São Paulo – Não existe um nome mais conhecido que o dele na comunidade árabe de Alagoas. Referência das artes plásticas e da arquitetura, Pierre Chalita era filho de libaneses e emprestou seu nome para a fundação que é hoje um dos mais importantes espaços culturais do estado. Nascido em 1930, em Maceió, e morto em 2010, também na cidade, deixou sua marca na obra que traduziu as angústias, dúvidas e memórias dos homens de seu tempo. O legado de seu trabalho é levado adiante, com orgulho e com carinho, por sua viúva, Solange Lages Chalita, a responsável pelo acervo de pinturas, esculturas e mobiliário organizado nas duas unidades da Fundação Pierre Chalita, na capital alagoana. Na entrevista a seguir, ela fala sobre o artista, o homem e o filho de árabes com que se casou em 1986.
ANBA – Quais são exatamente as origens árabes de Pierre Chalita?
Solange Chalita – O pai de Pierre, Gabriel Chalita, era libanês, nascido em Kártaba, onde tinha uma pequena propriedade de cultivo do bicho da seda. No início do século 20, Gabriel veio para o Brasil, tendo se fixado inicialmente em Pernambuco. Trouxe esposa libanesa e duas filhas pequenas. Logo enviuvou. Escreveu imediatamente a um parente próximo manifestando seu desejo da contrair novas núpcias com a filha do mesmo, Amine, pedindo que ela embarcasse para o Brasil. Com Amine, Gabriel se transferiu para Maceió. Tiveram seis filhos: Maria José, José Gabriel, Pierre Gabriel, Vitoria, Henriete e Antonio Gabriel.
Ele tinha orgulho de suas raízes?
Sim, ele tinha orgulho de sua ascendência árabe. O mais belo retrato que pintou em sua vida foi o de sua mãe, vestida com trajes libaneses, uma longa trança, escorregando sobre o busto, cabeça coberta com um tecido amarelo, tendo ao fundo as ruínas de Baalbeck. Esta pintura impressionou de tal forma o reitor Pedro Calmon, do Rio de Janeiro, que ele ofereceu ao recém-formado arquiteto pela Faculdade Nacional de Arquitetura, então situada na Praia Vermelha, na capital carioca, uma bolsa de estudos na Espanha. Isto lá pelos idos de 1950. Pierre passou oito meses em Madri, matriculado na Academia Real de San Fernando. Em seguida foi para Paris, tendo então se matriculado na Escola de Belas Artes.
Que características árabes eram mais marcantes nele?
Não só o seu físico de homem de tez morena, a estatura vigorosa, seu fluente falar sustentado por uma gestualidade exuberante indicavam as raízes orientais de um exímio contador de histórias. Mas também a exacerbada afetividade, traduzida no amor à família. Não era menor sua sensibilidade para música e para pintura, uma memória muito antiga herdada de homens do longe. E o que dizer do sentimento que o dominou e fez seu corpo inteiro tremer quando, de um navio, avistou pela primeira vez Beirute?
O que a senhora destacaria no trabalho de Pierre Chalita como arquiteto?
Pierre Chalita colocou seus conhecimentos de arquiteto a serviço da restauração de prédios históricos importantes em Maceió, como o Palácio do Barão de Jaraguá, o prédio da Assembleia Legislativa e a sede do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Mas seu pioneirismo maior nesse campo foi ter lutado pela conscientização da importância da preservação de tais bens, numa época em que o que se buscava era a modernização das cidades. As demolições ou o descaso imperavam.
E como pintor?
Pierre foi ainda maior como pintor. Dedicou toda a sua vida à arte. Foi sempre coerente, valorizou o que aprendeu e nunca se deixou levar por modismos. Certa feita, eu o defini num pequeno artigo como “pintor transexpressionista”. As questões sociais e existenciais sempre o preocuparam. O legado enorme que deixou, com as séries “Do Baile” e do “Paraíso”, fala do homem contemporâneo através de um enfoque dramático, traduzindo em cor e traços suas angústias, preconceitos, violência, injustiças. Mas há também nesse universo chaliteano fraternidade, solidariedade, compaixão e amor.
Por falar em amor, como vocês se conheceram?
Sou alagoana e nós nos conhecemos muito jovens. Eu tinha 15 anos e Pierre foi o rapaz com quem dancei pela primeira vez, num Carnaval. Eu fantasiada de cigana e ele de apache. Passamos muito tempo sem nos ver, cuidando de nossos estudos. Na década de 1970 nos reaproximamos pelos nossos ideais e pelo trabalho conjunto. O final foi muito feliz, com nosso casamento em 1986. Infelizmente, ele faleceu em 2010. Tenho me esforçado para dar continuidade ao que ele criou. Mas é difícil porque ele era genial e único.
Como funciona o trabalho da Fundação Pierre Chalita?
A Fundação Pierre Chalita é uma instituição de direito privado, sem fins lucrativos, criada em 1980. Abriga um acervo eclético de arte – pinturas, esculturas, mobiliário, desenhos, objetos decorativos e assim por diante. Tudo doado por Pierre e abrigado em dois museus em Maceió: um no Centro da cidade e outro no bairro de Jaraguá. Sua finalidade é contribuir para o desenvolvimento cultural e educacional de Alagoas, do Nordeste e do Brasil. A entidade ainda promove eventos culturais, quase sempre envolvendo professores em palestras e artistas em exposições coletivas.
Serviço
Fundação Pierre Chalita
Telefone: +55 (82) 3223-4298
Site: www.fundacaopierrechalita.com.br