São Paulo – Com o tema da sustentabilidade em alta, os empreendedores do Brasil têm lançado cada vez mais negócios que aliam preservação do planeta e ganhos financeiros. O número de startups que produz soluções de tecnologias limpas, as chamadas cleantechs, quase dobrou no País de um ano para o outro. Muitas delas já nascem de olho não apenas do Brasil, mas também nos mercados do exterior mais avançados para produtos e serviços que beneficiam a natureza e o bem-viver. Na foto acima, Victor Soares e Diego Fraga, sócios de uma startup de sustentabilidade.
O termo cleantechs surgiu nos Estados Unidos em 2002, mas ganhou força internacionalmente entre 2005 e 2006, impulsionado por uma sustentabilidade que vinha conquistando espaço desde o início do século e galgou degraus com o aumento dos preços da energia e das commodities, o crescimento da conscientização do consumidor e o surgimento de mecanismos de comércio de créditos de carbono.
Até o ano de 2050, é esperado um crescimento global de 50% nas soluções focadas em eficiência energética, área das cleantechs que mais recebe investimentos, segundo relatório Global Cleantech 100 realizado por Cleantech Group. Ainda de acordo com esse levantamento, atualmente existem mais de 11 mil empresas definidas como cleantechs espalhadas por 75 países.
No Brasil, o número de cleantechs aumentou em 83% de 2020 a 2021, segundo a Associação Brasileira de Startups (Abstartups). Em 2020, existiam 96 startups voltadas para a sustentabilidade e no ano seguinte a quantidade saltou para 176. A maior parte desses negócios no Brasil é voltado para as áreas de ar e meio ambiente (39,2%) e energia limpa (26,5%), mas o País também tem cleantechs que atuam com transporte (8%), indústria limpa (7,8%), água (2,9%) e agricultura (1%).
A engenheira ambiental e especialista em Sustentabilidade, Aline Maldonado Locks, afirma que há um aumento das cleantechs no País porque quando se fala em questões ambiental e social, o Brasil tem mais regras e pressão por conta das florestas, do aumento do desmatamento e da necessidade de preservação da biodiversidade. “Tem um holofote grande dos outros países no Brasil. Por isso é mais fácil fazer essa implementação de trabalhos relacionados à questão do meio ambiente por aqui, porque se a gente consegue implementar algo em solo brasileiro, consegue aplicar em outros locais”, diz Locks.
Para o CEO da Metha Energia, Victor Soares, o Brasil é um lugar perfeito para a criação de startups de sustentabilidade por causa da abundância de recursos naturais. “A gente tem uma relação de pouca consciência com o impacto que estamos deixando no planeta. Temos tanto acesso aos recursos naturais que acabamos não tendo que nos conscientizar sobre a utilização deles por questões de escassez. A população não se preocupa nem um pouco com o tipo de energia que consome e com a produção de lixo, por exemplo”, afirma. A Metha é uma plataforma voltada ao acesso de energia limpa e sustentável.
Mesmo que só 1% das cleantechs do Brasil sejam voltadas para agricultura, a engenheira ambiental Locks explica que as empresas são bastantes internacionalizadas, com tecnologias trazidas de fora sendo implementadas no País. Diferentemente do que se pode imaginar, o motivo por trás da pequena quantidade de cleantechs de agricultura, transporte, indústria limpa e água não é falta de interesse dos investidores. “O dinheiro está aí, falta um pouco na questão de troca, de conexão entre várias soluções. Por exemplo, eu vejo que temos muitas ferramentas na agricultura, mas nem todos sabem porque falta uma conexão das informações”, diz Locks.
As startups da sustentabilidade
Formado em Administração de Empresas, Felipe Cardoso, CEO e fundador da Eco Panplas, sempre quis montar um negócio com propósito. A indústria do plástico foi escolhida por conta da proximidade da família com a área. “Sempre vi na reciclagem algo muito bacana na questão de se reaproveitar os materiais e preservar o meio ambiente. Conhecendo mais o mercado, entendi que tinha muito material contaminado e a reciclagem que precisava ser lavada usava muita água, e a água também é um recurso natural escasso”, conta Cardoso.
Com a ideia de resolver um problema da reciclagem, em 2014 nasceu a Eco Panplas, em Hortolândia, interior de São Paulo, um projeto de inovação para desenvolver uma tecnologia produtiva que pudesse reciclar embalagem de óleo lubrificante automotivo sem usar água. Ao pesquisar, Cardoso descobriu que esse tipo de tecnologia não existia em nenhum lugar do mundo, mas achou um fabricante brasileiro que tinha um projeto inicial na área. Cardoso o convidou para empreender conjuntamente.
Durante os primeiros três anos de empresa, os sócios da patente criaram os equipamentos da planta produtiva e de 2017 a 2020 começaram a fazer a reciclagem das embalagens em escala. Depois disso, a produção da Eco aumentou em quase 80%. Em reconhecimento a essa tecnologia inédita, a empresa já recebeu 32 prêmios, entre nacionais e internacionais. O mais recente, concedido em 2022, foi o Energy Globe World Award, considerado o maior prêmio ambiental do mundo. O CEO da empresa se orgulha pelo legado de preservação da biodiversidade que está deixando para as futuras gerações.
