São Paulo – A primeira tese de doutorado do Programa de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ) é de um sírio. Na verdade, Mohammad Najjar já pode se considerar também brasileiro. “Agora, aqui é nosso país. Dia 29 de agosto, semana passada, eu recebi meu RG! Agora nós somos brasileiros”, declarou ele, que junto à família, veio como refugiado ao Brasil em 2015.
Najjar nasceu na cidade de Lataquia, na Síria, onde cresceu e se formou arquiteto pela Universidade de Tishreen. Lá também conheceu sua esposa, a economista Hind Zeitouneh, com quem se casou e teve Nancy, hoje com sete anos, e Khaled, de cinco anos (foto acima). Após concluir o mestrado em Londres, Najjar trabalhava em seu escritório de arquitetura e como professor em uma universidade síria. “Até que a guerra começou e, em 2015, eu precisava sair do país. Tinha uma onda grande de sequestro de crianças. Eu e minha esposa não conseguíamos imaginar a vida se perdêssemos elas”, relatou ele à ANBA.
O primeiro destino da família foi a Malásia, onde passaram apenas dois meses. De lá, a família analisou as opções e viu no Brasil a possibilidade de uma migração mais segura. “A lei brasileira ajudou muito, porque você pegava visto e chegava até o aeroporto, era muito [mais] seguro chegar como refugiado. Nós temos vizinhos na Síria, uma família que decidiu ir até a Alemanha, mas esposa e crianças morreram na praia. Eu não queria repetir esse cenário. Tínhamos muito medo de perder a família. E o Brasil deu essa segurança para nós”, revelou.
Com os vistos, a família desembarcou no Rio de Janeiro, onde reside. Para se regularizar como refugiado no Brasil Najjar foi à Cáritas, organização humanitária que atua no estado. Com um contato na instituição, ele foi convidado a dar entrevistas a veículos do Rio. “Um grupo dos professores na UFRJ assistiu e pediu para me conhecer. Quase tudo aconteceu na primeira semana. Encontrei com eles, que me apoiaram. O Luís Otávio está sempre do meu lado e da minha família. Posso considerar como meu irmão no Brasil”, falou sobre o professor do Departamento de Construção Civil do Centro de Tecnologia da UFRJ, Luís Otávio Cocito Araújo.
Doutor em engenharia ambiental
Araújo apresentou o sírio a outro docente, Assed Haddad, que mais tarde se tornaria o orientador de Najjar. Os novos amigos ensinaram português aos pais e ajudaram a inscrever os filhos com 100% de bolsa em uma escola particular carioca. Já em maio de 2016, a UFRJ abriu seleção para Doutorado em Engenharia Ambiental. Com incentivo dos brasileiros, Najjar se candidatou. “Eles me empurraram, na verdade. Disseram: ‘você deve fazer, você tem mestrado em Londres, diploma na Síria’. Fiz a seleção e consegui passar em todas as etapas”, orgulhou-se.
O estudo, apresentado em julho deste ano, contou com parceria entre a UFRJ e a australiana New South Wales University. “Publicamos vários artigos. A tese é sobre avaliação de ciclos de vida dos edifícios e cálculo de consumo de energia em construção civil em geral. Sustentabilidade é um assunto internacional. Precisamos considerar o futuro da energia, como vamos aplicar ou instalar as fontes de energia renovável, painel solar, todas essas coisas”, explicou.
Aprovado, o sírio já desenvolve seus estudos em Pós-Doutorado na mesma universidade e se prepara para publicar um livro com outros professores da UFRJ e da Austrália. Em paralelo, ele dá aulas de Arquitetura em outra faculdade. “Minha ideia é conseguir construir um currículo forte. Nossa tese é internacional e a banca da defesa do doutorado teve seis professores, dois deles de fora”, avaliou Najjar sobre as possibilidades de parcerias com universidades estrangeiras para fazer um pós-doutorado sanduíche na Austrália.
O Brasil agora é nosso país
Antes do doutorado, o primeiro aprendizado foi bem mais básico: o idioma. “Comecei a falar português de uma maneira bem engraçada. Nossos filhos foram nossos primeiros professores de língua portuguesa. Eles corrigiram nossas palavras. Até pouco tempo, minha filha ia comigo fazer compras, ela falava bem melhor que eu”, revelou. Além dos pequenos Nancy e Khaled, o casal teve mais uma filha. No Brasil, nasceu Maria Lionela. “Chegamos em um país onde não temos parentes. Mas hoje em dia eu tenho muitos parentes sem ter sangue junto, os amigos”, afirmou Najjar.
A família busca, agora, se estabelecer financeiramente em seu novo lar. Zeitouneh também está se recolocando no mercado de trabalho e dá aulas de inglês em uma escola particular. “De 2015 a 2017 conseguimos aprender tudo. Eu e minha esposa, juntos. Ela está pensando em fazer um curso de pedagogia. Nosso plano é ficar no Brasil e tudo depende do tipo de trabalho e de renda. Não estamos mais pensando em voltar, mesmo se a guerra acabar. Esqueci todos os bens da Síria. Estamos começando do zero. E queremos a renda necessária para manter nossa família, nada além disso”, concluiu Najjar.
O doutor conta que está aberto para trabalhar como professor ou arquiteto, suas principais áreas de interesse e estudo, agora no país onde está reconstruindo a vida. “Minha ideia é sempre criar um currículo bem forte. E procurar um trabalho com boa remuneração para ajudar a sustentar toda família”, explicou.
Contato
Mohammad Najjar: mnajjar@poli.ufrj.br