de comercialização para todos e diminuir os riscos com as oscilações de preços", disse Noêmio Spinola, diretor da BM&F. As negociações entre as duas bolsas começaram em agosto e ainda não se sabe quando serão concluídas, mas Spinola disse que os entendimentos estão "andando rápido".
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos prevê uma produção de 84,6 milhões de toneladas de soja na próxima colheita. De acordo com Eugênio Stefanelo, técnico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o Brasil deverá colher entre 70 milhões e 75 milhões de toneladas na próxima safra e a Argentina 40 milhões, números que, somados, superam a produção dos EUA.
"A União das duas bolsas já formará um grande mercado, afinal temos uma oferta de soja maior do que a dos Estados Unidos", disse Stefanelo.
A BM&F e a Rofex já têm contratos de soja em seus respectivos pregões, mas o volume de negócios é pequeno se comparado à Bolsa de Chicago. Segundo Spinola, os contratos da BM&F movimentam anualmente duas vezes o total da safra de soja brasileira. No entanto, o giro em Chicago equivale a 10 vezes a produção norte-americana.
De acordo com Stefanelo, a Bolsa de Chicago concentra um número enorme de operadores, o que dá "transparência" às cotações de lá e, conseqüentemente, faz com que os preços internacionais sejam por ela balizados. Para que a operação conjunta da BM&F e da Rofex tenha alguma influência no mercado internacional, ela precisa ter grande liquidez, ou seja, atrair um número grande de investidores.
"O ponto fundamental é o volume de operações, de forma que uma pessoa só não consiga influenciar a cotação", declarou Stefanelo.
Investidores
Nesse sentido, os especialistas do setor acreditam que os importadores da China podem ter um papel importante na evolução do negócio. De acordo com o consultor e ex-economista sênior da BM&F, Antonio Bueno, o governo chinês autorizou, na sexta-feira (22), importadores locais a buscarem "cobertura de risco de preço" – ou fazer "hedge" como se diz no jargão do mercado – nas bolsas internacionais.
Segundo Bueno, a China é hoje a maior compradora mundial de soja e de cada três grãos exportados pelo Brasil e pela Argentina, um tem como destino o mercado chinês. Na próxima safra, de acordo com Bueno, a China deve comprar 8 milhões de toneladas de soja dos Estados Unidos e 10,5 milhões de toneladas do Brasil e da Argentina.
"Os chineses compram mais do Brasil e da Argentina do que dos EUA. Eles têm muito interesse nos EUA, mas isso não quer dizer que queiram ter somente uma fonte de hedge", disse.
Nesse sentido, segundo Bueno, pode ser desenvolvido um contrato que tenha como base o padrão da produção sul-americana, mas atenda aos interesses chineses e contribua para atraí-los ao pregão da BM&F e Rofex. E isso poderá ajudar a atrair outros investidores. "Liquidez atrai liquidez", afirmou.
Na opinião dos especialistas, o aumento do volume negociado com a união das duas operações e a entrada de novos investidores, aliados à criação de regras claras e o estabelecimento de uma câmara de compensação confiável, para dar garantia às operações, poderá atrair ao pregão os produtores e empresas locais interessados em garantir o preço da sua produção e diminuir o risco das flutuações.
"Os integrantes da cadeia produtiva não entram no mercado futuro para ganhar ou perder, mas para garantir o preço do produto. E para isso é necessário que existam especuladores dispostos a correr os riscos de ganhar ou perder", disse Stefanelo.
Além disso, de acordo com Bueno, é preciso fazer um trabalho junto aos produtores e empresas brasileiras para convencê-los a atuar no pregão Bolsa. Segundo ele, não há, entre os produtores locais, uma cultura de operar em bolsa. "Não se ganha liquidez da noite para o dia", disse.
Para Stefanelo, contribui para isso o fato de que no Brasil não é permitido ter conta corrente em moeda estrangeira, exceção feita para quem trabalha com comércio exterior. Isso dificulta a atuação de um produtor brasileiro na Bolsa de Chicago, por exemplo, já que ele teria que manter uma conta no exterior para operar, uma vez que os contatos são compensados diariamente.
Benefícios
Feito isso, o professor da UFPR disse que o pregão conjunto pode trazer dois benefícios para os produtores brasileiros e argentinos. Em primeiro lugar, a possibilidade de fazer hedge, ou seja, de procurar garantir o preço de venda da produção.
Isso pode ser feito da seguinte maneira, segundo Stefanelo: Considerando que 60 quilos de soja estejam cotados em US$ 11,65 para contratos com vencimento em março (fechamento da BM&F na sexta-feira) e o produtor considere esse um bom preço para vender sua produção que será colhida justamente em março. Ele poderá vender papéis na bolsa a este preço. Quando março chegar e o preço por ventura tiver caído para US$ 10,65, por exemplo, o produtor poderá vender sua produção física a US$ 10,65 e, se ele deixou o contrato futuro em aberto, poderá, na compensação dos papéis, receber o US$ 1,00 que falta para atingir os US$ 11,65, garantindo o preço que considerou adequado meses antes.
O outro benefício é que, em tese, a cotação deverá refletir a realidade da América do Sul, tendo como base a qualidade da soja produzida na região, que é diferente do grão norte-americano. Como exemplo, Stefanelo disse que 80% da soja produzida nos EUA é transgênica, então a cotação de Chicago diz respeito à soja transgênica. Mas no Brasil a porcentagem de grãos geneticamente modificados é pequena. Compradores chineses e europeus dizem que preferem comprar o produto comum, mas não querem pagar um preço diferente ao praticado em Chicago.
Com um mercado futuro forte, de acordo com Stefanelo, as bolsas do Brasil e da Argentina poderiam criar um contrato específico para soja não transgênica, balizando o preço desse produto no mercado internacional.
Ele acredita que, se a operação conjunta da BM&F e da Rofex conseguir atingir um volume respeitável de negócios, poderá, em alguns anos, realmente começar a balizar os preços internacionais. "Se todas estas condições forem preenchidas, a bolsa sul-americana poderá se tornar até mais representativa do que a de Chicago", concluiu Stefanelo.