Para reciclar as embalagens é usado um sistema composto por equipamentos e processos patenteados. Primeiramente, a embalagem é moída. Depois ela passa por uma sequência de processos físico-químicos e mecânicos, sem usar água, na qual o plástico é totalmente separado do óleo e do rótulo. No final, saem o plástico moído e limpo, o óleo recuperado e o rótulo. Na fábrica trabalham em torno de 12 pessoas.
O plástico reciclado representa 94% do processo, o óleo 3% e o rótulo também 3%. Pela proximidade geográfica, o plástico que vira resina, o óleo e o rótulo são vendidos para a indústria de São Paulo. Entretanto, já existe um plano de expansão para começar a vender o plástico reciclado para outros estados. Hoje os materiais para reciclar vêm mais de São Paulo, mas já chegaram dos estados do Nordeste, Espírito Santo e Minas Gerais.
A Eco Panplas já testou com sucesso a reciclagem de óleo de cozinha, óleo vegetal e embalagem de cosméticos. O objetivo é criar novas plantas para reciclar esses compostos. Por mês, são gerados 200 toneladas de plástico descontaminado e 7.500 litros de óleo recuperado. O processo significa 7,5 bilhões de litros de água preservados e 306 toneladas a menos de emissão de gases de efeito estufa.
Metha: por uma energia limpa
Pensando em resolver outra questão relacionada à sustentabilidade, o financista Victor Soares, ao lado de dois sócios, criou a Metha Energia em 2017, em Belo Horizonte, Minas Gerais. A empresa surgiu como um serviço sustentável e prático para fornecer energia limpa para os consumidores. Atualmente, apenas Diego Fraga, que é engenheiro, continua como sócio da Metha com Soares.
A empresa gera energia limpa em usinas solares e de biogás (que vem basicamente de decomposição de matéria orgânica) parceiras, e injeta na rede da concessionária de energia local. O consumidor, que mora nas regiões que a Metha atende, se cadastra no site e após a aprovação, a concessionária é avisada que a instalação indicada receberá os créditos referentes à energia limpa. Além de ajudar o meio ambiente, o consumidor economiza até 15% na conta de energia mensal.
A ideia surgiu em uma época que houve um aumento muito grande de interessados em energia solar no Brasil. Fora do País, o movimento podia ser visto com destaque nos Estados Unidos, Rússia e Europa. A legislação do Brasil tinha acabado de amadurecer para permitir que o consumidor pudesse gerar sua própria energia sem a necessidade de depender da distribuidora local para isso. “Não tinha ninguém olhando para o consumidor final residencial e quando a gente começou a pesquisar com mais profundidade, entendemos que no Brasil não existia nada estruturado nesse sentido”, relata Soares.
Atualmente, a empresa mineira conta com 50 funcionários e atende 450 cidades do estado de Minas Gerais. Além disso, os consumidores do interior de São Paulo já podem se cadastrar na Metha e existe um plano de no futuro atender os estados do Centro-oeste e o Rio de Janeiro.
Planos para o mundo
O CEO da Eco Panplas conta que têm visado o mercado internacional para licenciar a tecnologia usada na empresa. Em outubro do ano passado, ele expôs a tecnologia em uma das maiores feiras de inovação do mundo, a Gitex Global, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. A seleção para participar da feira foi feita pelo Instituto Sociocultural Brasil China. “O mercado árabe nos interessa bastante por causa da indústria de óleo e gás que eles têm muito forte, e tem tudo a ver com o nosso negócio, que é voltado para a questão sustentável de reciclagem”, diz Cardoso.
Durante a feira, Felipe foi procurado por pessoas interessadas da Arábia Saudita e Emirados Árabes. Já na América Latina, o negócio já está mais encaminhado e a Eco Panplas começou a vender a licença da tecnologia para alguns países da região.
O CEO da Metha também tem interesse em expandir a solução da sua empresa para outros países, mas tem encontrado uma grande dificuldade em relação à maturação da legislação de cada país. Na América do Sul, por exemplo, um dos poucos países que estaria preparado para ter um avanço é a Colômbia. Nos Estados Unidos são poucos os estados que têm a possibilidade de usar a solução da Metha.
Soares acredita que ainda há pouca abertura regulatória para um negócio como a Metha nos países árabes. “Apesar de um potencial enorme de geração de energia solar, ainda falta um pouco de amadurecimento regulatório”, diz Soares. “A Metha já conta com a participação de investidores norte-americanos, mas a gente ficaria muito feliz em fazer negócios com investidores árabes, que conseguem enxergar o mundo com uma ótica diferente, de muita evolução e velocidade”, afirma Soares.
Reportagem de Rebecca Vettore, especial para a ANBA