Alexandre Rocha
São Paulo – Após a descoberta, no ano passado, pela Petrobras de uma enorme jazida de gás natural na Bacia de Santos, o governo do estado de São Paulo quer aumentar de forma expressiva a participação do produto na matriz energética brasileira. O governador Geraldo Alckmin e vários de seus secretários reuniram-se ontem (29) com representantes de segmentos do setor produtivo e do governo federal com o objetivo de iniciar as discussões para ampliar o uso do combustível nas residências, veículos de passeio, transporte urbano, indústria, indústria petroquímica e usinas termoelétricas.
“Essa ação visa a promover mudanças na matriz energética brasileira a partir de São Paulo”, disse o secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do estado, João Carlos Meirelles.
A jazida da Bacia de Santos tem pelo menos 413 bilhões de metros cúbicos de gás mas, segundo Meirelles, novas estimativas dão conta de que o total pode chegar a 1 trilhão de metros cúbicos.
Na matriz energética do Brasil, segundo o governo paulista, o gás natural representa somente 3%, já na Argentina e na Europa o percentual é de 20% e nos Estados Unidos de 25%.
Vantagens
Na avaliação do governador Geraldo Alckmin, o uso do gás poderá trazer uma série de vantagens, como o aumento da competitividade da indústria, a substituição de importações no setor petroquímico, além de diminuir a emissão de poluentes, principalmente nos grandes centros.
Como exemplo, Meirelles disse que as fábricas de cerâmica do interior do estado que utilizam o gás conseguem vender seus produtos a preços 30% mais baixos do que aquelas que usam outros combustíveis.
Outro exemplo de redução de preços foi citado pela secretária de Petróleo, Gás e Combustíveis Renováveis do Ministério das Minas e Energia, Maria das Graças Sílvia Foster, que também participou da reunião.
Segundo ela, um estudo feito pelo Ministério das Cidades informa que o valor médio das passagens de ônibus urbanos no Brasil é de R$ 1,26. Com a utilização de veículos movidos a gás o preço cairia para R$ 1,15, de acordo com estimativas da pasta das Minas e Energia.
Maria das Graças disse que o governo federal está empenhado no desenvolvimento de uma política nacional de gás natural. Segundo ela, tal política é essencial para transformar o “volume descoberto” na Bacia de Santos em reservas efetivas e utilizáveis.
Já o secretário do Meio Ambiente, José Goldemberg, conclamou os fabricantes de veículos a produzirem carros e ônibus que já saiam de fábrica convertidos para o uso do gás como combustível. “A situação ambiental na região metropolitana de São Paulo tem melhorado, mas pode melhorar consideravelmente com uma frota de ônibus movida a gás”, afirmou.
Meirelles ressaltou, porém, que a intenção do governo não é substituir totalmente outras formas de geração de energia pelo gás. “Mas incluir um produto altamente energético e valorizar o que o estado já produz”, disse ele, referindo-se às reservas da Bacia de Santos, à infra-estrutura já existente e às tecnologias para utilização do gás já dominadas pelas empresas.
A idéia, segundo o secretário, é dar maior “flexibilidade” ao uso de fontes energéticas e substituir algumas como o óleo diesel. “O diesel é o combustível correto a ser substituído, pois ele é todo importado”, afirmou.
Consumo e exportação
De acordo com Maria das Graças, o consumo diário de gás no Brasil é de 35 milhões de metros cúbicos. Entre os investimentos possíveis, ela citou a construção de mais 5 mil quilômetros de gasodutos para se somarem aos quase 8,5 mil quilômetros já existentes no país.
Maria das Graças ressaltou ainda que, além do incentivo ao aumento do consumo interno, as reservas da Bacia de Santos podem transformar o Brasil em um grande exportador do produto. “O que foi descoberto na Bacia de Santos dá visibilidade ao Brasil”, afirmou. Ela acrescentou que os Estados Unidos, o maior consumidor mundial de gás natural, só tem reservas para mais nove anos e o Brasil já foi incluído pelos norte-americanos em sua lista de prováveis fornecedores.
O secretário de Energia e Recursos Hídricos do estado, Mauro Arce, recomendou, porém, cautela nesse ponto. Para ele, o Brasil não pode entrar no negócio do gás com uma mentalidade de exportador de commodities. “É preciso um esforço para desenvolver o mercado interno”, disse, ressaltando que o país precisa se empenhar em vender os produtos fabricados utilizando o gás como fonte de energia e os manufaturados que usam o gás como combustível, como os veículos.
