Alexandre Rocha
São Paulo – As exportações brasileiras de café devem render ao país em 2004 cerca de US$ 1,8 bilhão, segundo estimativa do diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Guilherme Braga. Se essa expectativa se confirmar, haverá um aumento de 18% nas receitas cambiais em relação a 2003, quando o Brasil vendeu o equivalente a US$ 1,528 bilhão em café no mercado exterior.
No entanto, a exemplo de 2003, as quantidades embarcadas devem continuar a cair. No ano passado foram exportadas 25.544.024 sacas de 60 quilos de café, 9,2% a menos do que em 2002, quando foram vendidas 28.137.906 sacas. A previsão para 2004, segundo Braga, é de o Brasil exportar 24,5 milhões de sacas, 4% a menos do que em 2003.
Segundo o diretor do Cecafé, o motivo para o aumento nas receitas, em contraponto com a queda nas quantidades vendidas, se deve ao aumento do preço do café brasileiro no mercado internacional, ocorrido justamente por conta da diminuição da produção brasileira o que, conseqüentemente, causou redução na oferta da commodity. De acordo com ele, enquanto em 2002 o Brasil colheu 50 milhões de sacas de café, em 2003 esse número caiu para 28,5 milhões.
No mês de dezembro de 2003 houve queda tanto nas receitas, quanto nas quantidades embarcadas, em comparação com o mesmo mês de 2002. Foram exportadas 2.268.010 sacas (US$ 149,89 milhões), enquanto que em dezembro do ano anterior o volume chegou a 2.843.565 sacas (US$ 152,62 milhões). De acordo com Braga, esse quadro já reflete a “quebra da safra” ocorrida no “ano-safra” que vai de julho de 2003 a junho de 2004.
“As importações mundiais caíram mais ou menos no montante da diminuição da produção brasileira. Isso mostra que não houve substituição de fornecedores na indústria. Aquilo que foi necessário saiu dos estoques”, afirmou o executivo.
Essa situação de queda, na avaliação de Braga, deverá perdurar até meados deste semestre. No acumulado do “ano-safra” de julho de 2003 a junho de 2004 o setor espera exportar 23 milhões de sacas, faturando pouco mais de US$ 1,5 bilhão. “Estamos prevendo que a partir da metade do primeiro semestre haverá um aumento nos preços”, disse Braga. Isso, segundo ele, vai impulsionar o crescimento das receitas cambiais no ano “civil” de 2004. Deverá haver também aumento na produção, para 35 milhões de sacas. O Brasil segue sendo o maior produtor e exportador da commodity.
Em 2003 o preço médio do café brasileiro ficou em US$ 62 a saca, um aumento “moderado”, na avaliação de Braga, em comparação com o valor registrado em 2002 de US$ 50 a saca. “Os valores ainda não são bons, os produtores acham que o ideal seria algo entre US$ 70 e US$ 75 por saca”, disse ele. A estimativa do Cecafé é de que em 2004 o preço médio aumente entre 18% e 20%.
Sinais positivos
Apesar na diminuição dos volumes embarcados e da insatisfação com o preço da commodity, Braga não acha correto afirmar que o mercado internacional de café está saturado. “Existem alguns sinais positivos”, afirmou.
Esses sinais, segundo ele, são o aumento do consumo em alguns países compradores tradicionais, como os Estados Unidos, Europa e Japão. Nesses locais, de acordo com ele, houve um aumento na ordem de 1,6% no consumo em 2003. “E isso ocorreu em países com baixa taxa de natalidade, então se trata de aumento real”, declarou. No caso de mercados não tão tradicionais, como a Europa do leste, essa taxa, segundo Braga, chegou a 4,5%.
A maior parte do café exportado pelo Brasil (89%) é de “café verde”, ou seja, a matéria-prima para a produção da bebida. O restante é representado basicamente pelo café solúvel, já o café torrado e moído representa muito pouco.
Café solúvel
No caso do café solúvel, houve em 2003 aumento tanto nas receitas cambiais, quanto nas quantidades embarcadas. Foram vendidas 65,7 mil toneladas (2,8 milhões de sacas), contra 59,3 mil em 2002. Em 2003 as receitas atingiram US$ 225,3 milhões, contra US$ 181,1 no ano anterior. Os dados são da Associação Brasileira da Indústria do Café Solúvel (Abics).
