São Paulo – O mercado do Sudeste Asiático já começa a exigir que os produtos com certificação halal venham de empresas que usem financiamento islâmico. A informação foi dada nesta quarta-feira (08) por Zubair Mughal, CEO do Centro AlHuda de Bancos Islâmicos (CIBE), da Rede de Microfinanças Islâmicas (IMFN) e o Conselho de Pesquisa Halal, do Paquistão, no fórum de negócios Global Halal Brazil, promovido pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira e Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras Halal).
“No Sudeste Asiático estamos enfrentando algumas questões, algumas instituições maiores dizem que quando fazemos a certificação halal de qualquer alimento ou qualquer item não alimentar, precisamos ver também as fontes de financiamento, se a fonte de financiamento não estiver em conformidade com a Sharia ou não estiver em conformidade com o Islã, temos que considerar se esse certificado pode ser oferecido ou não”, disse Mughal, falando remotamente no evento. A Sharia é o conjunto de leis islâmicas.
O Brasil é um grande fornecedor de produtos halal, principalmente carne de frango e bovina, mas ainda não tem as finanças islâmicas desenvolvidas. “Eu sei que o Brasil é um dos maiores exportadores de produtos halal, principalmente o frango, produtos derivados de leite, inclusive a carne bovina. Se aplicarmos esse princípio para o Brasil, as fontes de financiamento do fabricante halal basicamente eliminam um país como o Brasil”, afirmou ele. Os sistemas financeiros baseados em juros não são permitidos no Islã.
Mughal começou a participação no painel “Finanças Islâmicas – como seu crescimento contribui para uma melhoria na economia mundial e as perspectivas de investimento no halal do Brasil” dizendo que há uma diferença entre indústria halal e finanças islâmicas. A indústria halal fornece aos mercados produtos feitos segundo as normas islâmicas e apropriados ao consumo dos muçulmanos. As finanças islâmicas são instrumentos financeiros regidos pela Sharia, com princípios como a não cobrança de juros e compartilhamento de risco.
O Brasil nas finanças islâmicas
Cada vez mais os instrumentos oferecidos nas finanças islâmicas são usados para investimentos e financiamento da produção halal. No Brasil, a discussão sobre essas finanças é recorrente, mas o País ainda não tem uma legislação a respeito. A moderadora do painel, a representante-chefe e gerente nacional para a América Latina do First Abu Dhabi Bank, Angela Martins, chamou os participantes da discussão a apontarem caminhos para o Brasil na área.
Martins relatou como entrave para a aplicação das finanças islâmicas no Brasil a dupla taxação sobre produtos como o Sukuk. Tratam-se de títulos ou bônus muito usados por bancos islâmicos. “Você tem compra e venda de ativos, que acontecem em duas pernas, uma delas comprando o ativo à vista de uma parte e vendendo à outra por um prazo diferido, e aqui no Brasil, se nós fizéssemos uma estrutura como essa, nós teríamos a dupla cobrança de impostos que inviabilizaria esse tipo de investimento”, explicou a executiva.
Mughal disse acreditar que os sukuks podem ser importantes instrumentos para o investimento no setor halal brasileiro. Ele sugeriu como opção para o Brasil o uso de fintechs islâmicas. “Eu sei que no Brasil vocês não têm uma regulamentação que facilita as finanças islâmicas, mas tendo uma plataforma de tecnologia financeira, com uso limitado de produtos, pode facilitar que o setor halal do Brasil tenha acesso a esse mercado”, disse. Martins contou que vem sendo feito trabalho com a Fambras e a Câmara Árabe para desenvolver as finanças islâmicas no Brasil.
Os especialistas participantes do painel defenderam que o Brasil é um terreno propício para as finanças islâmicas por ser um dos maiores produtores e exportadores de produtos halal do mundo e argumentaram que esses instrumentos poderiam financiar ou apoiar a indústria halal local, atraindo investimentos de países islâmicos. Em painel do fórum no dia anterior, o fundador e CEO da LBB Internacional da Malásia, Marco Tieman, explicou que os mercados islâmicos estão classificados em vários estágios de exigências atualmente e que os mais desenvolvidos já analisam fatores como o uso das finanças islâmicas na indústria fornecedora de halal.
Reino Unido
O diretor geral na Cambridge Institute of Islamic Finance, da Inglaterra, Humayon Dar, trouxe a experiência do Reino Unido para o painel. O instituto é um think thank especializado em países com finanças islâmicas desenvolvidas. Segundo ele, no Reino Unido há cinco bancos islâmicos e grande fluxo de capital de países do Conselho de Cooperação do Golfo e Malásia. “O governo do Reino Unido participa há tempos da indústria financeira islâmica”, disse. Dar contou que há ensino do tema nas universidades e que o Reino Unido já emitiu Sukuks soberanos, seguido por Luxemburgo, Hong Kong, África do Sul e Nigéria. O diretor disse que a difusão do conhecimento na área é importante e pode ser um caminho para o Brasil.
Recursos naturais
O coordenador de desenvolvimento de conteúdo do Al Baraka Forum, Ibrahim Nabil, disse que o Brasil tem um futuro promissor nas finanças islâmicas. Ele contou de produtos financeiros voltados a setores baseados em recursos naturais, como mineração, agricultura e extração de petróleo, e para construção de fábricas, no que o Brasil tem muito a oferecer. “O Brasil está chegando a US$ 21,8 trilhões em valor dos recursos naturais”, disse. Al Baraka é uma fundação intelectual que promove um simpósio sobre finanças islâmicas e trabalha na produção, difusão e publicação de conhecimento sobre o assunto.
O fórum Global Halal Brazil ocorreu de segunda-feira (06) a quarta-feira (08) de forma híbrida, com patrocínio da Agência Brasileira de Promoção das Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), BRF, Pantanal Trading, Portonave e Iceport. A parte presencial foi oferecida a grupo de convidados no hotel Renaissance, na capital paulista.
Acompanhe a cobertura completa do fórum:
Seção Fórum de Negócios Global Halal Brazil
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