Doha – A defesa de soluções mundiais para problemas internacionais, como a crise financeira e o aquecimento global, deu o tom da 2ª Cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa), realizada nesta terça-feira (31) em Doha, no Catar. A reunião de chefes de estado e de governo foi marcada por uma forte apologia ao multilateralismo. "Não haverá solução para os graves problemas internacionais sem a participação de todos os atores relevantes", disse o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. O encontro teve as presenças de chefes de estado, governo e diplomatas de 34 países.
A crise esteve presente em quase todos os discursos realizados, uma vez que na quinta-feira (02) vai ocorrer, em Londres, a cúpula do G-20, formado pelas 20 maiores economias mundiais, justamente para debater o tema. A residente do Chile, Michelle Bachelet, defendeu que os países dos dois blocos enviassem uma "mensagem potente" ao G-20, já que Brasil, Argentina e Arábia Saudita são membros do grupo. "Se não enfrentarmos a crise econômica, teremos uma crise social", disse ela.
As posições comuns dos países das duas regiões sobre o tema foram incluídas no comunicado final do encontro, a Declaração de Doha, cujo conteúdo foi antecipado pela ANBA. O texto enfatiza a importância de uma nova arquitetura financeira internacional que seja "congruente com o desenvolvimento socioecômico".
"Da crise surge uma nova ordem econômica que deve ser mais representativa do que é hoje", afirmou Bachelet. "Afinal, o mundo mudou desde Bretton Woods", acrescentou ela, referindo-se ao acordo do pós-guerra que resultou na criação de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
Para Lula, a crise significa a "quebra de um paradigma" e mostra que os países emergentes têm que se unir em defesa de seus interesses comuns. "Temos a extraordinária oportunidade de apresentar propostas consistentes para a reforma da governança global", declarou o presidente brasileiro.
"Eu digo que o socialismo é a única solução para a grande crise mundial, não há solução dentro do capitalismo", disse o presidente venezuelano Hugo Chávez, que como de costume lançou mão de várias frases de efeito e fez o discurso mais longo do evento.
Além de defender soluções conjuntas e a reforma das instituições multilaterais, os líderes árabes e sul-americanos destacaram a importância do incentivo ao comércio internacional como maneira de reduzir os efeitos da crise. Nesse sentido, eles rechaçaram medidas protecionistas e ressaltaram a necessidade de conclusão da Rodada Doha de liberalização comercial no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).
O secretário-geral da Liga Árabe, Amr Mussa, disse que os três países árabes e sul-americanos que fazem parte do G-20 vão para o encontro de Londres com posições de consenso e dentro de um espírito de cooperação e solidariedade. A declaração final da cúpula destaca que "mecanismos de cooperação entre os países do Sul devem ser reforçados para prevenir crises e a pobreza".
O Emir do Catar, Ahmad Bin Khalifa A-Thani, anfitrião do encontro, destacou que existem muitas coisas em comum entre os países dos dois blocos no que diz respeito ao "caminho para o desenvolvimento". "Tenho esperança de que nossos esforços serão recompensados", declarou.
Ainda na seara econômica, outro tema explorado foi a complementaridades entre as economias dos dois blocos, de um lado os árabes como grandes produtores de petróleo e gás, e de outro os sul-americanos como importantes fornecedores de alimentos. Segundo Lula, essas complementaridades podem ser usadas para se aproveitar as oportunidades de "economias que cada vez mais se internacionalizam".
Nesse ponto ele destacou aumento do comércio entre as duas regiões desde a primeira cúpula Aspa. O volume passou de US$ 11 bilhões em 2004 para US$ 30 bilhões em 2008, um aumento de 170%. "Isso confirma o enorme potencial do comércio Sul-Sul", disse Lula.
Em entrevista, o presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Salim Schahin, disse que, durante o Fórum Empresarial América do Sul-Países Árabes, realizado antes da cúpula, viu o interesse de empresários árabes querendo em investir na produção de alimentos na América do Sul para abastecer seus próprios mercados. "Do outro lado, eles têm muito conhecimento sobre o petróleo", afirmou. "O que importa é uma aproximação cada vez maior", acrescentou.
Na avaliação de Schahin, a cooperação Sul-Sul é "extremamente importante" para "criar as bases para um futuro melhor". No fórum, segundo ele, além do ramo de alimentos, muitas discussões rodaram em torno dos ramos de petróleo, energia, imóveis, construção e infraestrutura.
A presidente chilena ressaltou, no entanto, que o combate à crise não pode servir de desculpas para nada se fazer sobre o aquecimento global e defendeu que, se parte dos "trilhões de dólares" utilizados para salvar o sistema financeiro internacional fosse utilizada na produção de energias limpas, haveria a criação de "centenas de milhões de empregos". A próxima Aspa foi marcada para 2011 em Lima, no Peru.