São Paulo – O uso de tecnologia deixou de ser privilégio apenas das grandes propriedades rurais. Cada vez mais pequenos produtores estão atentos às novidades que garantem melhorias na produtividade, sustentabilidade e lucro. O acesso às inovações tecnológicas normalmente é garantido por meio de cooperativas, associações, prefeituras, participação em palestras, seminários e dias de campo, muitas vezes promovidos pelos próprios institutos de pesquisa.
Um bom exemplo de uso de tecnologia também encontrada nas pequenas propriedades é a produção de aves em Santa Catarina. “Aves hoje são uma atividade que, embora no âmbito familiar, exige uma boa infra-estrutura com aviários grandes e equipados”, diz Élcio Figueiredo, chefe-geral da unidade de suínos e aves da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), instalada em Santa Catarina.
Segundo ele, normalmente o investimento é todo do produtor. “Alguns usam recursos próprios, outros financiam. Quando trabalham no sistema de integração com grandes indústrias são as empresas que dão o aval para ele obter financiamento”, conta Figueiredo.
No caso dos produtores que trabalham no sistema de integração, a tecnologia referente à segurança dos alimentos, genética e raça é fornecida pela integradora. Já cuidados sanitários e com o meio-ambiente podem ser buscados junto aos institutos de pesquisa. Ao longo dos 33 anos de existência da Embrapa Suínos e Aves, mais de 400 tecnologias foram disponibilizadas para os produtores. Entre as tecnologias mais utilizadas nas pequenas propriedades, Figueiredo destaca a linhagem de aves para a linha colonial com a poedeira 051 e o frango de corte 041.
“Hoje, nutrição, vacinas e equipamentos estão na mão da indústria privada. Meio ambiente, sanidade e novas raças são desenvolvidas pela Embrapa”, explica Figueiredo. A entidade também desenvolve soluções com cisternas que permitem captação, filtragem e armazenagem da água da chuva.
Na granja
Na propriedade da família de Itacir Weber, em Barra do Pinhal, muita coisa mudou desde que o irmão caçula terminou o curso técnico em agronomia e incentivou os investimentos em tecnologia e melhorias na propriedade. “Percebemos uma diferença enorme no aproveitamento da área. Tínhamos pouco conhecimento das novidades acessíveis também para os pequenos produtores”, conta.
A primeira mudança foi a instalação de uma cisterna para coletar água da chuva. Os 328 mil litros captados servem para matar a sede das 2 mil poedeiras, de algumas cabeças de gado e dos 220 suínos criados no sistema de integração com uma granja local. “Antes da cisterna a gente usava água de uma fonte que sempre seca em períodos de estiagem. Aí o jeito era puxar água do Rio com o trator”, conta Weber.
“O investimento foi baixo e o retorno foi excelente. Como fomos os primeiros a construir uma cisterna no município, muitos vizinhos vieram aqui para conhecer como funcionava e em pouco tempo seguiram nosso exemplo”, conta Weber orgulhoso.
As duas mil galinhas poedeiras são da linhagem 051, desenvolvida pela Embrapa. Elas são criadas no sistema semiconfinado. Quando o tempo está seco elas são soltas nos piquetes construídos embaixo do pomar. A produção é de 1.800 ovos por dia. Hoje a família recolhe e classifica tudo manualmente. O próximo passo será comprar uma máquina classificadora. “A máquina vai ajudar muito porque classifica por tamanho e já limpa os ovos”, diz.
No galpão, o puleiro foi construído com um sistema simples que utiliza uma tela que evita o contato com os dejetos que depois são usados para fazer a compostagem.
Em outra localidade da região, o produtor Camilo Marafom, investe na diversificação da propriedade. Há cerca de um ano cria frango verde ecológico e poedeiras, também no sistema semiconfinado. “Assim o frango não se alimenta apenas de ração, fica mais livre para se desenvolver naturalmente”, conta Marafom. Na propriedade de 50 hectares, ele também produz leite, cria ovelhas, planta milho e a nesse ano plantou 1.200 pés de uva. “O frango verde é vendido para a cooperativa a cada três meses. Não é um investimento alto e o retorno é garantido”, diz.
Mais leite
A pesquisa agropecuária já desenvolveu produtos e processos tecnológicos capazes de aumentar em quatro vezes a produção de leite no Brasil. Os pesquisadores desenvolveram trabalhos voltados para a formação e recuperação de pastagens; produção de forrageiras de inverno e silagens de milho e sorgo; sistemas intensivos e de produção em condições de pastejo e confinamento; melhoramento animal e vegetal; saúde animal; qualidade do leite; etc. “Os trabalhos sempre tiveram como foco a competitividade da produção, aliada à sustentabilidade e à preservação ambiental”, conta o pesquisador Rodolpho Torres, da Embrapa Gado de Leite.