De acordo com Mauro Malta, diretor-executivo da Abics, o principal fator que contribuiu para esse crescimento foi a recuperação das exportações do produto para os Estados Unidos. “Com a recuperação da economia dos EUA, as empresas de lá perceberam que é melhor negócio comprar o café solúvel pronto do que produzir lá”, disse.
Segundo ele, as vendas externas de café solúvel em 2003 bateram o recorde dos últimos 10 anos. No ano, sempre de acordo com Malta, o principal mercado foi exatamente o dos Estado Unidos, que absorveram 19% das exportações (12,6 mil toneladas a US$ 30,1 milhões).
“Mas o nosso mercado preferencial é a Rússia”, afirmou ele. Isso porque o produto é vendido para os EUA a granel, já para a Rússia ele vai embalado, com marcas brasileiras e pronto para o consumo. Este situação se reflete nos números. Embora a quantidade exportada para o país eslavo tenha sido menor (8,3 mil toneladas), as receitas obtidas foram quase iguais (US$ 30,9 milhões).
De acordo com Malta, 25 marcas de café solúvel brasileiro são vendidas na Rússia com grande sucesso. Fato que levou ao aparecimento de falsificações “grosseiras”. “São embalagens com as mesmas cores do produto brasileiro, tentando fazer uma relação com o Brasil, mas não têm nada de brasileiro”, contou.
Já para a União Européia foram vendidas 11,6 mil toneladas a US$ 39,6 milhões em 2003, um crescimento de 5,6% nas quantidades embarcadas e de 26,4% nos valores, em comparação com 2002. A preocupação do setor neste mercado é com a entrada de 10 novos membros na UE este ano. De acordo com Malta, por causa do sistema de cotas adotado por lá o Brasil pode exportar até 14 mil toneladas por ano. Só que vários desses países que passarão a fazer parte da comunidade já são compradores do Brasil, então o setor quer que a cota seja revista. “Já estamos negociando para que haja uma revisão e o Itamaraty e o Ministério da Agricultura já foram avisados”, declarou ele.
Para 2004, Malta disse que o segmento faz uma previsão “conservadora” de crescimento para 3,1 milhões de sacas (71,5 mil toneladas), equivalentes a US$ 272 milhões, 21% a mais do que em 2003.
Agregar valor
Ao contrário de Braga, e apesar de seu segmento apresentar crescimento mais consistente do que o setor do café em geral, Malta acredita que há uma crise na área. De olho no exemplo da Rússia, ele acredita que a saída é o incentivo às exportações de produtos com maior valor agregado. “É importante criar a imagem de que o Brasil pode produzir qualquer tipo de café”, afirmou. De acordo com ele, os fabricantes brasileiros de café solúvel aplicaram cerca de US$ 10 milhões em marketing de suas marcas no mercado internacional em 2003.
Mas para o executivo, fora do segmento dos solúveis, o Brasil precisa começar a investir mais na venda de café torrado e moído e de blends especiais.
De acordo com Malta, nos últimos 10 anos aumento nas exportações de variações mais industrializadas de café solúvel, como o embalado e pronto para a prateleira do supermercado; o liofilizado, cuja produção é feita a frio; e o extrato líquido, renderam US$ 867 milhões para a indústria. “Temos de vencer essa mentalidade de que só podemos exportar commodities”, disse.
Braga concorda, mas ele acha que agregar valor não significa apenas industrializar o café e tentar vendê-lo lá fora com uma marca brasileira. De acordo com ele, o gasto com a logística de distribuição e marketing correspondem a 50% ou mais dos custos de produção de um café torrado, moído e embalado no Brasil, com marca brasileira, para venda no exterior. “São os dois maiores componentes de despesas e eles ocorrem fora do Brasil. Esse maior valor seria gerado lá e não reverteria em receitas cambiais para nós e nem em melhores preços para o produtor”, disse.
Para Braga, agregar valor não significa somente moer e torrar o café. “Torrar e moer é um processo industrial que não tem muita complexidade, não agrega muito valor”, afirmou. Ele lembrou que até pouco tempo atrás boa parte das famílias brasileiras torrava e moía o café em casa.
