Roma – Só pelo título em italiano, o livro do escritor argelino Amara Lakhous chama a atenção dos leitores. Num país de maioria católica, nas vitrines das livrarias da Itália lê-se: Divorzio all’islamica a viale Marconi (Divorcio a islâmica na rua Marconi). Lançado pela editora Edizione E/O, o volume conta a história de um estabanado agente infiltrado, Christian – um siciliano que fala árabe perfeitamente por ter família na Tunísia -, que deveria descobrir os planos secretos de uma facção terrorista escondida na cidade. Na trama, ao invés de terroristas, Christian encontra amigos, a dura realidade dos imigrantes legais e ilegais que vivem no país e o amor.
O livro se passa num bairro de Roma conhecido pela populosa e falante imigração árabe: a região de viale de Marconi, no XV Município romano. O bairro é onde reside a maior comunidade muçulmana da cidade e no qual o próprio Lakhous viveu por quatro anos, de 2002 a 2006. O autor mora na cidade desde 1995, quando imigrou da Argélia. Além das peripécias de Christian, a narrativa envolve também Sofia (ou melhor, Safia, em árabe), uma simpática jovem mulher egípcia que veio para a Roma atrás das promessas do marido arquiteto, mas que em terras italianas só encontrou trabalho como pizzaiolo.
A dificuldade com os nomes é o primeiro dilema do agente Christian: na Itália, todos os árabes mudam de nome. Os italianos não entendem ou se recusam a compreender nomes árabes, assim como chineses, paquistaneses e filipinos. Safia, que levava o nome da mulher do grande estadista e ex-primeiro-ministro do Egito, Saad Zaghloul, virou Sofia, como Sofia Loren, brinca a protagonista. Said, o marido de Safia, é chamado de Felice e assim quase todos os personagens do livro. Até o próprio protagonista Christian, que se chama na verdade Issa. Uma parte da trama contada com leveza pelos personagens, mas com o olhar atento de Lakhous, formado em Filosofia na Argélia e Antropologia Cultural em Roma.
Imigrantes
Para descobrir o núcleo terrorista, Christian começa a freqüentar o estabelecimento Little Cairo, uma espécie de bar, internet point e central telefônica, de onde os imigrantes ligam para seus familiares. É lá que Christian faz suas amizades e entra na vida dos imigrantes ilegais. Conhece Mohammed, o marroquino, que trabalha como vendedor ambulante e não consegue renovar o visto para continuar na Itália. Mohammed vive fugindo da polícia e acaba sendo ajudado pelo agente Christian.
Na história, tem também Omar, o empreendedor bengalês. De acordo com Christian, cada imigrante é um pequeno empresário a serviço da grande empreitada da família, que continua no país de origem a espera do retorno – financeiro, claramente. Para a viagem de Omar, escreve Christian, a família desembolsou 10 mil dólares. O bengalês foi entregue a uma organização internacional de tráfico de pessoas. Para chegar na Itália, de forma ilegal, foram dois meses, passando pela Rússia.
Depois de 10 anos no país, o personagem Omar divide um quarto com outros 10 imigrantes, mas honrou o investimento da família. O que ganhou em Roma, escreve o autor, serviu para pagar a dívida da viagem, reformar a casa da família e ter dinheiro para o dote da irmã mais nova. Ficção um tanto quanto real.
Sociedade
As descobertas de Christian caminham junto com as de Sofia. A jovem questiona o matrimônio e o preconceito do marido, que não admite que a mulher trabalhe fora, e da sociedade ocidental, que não olha com bons olhos a sua escolha pelo uso do véu. De forma engraçada, irônica, Sofia luta contra os dois. Trabalha escondida do marido, como cabeleireira, paixão que alimenta desde criança, primeiro com as bonecas, e depois quando descobriu que toda mulher poderia ser loura, como Marilyn Monroe. E usa o véu. E é numa discussão, na feira, sobre o véu, que Sofia se aproxima de Christian, que a defende de um agressor. Do encontro improvável, nasce o amor.
Pouco o pouco o terrorismo vai para o segundo plano na trama e Lakhous faz um belo desenho da sociedade italiana atual e da problemática da imigração, território bem conhecido pelo autor, que dedicou sua tese de doutorado à imigração muçulmana na Itália.
Filme
Divórcio é o quarto livro do autor. O primeiro é de 1999, Le cimici e il pirata (O inseto e o pirata). Depois vieram Come farti allattare dalla lupa senza che ti morda (Como ser amamentado pela loba sem que ela ti morda) e Scontro di civilità per un ascensore a piazza Vittorio (Choque de civilizações em um elevador da praça Vittorio). Os dois primeiros foram publicados em árabe e italiano, o último, de 2006, venceu dois prêmios importantes na Itália. Foi traduzido, além do árabe, para diversas outras línguas e virou filme, dirigido pela cineasta italiano Isotta Toso e lançado na Itália no ano passado.