Segundo ele, a Embrapa possui cerca de 100 projetos de pesquisa em andamento. As ações estão distribuídas em três núcleos de pesquisa, desenvolvimento e inovação: genética, bem-estar e reprodução animal; alimentação e forragicultura; qualidade do leite, saúde animal; e socioeconomia.
Torres ajudou a difundir a tecnologia de alimentação para gado de leite em períodos de seca, que utiliza cana-de-açúcar associada à uréia. “O pequeno produtor não tem recurso de fazer silagem e muitos acabam tendo queda de produção por falta de alimento no período da seca (maio a outubro)”. Essa alimentação foi desenvolvida pela Embrapa em 1979. É repassada ao produtor por meio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), cooperativas, em dias de campo e núcleos de treinamento.
Outra tecnologia, já transferida com sucesso para os outros produtores, é o controle estratégico do carrapato bovino. A recomendação é de que a reaplicação de carrapaticida seja realizada a cada 21 dias, e análise dos carrapatos a cada seis meses, para avaliar se o carrapaticida ainda está funcionando ou se precisa ser substituído.
Ordenha Manual
O Brasil possui 1,3 milhão de produtores de leite e 80% deles utilizam ordenha manual. Atenta às necessidades desses pequenos e médios produtores, a Embrapa desenvolveu um kit de ordenha manual. Definida com uma tecnologia social ao alcance dos pequenos produtores, o kit é composto por utensílios simples, associados a uma cartilha contendo orientações técnicas a respeito da ordenha manual. O projeto desenvolvido pela Embrapa Gado de Leite contou com a parceria do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Emater-MG, Embrapa Semi-árido e Fundação Arthur Bernardes (Funarbe), ligada à Universidade Federal de Viçosa.
Segundo Marne Moreira, chefe-adjunto da Embrapa Gado de leite, o trabalho prova que se pode obter, na ordenha manual, leite com a mesma qualidade higiênica, ou até mesmo melhor, daquele obtido na ordenha mecânica. A contagem bacteriana, um dos fatores que determinam a qualidade do produto, costuma ser bastante alta neste tipo de ordenha. Isto ocorre devido a procedimentos incorretos que levam a uma higiene deficiente tanto dos tetos da vaca quanto das mãos dos ordenhadores e dos utensílios utilizados.
Para provar a viabilidade do kit, pesquisadores da Embrapa Gado de Leite realizaram testes a partir de outubro de 2006 em sete estados de quase todas as regiões brasileiras (Nordeste, Sudeste, Centro-oeste e Sul). Tais estudos mostram que a sua utilização adequada pode reduzir o índice de contagem bacteriana de 40% a 85%. Exemplo disso são os dados apurados entre um grupo de produtores de Pernambuco: antes da utilização do kit, a contagem bacteriana (amostrada 15 minutos após a ordenha) estava em torno de 820 mil Unidades Formadoras de Colônias de bactérias (UFC) por mililitro de leite. Com os utensílios recomendados e os procedimentos corretos de higiene, o índice de UFC caiu para 133 mil/ml no mesmo tempo após a ordenha.
O produtor monta o seu kit de acordo com os utensílios que já possui em sua propriedade. O kit completo custa cerca de R$ 150,00. O sucesso da iniciativa foi tão grande que a idéia será exportada para outros países tropicais como Venezuela, Colômbia e Equador. Também há possibilidade de levar para Angola e Uganda, na África, mais Índia e Paquistão.
“O kit agrega valor ao leite porque reduz a contagem de bactérias. É mais segurança para o produtor, para a indústria e para o consumidor”, afirma Moreira.
O produtor Liberalino de Castro Lopes utiliza o kit há um ano. Na propriedade de 50 alqueires no bairro Eldorado, em Juiz de Fora (MG), em ele mantém 35 vacas leiteiras. A produção diária de 250 litros de leite é vendida para uma fábrica local de queijos.
“A gente sempre tirou leite manualmente e já tomava cuidados como lavar os tetos das vacas com água clorada e enxugar. O kit, além de ser mais higiênico, é mais rápido e prático. Com a redução da quantidade de bactérias consigo ganhar 20 centavos a mais por litro de leite”, comemora o produtor. Como é membro da diretoria do Sindicato Rural de Juiz de Fora, Lopes está sempre presente nas reuniões, palestras e dias de campo organizados no município. Depois, coloca em prática o que aprende com os técnicos.

