São Paulo – Seja bem-vindo a um cenário de casas com pé direito alto, enfeitadas por azulejos, arcos em formato de ferradura e balcões trabalhados com treliças, as tramas que decoram esses apoios nas sacadas. Sim, nós também temos casas e prédios no melhor estilo árabe. Principalmente em São Paulo, capital do estado que recebeu o maior número de imigrantes com essa origem. Pelas ruas, o observador mais atento vai perceber, aqui e acolá, um pouco da delicada arquitetura das arábias.
De acordo com o arquiteto e professor da Faculdade de Belas Artes de São Paulo, Rafael Manzo, esse legado chegou até nós de forma indireta, a partir da colonização portuguesa. “Os azulejos de Portugal, por exemplo, vêm da tradição moura, assim como as treliças, varandas, arcos e balcões”, explica. “Não podemos esquecer que a Península Ibérica ficou sete séculos sob a ocupação moura e que isso teve um impacto muito grande em Portugal e na Espanha”, diz.
Manzo afirma ainda que a influência árabe na arquitetura de São Paulo se deu primeiramente como uma forma de reafirmação da origem dos imigrantes. “Entre aqueles que vinham de fora, era normal construir casas que identificassem de que país eram os seus moradores. Foi assim com os italianos também”, diz. “Nas residências árabes, mesmo as famílias não islâmicas buscavam incluir características dessa arquitetura em suas casas, como as janelas e portas com arcos em forma de ferradura e bulbos”, explica.
Mais adiante, na medida em que prosperavam, principalmente com o comércio, muitos imigrantes buscaram morar em mansões com elementos da arquitetura francesa, considerada mais chique na época. “Era uma forma de mostrar aos outros a boa situação financeira dos donos da casa, uma tentativa de acabar com o preconceito contra as famílias de origem árabe”, diz Manzo.
Como exemplo de edificações com características das arábias que podem ser observadas até hoje na capital paulista, o professor destaca prédios comerciais e residências na Zona Sul da cidade. “Na região da Rua 25 de Março, no Centro, também é possível observar edifícios construídos por sírios e libaneses com várias referências à arquitetura árabe”, diz Manzo.
Foi exatamente com o objetivo de destacar referências que o arquiteto e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Sami Bussab, elaborou, junto com os arquitetos Paulo de Melo Saraiva e Miguel Juliano a ideia vencedora de um concurso para o projeto do salão de festas do Esporte Clube Sírio, em São Paulo, em 1965. “Usamos arcos para compor o espaço, numa interpretação desse elemento árabe na arquitetura moderna”, explica.
Segundo Bussab, o Clube Monte Líbano, também na capital paulista, possui áreas internas adornadas com detalhes como desenhos no teto e no piso para homenagear as origens de seus frequentadores.
Também de origem árabe, o arquiteto, conselheiro do Instituto de Arquitetos do Brasil e diretor da Mútua São Paulo, Marcelo Hobeika, nasceu em Campinas, mas viveu no Líbano dos 03 aos 18 anos com a família. Para matar as saudades da terra de seus pais, onde, diz ele, as casas valorizam os pátios e espaços abertos, Hobeika gosta de circular pelo Centro de São Paulo. “Os arredores do Viaduto do Chá, sempre com muito trânsito e movimento de gente, me fazem lembrar o Líbano”, diz ele, com a autoridade de admirador da caprichosa arquitetura árabe desde pequenininho.