São Paulo – Desde pequena, a comerciante Hanan Qabach precisou cozinhar para alimentar os dez irmãos. Ela nunca imaginou, no entanto, que esse seu talento seria o caminho para que ela e o marido, Hassan Arabi, prosperassem muitos quilômetros distantes de Damasco, na Síria. É em Santa Cecília, em São Paulo, que o casal de muçulmanos faz sucesso vendendo tabule, quibes, esfihas, coxinhas e coxibes, uma "união" do quibe árabe com a coxinha brasileira, no empório Schehrasade. Assim como outros imigrantes árabes que chegaram ao Brasil no começo do século 19, Arabi e Qabach sofreram para se estabelecer.
Quando decidiram que a vida de casados seria construída longe da Síria, Arabi vendeu a confecção que tinha em Damasco e se mudou para São Paulo, em 1984. Deixou a noiva, Qabach, na Síria, para trazê-la apenas quatro anos depois. O objetivo do comerciante no Brasil era abrir uma confecção, conhecer a Amazônia e, depois de alguns anos, morar com a família no Chipre, pequeno país europeu que fica a cerca de 80 quilômetros da costa síria.
Deu errado. O sócio que iria ajudar Arabi a abrir a confecção ficou com todo seu dinheiro. Quando ele finalmente conseguiu abrir as portas, teve seguidos prejuízos. Mesmo assim, acreditava na reportagem que havia lido em 1975 e que o incentivara a viver aqui: que o Brasil era um país promissor.
Depois de fechar a confecção que tinham no Brás, Arabi e Qabach decidiram abri perto dali, na Rua Oriente, um restaurante por quilo "meio árabe meio brasileiro", como ele diz. Também não deu certo e o casal decidiu que o Brás não era o seu lugar.
Começaram, então a procurar um imóvel para alugar na Penha, Lapa, Perdizes e Sumaré. No começo de 1998, acharam uma casa em Santa Cecília. "O imóvel estava praticamente alugado, mas um amigo meu, o Elias Habka [fundador do supermercado Futurama] se comprometeu a ser fiador", lembra o comerciante. O casal ficou no imóvel. Mas como tinham dívidas e nenhum dinheiro para investir, Arabi e a família passaram meses com pouco para comer e vestir. "Me mudei para cá com colchão, cobertor, alguns pratos e uma panela elétrica. Passamos fome", ele recorda.
Cozinheira talentosa
Essa panela seria o começo da salvação da família. Foi nela que Qabach começou a preparar as coxinhas que Arabi venderia ao supermercado Futurama. Depois, a talentosa cozinheira passou a preparar, também, quibes. Quando o casal comprou um forno, as esfihas feitas por Qabach também foram vendidas no Futurama. No mesmo local onde a família morava, Arabi começou a vender salgados para viagem. O lugar cresceu, ganhou clientes e hoje atrai gente de todos os lugares para comprar tabule, quibe, esfiha, doces árabes e produtos importados.
O que mais atrai a clientela, no entanto, não são os salgados árabes. É a coxinha. "Nossa receita usa seis tipos de farinha. Uma, por exemplo, é para não deixar a coxinha absorver muito óleo. Outra é para que ela não fique murcha. Estudamos muito até encontrar a coxinha ideal”, afirma o empresário. O casal não sabe quantos salgados vende por dia. Sabe, porém, que 95% dos clientes da Schehrasade são brasileiros. Só 5% são descendentes de árabes. Para celebrar o sucesso dos salgados árabes e da coxinha, Arabi e Qabach criaram, em 2011, o coxibe.
Desde que veio para o Brasil, Arabi nunca mais voltou para a Síria. Os pais morreram, mas dois irmãos ainda vivem no país. Qabach, que também perdeu os pais, voltou uma vez para Damasco, em 2004, para comprar uma máquina para fabricar pão sírio. “A saudade que eu tenho de lá, dos meus irmãos, da minha cidade, do lugar em que eu cresci, é muito grande. Pretendo, um dia, voltar para a Síria para passear”, diz Qabach.
Arabi diz que não sai do Brasil porque não consegue ficar um dia longe dos filhos Nabil, de 14 anos, e Gassan, de 22. Rachid, de 20 anos, vive em Londres. Quando os garotos ficarem maiores, diz, pretende visitar a Síria. E a Amazônia também. Ele veio para o Brasil sonhando em conhecer o lugar, mas há 27 anos aqui nunca pisou lá.
O que nem Arabi nem Qabach pensam em fazer é o caminho de volta. "O povo brasileiro é ótimo. É receptivo demais, um dos melhores do mundo. Nós viemos para o Brasil, sofremos muito para nos adaptar, passamos dificuldade, mas temos nossas conquistas e não queremos deixá-las", diz Arabi.

