São Paulo – Mundo em pandemia, economia inflacionada e estagnada, guerra no coração da Europa e fluxos migratórios. O que o Brasil e os países árabes podem e devem fazer neste cenário complexo? Mediado por Carolina Larriera (foto acima), cofundadora do Centro Sérgio Vieira de Mello, o primeiro painel do Fórum Econômico Brasil & Países Árabes contou com seis participantes que trouxeram respostas para muitas dessas perguntas. Carolina, viúva de Sérgio Vieira de Mello, abriu a mesa destacando a longa relação entre Brasil e países árabes, lembrou de sua experiência vivida no Iraque como funcionária das Nações Unidas e os grandes eventos sediados nos países árabes, como a Expo 2020, em Dubai, a Copa do Mundo que vai ocorrer no Catar, e a COP 27, que acontecerá no Egito.
O primeiro a falar, o embaixador Rubens Barbosa, presidente do IRICE (Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior), destacou as três principais oportunidades que o Brasil deveria aproveitar para engrandecer a relação com os países árabes nesse momento de crise: segurança alimentar, logística e infraestrutura. “Os países árabes estão começando a comprar trigo do Brasil por causa da Guerra na Ucrânia, grande produtor e exportador de trigo”, destacou o embaixador. “Esperamos que o Brasil se torne autossuficiente em relação ao trigo e exporte cada vez mais, apostando em programas como o que prevê aumentar a produção de trigo no norte do Cerrado”.
Barbosa destacou ainda a importância de termos uma linha direta e permanente de transporte marítimo com o mundo árabe para escoar a produção. Por fim, lembrou que o país tem investido na renovação e em novas concessões de portos – de fundamental importância para aumentar o fluxo comercial entre o Brasil e os 22 países árabes.
Youssef Cherif, diretor da Columbia Global Traders, da Tunísia, traçou um rápido painel do mundo árabe hoje. Começou com o que ele chama de uma “imagem pessimista” ao lembrar que a Primavera Árabe, ocorrida há mais de dez anos, não trouxe a liberdade e evolução que se imaginava. Pelo contrário: surgiram mais regimes autoritários, guerras civis, intervenções externas – um cenário sombrio e de caos, resumiu. Por outro lado, lembrou que países como Emirados Árabes Unidos e Catar enriqueceram muito nesse período e investiram em suas populações. Outro ponto positivo foi o enfraquecimento do Estado Islâmico. Também destacou que antigos inimigos locais, que guerreavam entre si, em especial no Golfo, hoje fazem negócios, o que facilita para países de fora, como Brasil. Cherif encerrou lembrando que os países árabes têm muito a aprender com o Brasil, em especial na forma séria de se fazer negócios.
Novas fontes de energia
Uma perspectiva mais realista sobre novas fontes de energia pautou a fala de Omar Al-Ubaydli, diretor de pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos, Internacionais e Energéticos do Bahrein. Al-Ubaydli falou sobre como a transição de fontes fósseis de energia para fontes renováveis é cara e demorada. E trouxe um ponto interessante: grande parte da tecnologia desenvolvida nessa direção, mais sustentável, é feita por países de clima temperado e, quando usadas em países quentes como os árabes, tendem a não funcionar ou ter a eficácia reduzida. A poeira, por exemplo, muito comum em diversos países árabes, causa problemas em pás de energia eólica. O ideal, disse, é que essas tecnologias sejam desenvolvidas pelos próprios países árabes. “E como há muitos países com climas parecidos com os nossos, poderiam ser exportadas depois”, disse. Marrocos e Emirados Árabes Unidos têm investido nessa frente. “É uma chance de os árabes redescobrirem sua inventividade histórica”, finalizou.
Hora dos periféricos
O presidente do New Development Bank, Marcos Troyjo, trouxe um olhar otimista em sua fala. A despeito de quatro pontos convergentes que afetam o mundo todo hoje – pandemia do coronavírus; o pior desenvolvimento econômico desde a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929; a “estagnainflação” parecida com a dos anos 1970 e 1980 e a guerra na Ucrânia -, há um crescimento importante acontecendo em países periféricos. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o chamado E7 (composto por China, Índia, Brasil, Rússia, Indonésia, México e Turquia) vai ter um PIB combinado, em termos de paridade de poder de compra, de US$ 60 trilhões, enquanto o do tradicional G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá), será de US$ 49 trilhões.
“O E7 já é maior que o G7, e mesmo se você tirar a China de um lado e o Estados Unidos do outro, ainda assim é maior”, destacou Troyjo, que lembrou ainda que economias emergentes estão com previsão de crescimento robusto para esse ano, como Índia (de 8% a 9%) e Egito (5,5% e 6%). “Em 2021, o Brasil exportou mais para Singapura que para Alemanha, mais para o Egito que para a Austrália. Cadeias de valor estão sendo reescritas e o futuro está nos países emergentes.”
Mudou a mentalidade, mudaram os negócios
Não são apenas os eventos externos e geopolíticos que causam impacto e geram oportunidades. As mudanças acontecem também no micro, no dia a dia das pessoas, e novas tendências e comportamentos demandam uma nova forma de pensar. Rafael Cervone, presidente do Centro de Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e 1º vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), trouxe a experiência das empresas do setor têxtil com a nova forma de consumir, impulsionada em especial pela pandemia. “Hoje, há a possibilidade escolher uma roupa virtualmente, com a ajuda de um espelho digital, e ter essa roupa entregue em 17 minutos por um drone”, exemplificou.
Mudou a mentalidade, mudou o modelo de negócios. “Será um modelo cada vez mais enxuto, 100% digitalizado e mais próximo do consumidor, de forma a reduzir distâncias e impacto ambiental, colocando em xeque o modelo de China como fornecedora de roupa para o mundo todo”, disse Cervone. Segundo ele, em quatro anos, 40 mil empresas do estado de São Paulo serão capacitadas dentro desse novo modelo. Dentro das escolas mantidas pelo sistema FIESP/CIESP, como a rede Senai, mudou também a forma de educar, cada vez mais focada em “soft skills”: habilidades como resiliência, adaptabilidade, flexibilidade, inclusão de variedade de gênero, raça e idade.
Fechou o painel Alberto Pfeifer, coordenador executivo do Grupo de Análise Estratégica, da Universidade de São Paulo (USP), lembrando que digitalização e democracia devem caminhar juntas e que democracia não significa apenas votar, mas que cada um seja cada vez mais responsável pela boa governança do mundo. Pfeifer lembrou ainda outro “D” além da digitalização e democracia: a demografia. Os fluxos migratórios, provocados inclusive pelo aquecimento global e mudanças climáticas, dão novas configurações demográficas. “E falar de demografia é falar de gente, de relações humanas, que é o que move tudo o que estamos falando aqui”, salientou Pfeifer, encerrando o painel.
O Fórum Econômico Brasil & Países Árabes é realizado pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira em parceria com a União das Câmaras Árabes e apoio da Liga dos Estados Árabes, e patrocínio da Travel Plus, Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), Fambras Halal, Embraer, Parque Tecnológico Itaipu, Pantanal Trading, Embratur, Khalifa Industrial Zone Abu Dhabi (Kizad), Cdial Halal, Modern Living, BRF, Egyzone/AM Development, Antika/Openet BV, First Abu Dhabi Bank, Egyptian Financial & Industrial Co. (EFIC), Suez Company for Fertilizers Production (SCFP), Cooperativa Agropecuária de Boa Esperança (Capebe), Prima Foods e Afrinvest.
Leia mais sobre o fórum aqui.