São Paulo – “O Al-Mu’tamid tinha sido poeta antes de ser rei, era um homem que aquilo que mais ambicionava era celebrar a vida na sua dimensão poética, através da escrita, e de repente teve que se ver com a guerra e com fazer a guerra”, afirma Carlos Gomes, o diretor de Poeta Rei, filme português que teve sua estreia mundial no Brasil, na 19º Mostra Mundo Árabe de Cinema, neste sábado (31).
Em entrevista à reportagem da ANBA, um dia antes da estreia, Carlos Gomes contou sobre a temática do filme e o quanto dele próprio há trafegando no enredo. O Poeta Rei não relata a história e as façanhas do rei Al-Mu’tamid, mas é, na verdade, quase que um diário do homem amante da escrita que no século 11 comandou o taifa de Sevilha, na Península Ibérica, com as guerras que isso demandava.
O filme partiu da experiência do cineasta, que se deparou com o livro “O Meu Coração é Árabe”, de Adalberto Alves, com poesias de séculos passados. Tocado pelo título, Gomes partiu para uma viagem pessoal de tentar entender o poeta rei Al-Mu’tamid, que tinha versos no livro e que, em uma época em que isso não se fazia, escrevia em primeira pessoa sobre como se sentia diante do pai, da vida e da guerra.
O filme mostra uma viagem do ator Adriano Carvalho nos tempos atuais por lugares onde Al-Mu’tamid viveu, enquanto o artista lê as poesias do poeta rei, em uma espécie de relato de vida e desabafo. “Os deveres de monarca sempre me expulsaram da proximidade com os homens”, diz o poeta na leitura do ator. “Feroz desperdício de vida”, afirma sobre a guerra. Al-Mu’tamid foi a última geração da dinastia, antes dos reinados do seu pai e do seu avô. Nascido em Portugal, ele morreu no Marrocos.
Carlos Gomes nomina o seu filme como road movie musical. Ao longo da viagem do ator se faz música em português, espanhol e árabe, contornando as culturas presentes ali. Para o cineasta, seu “O Poeta Rei” não é a história linear do Al-Mu’tamid e nem do ator. “É qualquer coisa que está entre os dois”, diz o diretor, ciente de que aquela também é a sua própria expedição atrás de Al-Mu’tamid. “Um alter ego da minha própria descoberta da personagem, da minha procura de quem era esse homem de séculos atrás”, afirma.
O achado do livro “O Meu Coração é Árabe” foi, na verdade, a segunda parte do capítulo da identificação do cineasta com os árabes, mesmo sem ter ele nos registros essa ascendência. A anterior foi em sua primeira viagem ao Marrocos, quando o sentimento de estar em casa se deu de imediato e o pranto violento o dominou na hora de deixar o país árabe. “Era como se eu estivesse saindo do meu lugar”. A família do cineasta é do Sul de Portugal, onde é natural se ter sangue árabe.
Mas Gomes vê nesse interesse por Al-Mu’tamid mais que a ascendência. “Eu acho que me encontrei com ele num ponto qualquer do universo, que não é este tempo, que não é nenhum espaço específico, é o cruzamento da minha vida e da minha existência com a dele”, afirma. O cineasta costuma pensar como Al-Mu’tamid agiria e se identifica com o conflito do poeta rei. O roteiro do filme é também de Carlos Gomes, mas tem como base o livro “Crônica Do Rei Poeta Al-Mu’tamid”, de Ana Cristina Silva.
Poeta rei do Brasil
O cineasta Carlos Gomes resolveu estrear “O Poeta Rei” no Brasil por ser onde teve o momento que chama de “mais extraordinário” com o concerto que criou sobre o mesmo Al-Mu’tamid. Em 2017, a Sala São Paulo recebeu o espetáculo Al Mu’tamid, Poeta Rei do Al-Andalus, o primeiro concerto com música de origem árabe no local, do qual Carlos Gomes foi o produtor e o diretor artístico.
“Tenho sentimento de dádiva, de gratidão para com a mostra, para com o Brasil, para com as pessoas que naquele momento me apoiaram”, diz, citando o acolhimento do Instituto da Cultura Árabe (Icarabe), que realizou o concerto com a Câmara de Comércio Árabe Brasileira e a Fundação Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), como parte da programação da Mostra Mundo Árabe de Cinema daquele ano.
A 19ª Mostra Mundo Árabe de Cinema começou na quinta-feira (29) e ocorre no CineSesc, em São Paulo, até 4 de setembro, com a apresentação de 11 filmes inéditos de países do Oriente Médio e do Norte da África. A mostra é uma realização do Icarabe e do Serviço Social do Comércio (Sesc), com patrocínio da Câmara Árabe, da Casa Árabe e do Instituto do Sono.
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