Maalula, Síria – A Síria atraía milhões de visitantes estrangeiros antes da guerra iniciada em 2011, muitos deles em busca de seus sítios religiosos. Um destes locais é a pequena cidade de Maalula, situada no meio de montanhas de Qalamun, a pouco mais de 60 quilômetros a nordeste de Damasco, visitada em 29 de agosto por um grupo de jornalistas que esteve no país a convite do Ministério do Turismo sírio, entre eles a reportagem da ANBA.
Maalula, tema da segunda reportagem de uma série sobre a Síria, é um lugar único, pois lá ainda se fala o aramaico, idioma utilizado no Oriente Médio na época de Jesus Cristo. A palavra “Maalula” quer dizer “entrada” em aramaico, o que provavelmente se refere à localização do vilarejo, na entrada de um desfiladeiro que corta a montanha de cima a baixo.
A cidade abriga o convento e a igreja de São Sérgio (Deir Mar-Sarkis), construídos no século 04 em homenagem aos santos Sérgio e Baco, dois mártires cristãos de origem síria. Conta a tradição que ambos eram soldados do Império Romano e foram executados ao se recusarem a abrir mão da fé cristã, em 297 d.C., durante o reinado do imperador Maximiano (286-305 d.C.).
A porta de entrada do complexo é pequena, e é necessário se abaixar para entrar. Foi construída assim para evitar a entrada de soldados a cavalo. Isso, porém, não impediu a entrada do grupo jihadista Frente Al-Nusra, que invadiu Maalula em 2013. O sítio foi saqueado e severamente danificado na guerra.
Depois de entrar no convento, atravessa-se um pátio para chegar à igreja, que é Católica Grega (Greco-Melquita) e tem três altares com características únicas. Os tampos de pedra das estruturas lembram os de altares de templos pagãos, embora sem orifícios para deixar escorrer o sangue de animais sacrificados.
No dia da visita da reportagem da ANBA, um grupo de visitantes recebia informações de uma moradora local, Rita Wahba. Segundo ela, 26 ícones religiosos foram roubados ou danificados pelos invasores e a igreja ficou fechada por anos. O prédio foi restaurado, mas os ícones em exibição são em parte réplicas doadas por terceiros.
Segundo Wahba, 17 soldados sírios morreram nos conflitos para a retomada da cidade, mas houve poucas vítimas entre os habitantes locais. “Foi um milagre de Deus que houve poucas vítimas”, disse. Maalula foi retomada em 2014 pelo exército sírio, com apoio do movimento libanês Hizbollah.
Wahba ainda deu uma “canja” e recitou um trecho do Salmo 135 em aramaico para os visitantes (veja vídeo no final do texto).
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A visita à igreja ainda rendeu comentários do tipo “o mundo é pequeno”. O grupo que visitava o local quando os jornalistas chegaram era formado por um homem sírio e duas jovens, acompanhados por duas freiras do Equador. Um jornalista argentino da delegação de profissionais de imprensa, descendente de sírios, imediatamente reconheceu o homem como seu primo que mora em Alepo.
Em frente
A destruição ainda pode ser vista em prédios, como mesquitas e o hotel Safir (foto do alto), localizado no alto do morro que domina o panorama da cidade. Passando por trás das ruínas do hotel e descendo o morro, chega-se a um dos lados da fenda na rocha pura que, em tese, inspirou o nome do vilarejo.
O caminho natural leva ao mosteiro ortodoxo de Santa Tecla. Foi lá que 12 freiras foram sequestradas pelos invasores no final de 2013, e libertadas alguns meses depois numa troca de prisioneiros negociada pelo Catar e pelo Líbano.
“Os terroristas danificaram este lugar. O terrorismo atacou a Síria e Maalula é parte da Síria”, disse o padre Mathyo Toma, chefe do monastério. “Eles roubaram, quebraram e queimaram. O que foi quebrado pode ser recuperado, mas o que queimou não se recupera”, acrescentou. Na Síria, os grupos armados que enfrentaram e ainda enfrentam o exército e seus aliados são chamados de “terroristas” e “selvagens”. O padre destacou, porém, que o futuro dos sírios é um só.
“Os cristãos se foram”, afirmou o padre sobre a fuga de moradores locais na época da invasão. O vilarejo tinha 5 mil habitantes antes da guerra, e agora tem cerca de 3 mil, segundo guias que acompanharam a reportagem.
O convento de Santa Tecla foi reaberto no segundo semestre de ano passado, após restauração. O padre Mathyo contou que a situação retornou ao normal e que os visitantes voltaram a aparecer. “Esquecemos o que passou e vamos seguir adiante. ‘Kulu tamam’”, declarou, usando a expressão em árabe para “tudo bem”.
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Conta a lenda que Santa Tecla, convertida ao cristianismo pelo apóstolo Paulo, foi perseguida por sua própria família e por solados romanos. Encurralada na montanha, ela rezou para Deus e uma fenda se abriu na rocha, permitindo sua fuga. Em uma das pontas da passagem foi construído o convento em sua homenagem.
Nossa Senhora
No mesmo dia, a reportagem ainda esteve no convento ortodoxo de Sednaya (ou Saidnaya, ou Saydnaya), que significa “Nossa Senhora” em siríaco (Sayd = Senhora, Naya = Nossa) e guarda um ícone da Virgem, um dos quatro originais que, acredita-se, foram pintados por São Lucas, o Evangelista.
Outro significado para o nome pode ser “Lugar de Caça” (Seid = Caça, Dnaya = Lugar). Este significado é relacionado à lenda da origem do local. O convento fica na cidade de mesmo nome, 27 quilômetros a sudoeste de Maalula. O edifício incrustado na rocha foi construído por ordem do imperador bizantino Justiniano, no século 06, após ter tido uma visão da santa no local, diz a tradição. A visão, segundo a história, ocorreu enquanto o imperador caçava uma gazela, que se transformou na santa.
Muitos dos monastérios na Síria serviam como pontos de parada para peregrinos que iam à Terra Santa.
Nesta quinta-feira (12), a viagem continua em Homs e Palmira.
*A estadia da reportagem da ANBA ocorreu a convite do Ministério do Turismo da Síria