O estado de São Paulo é por si só responsável pelo consumo de 11 milhões de metros cúbicos diários do produto e, de acordo com Meirelles, pode chegar a 30 milhões de metros cúbicos em 2010. A expectativa, segundo o secretário, é que daqui a quatro anos 55 milhões de metros cúbicos de gás saiam diariamente da Bacia de Santos.
“É preciso atender a uma demanda que já existe, mas está reprimida”, afirmou Meirelles. Este foi um dos principais objetivos da reunião, justamente incentivar os empresários a utilizar o gás como fonte de energia, ou a produzir veículos e máquinas movidas a gás.
Repercussão
As intenções do governo do estado foram razoavelmente bem recebidas pelos empresários, mas também foram apresentadas demandas no sentido de reduzir a carga tributária sobre produtos que utilizem gás e sobre a redução dos preços do produto. Hoje boa parte do gás disponível no Brasil vem da Bolívia, mais caro do que o nacional.
Atualmente, segundo o governo do estado, o gás boliviano é comercializado a US$ 3,37 por milhão de BTU (British Thermal Unit, medida internacional usada na cotação do produto) e o nacional a US$ 2,88. De acordo com Meirelles, a ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, já se comprometeu a reduzir o valor para US$ 2,70. Mas, para ele, esse valor continua muito alto. Pela proposta do governo de São Paulo, apresentada em reuniões recentes entre o governador, a ministra e o presidente da Petrobras, José Eduardo Dutra, o preço ideal seria de US$ 2,00.
“A Petrobras quer primeiro esperar o aumento no consumo para então baixar o preço, nós queremos abaixar o preço para aumentar o consumo”, disse Alckmin. Meirelles acrescentou, porém, que a ministra Dilma está “simpática” à hipótese apresentada pelo governo paulista.
Quem também cobrou queda nos preços foi o diretor da área de infra-estrutura industrial da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Pedro Krepel. “Só podemos estar de acordo com este esforço. Mas há espaço para ousadia com relação aos preços, o que certamente trará novas oportunidades”, disse.
Já o presidente da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegas), Romero de Oliveira e Silva, disse que é preciso haver um planejamento nacional para o setor de gás e ressaltou que o Ministério de Minas e Energia já vem fazendo um esforço neste sentido. “São Paulo desequilibra pelo seu tamanho, mas é preciso buscar esses objetivos de forma organizada para que esse esforço não se perca, ou os resultados venham somente para São Paulo”, disse.
Meirelles afirmou, no entanto, que o governo do estado não está pensando só em São Paulo. “Estamos pensando em São Paulo como um modelo de apoio para o desenvolvimento do país”, declarou.
Investimentos
Além do investimento necessário para a extração e refino do gás da Bacia de Santos, o que será feito pela Petrobras ou por parcerias viabilizadas por ela, se a expectativa de aumento no consumo for confirmada serão necessários aportes expressivos na ampliação da malha de distribuição. Tudo isso será coisa de “bilhões de dólares”, segundo Meirelles.
Edson Real, diretor da multinacional do setor de gás El Paso, disse que estimativas dão conta de que os investimentos para a produção e transformação do gás terão de ser da ordem de US$ 5 bilhões.
Na opinião de Alckmin, porém, o setor tem recursos para investir. Segundo ele, somente a Comgás já investiu R$ 700 milhões desde 1999 em sua rede de distribuição. Segundo o diretor financeiro da empresa, Roberto Lage, outros aportes somando R$ 1,3 bilhão estão previstos para os próximos anos. Lage acrescentou que no ano 2000 haviam 20 postos de abastecimento de gás natural veicular no estado, hoje são 210 e existem planos de dobrar esse número nos próximos anos.
Já o presidente da petroquímica Unipar afirmou que “a petroquímica a base de gás é o que há de mais competitivo no setor no mundo”.
Meirelles acrescentou que os projetos na área com certeza terão apoio do governo do estado, do governo federal e de instituições como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O governador disse ainda que a extração do produto pela Petrobras também poderá se dar por meio de parcerias público-privadas. Meirelles acrescentou que os investimentos poderão ser tanto nacionais quanto externos, uma vez que companhias estrangeiras do setor já atuam no Brasil. Ele disse ainda que o transporte do gás não precisa se feito obrigatoriamente por gasodutos, mas também pelo que ele chamou de meio “virtual”, ou seja, comprimido em botijões.