O diretor-geral do Cecafé diz que pode ser agregado valor ao produto já na fazenda, com a produção de cafés orgânicos, sem agrotóxicos. Isso, na opinião dele, serviria para atingir um consumidor mais exigente.
Para Braga, o Brasil tem que procurar certos “nichos” de mercado. Outro exemplo citado por ele, e por Malta também, são os cafés especiais, chamados de gourmets, além da produção do produto torrado e moído e embalado para marcas próprias de grandes redes varejistas, como Wall Mart e Carrefour. “Nesse último caso não há a adição do valor da marca, mas há a agregação de todo processo industrial e de mão de obra”, afirmou.
Drawback
Os dois dirigentes do setor também foram enfáticos em defender a adoção da prática do drawback, ou seja, que as empresas brasileiras importem café também e o reexportem na forma de blends, ao gosto dos mercados mais exigentes. “Lá fora eles fazem isso, compram o café de várias origens, fazem o blend e exportam. Agregam valor e nós perdemos”, afirmou Malta.
Embora não exista nenhum entrave legal para o drawback, Malta disse que há um problema psicológico por parte dos produtores. “Eles acham que isso vai derrubar o mercado”, afirmou.
Braga acrescentou que o lobby dos produtores faz com que normas administrativas, neste caso, se sobreponham à lei. Ou seja, de acordo com ele, a burocracia acaba inviabilizando esse tipo de negócio na prática. “A lei admite, mas aí o empresário não consegue a papelada para trazer o café”, declarou.
Braga acrescenta que “um país que quer ter uma plataforma exportadora tem que levar essa prática em conta”. “A indústria tem que ter competência sempre. Precisa ter matéria prima do mesmo nível que os outros”, afirmou. Como exemplo, ele citou a possibilidade de uma geada que estrague a safra brasileira. “A indústria tem que estar apta a trazer o café de fora, processar e exportar. Se não tiver a capacidade de fazer isso, não pode ser uma plataforma confiável”, afirmou.
Além disso, ele ressaltou que os cafés vendidos aos consumidores ao redor do globo são em sua maioria blends de várias variedades, isso faz com que cada mercado consuma um padrão diferente, por isso o Brasil tem que estar preparado para produzir blends que incluam variantes eventualmente não produzidas em solo nacional.
Prospecção
Na outra ponta, Malta cobra do governo maior apoio na prospecção de novos mercados para o produto brasileiro. Segundo ele, apenas um terço da população mundial consome café, o resto é o que ele chama de “sociedade de água quente”, que costumeiramente toma chá. Em sua visão, o café solúvel é ideal para ser introduzido nesses mercados, já que não implicaria em grandes mudanças nos hábitos de consumo.
Como exemplos de “sociedades de água quente” já conquistadas ele citou a Rússia e o Japão, mas disse que a presença ainda é pequena em gigantes como a China e a Índia.
De acordo com ele, se com a promoção comercial houver um aumento de 10% nas quantidades exportadas de café solúvel, isso vai gerar um acréscimo de US$ 18,6 milhões nas receitas cambiais. “E o resultado vem a curto prazo, não somos um nicho, somos uma realidade há vários anos”, ressaltou ele, referindo-se ao fato de que o café solúvel brasileiro já está consolidado no exterior há vários anos.
“No local onde foi encontrado o Saddam Hussein havia chocolate belga, os melhores do mundo, charutos cubanos e café solúvel brasileiro”, afirmou Malta, colocando o produto nacional no patamar de melhor do mundo. Na casa anexa ao esconderijo onde foi capturado o ex-líder iraquiano havia um pote de Café Pelé.
No setor do café como um todo, os maiores mercados são os EUA, que em 2003 compraram 5,5 milhões de sacas do Brasil, a Alemanha (4,8 milhões de sacas), França (2 milhões), Japão (1,9 milhão), além da Itália.
Árabes
Os países árabes estão atrás, compram do Brasil entre 600 mil e 700 mil sacas por ano. Mas Braga disse essa estatística não leva em conta o que é exportado para a Europa e depois revendido. “E isso representa uma grande parcela, sabemos que temos uma grande participação na Argélia, Síria e Tunísia”, disse ele.
Na mesma linha, Malta disse que os países árabes ainda não são um mercado “significativo” do café solúvel brasileiro”, mas “é interessante”. “Pouco a pouco temos entrado nele”, afirmou.