Débora Rubin
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São Paulo – Durante os últimos quatro anos e meio, foi como se a vida tivesse parado. Quem estudava, parou. Quem cantava, silenciou. Quem trabalhava, descobriu o ócio. Os 108 palestinos que chegaram ao Brasil em diferentes levas desde setembro, viveram esses últimos anos em um acampamento para refugiados na Jordânia, Ruweished, no meio do deserto. Se fixaram a 70 quilômetros da fronteira com o Iraque, de onde fugiram em 2003, por causa da invasão norte-americana no país. Embora a grande maioria tenha nascido no Iraque, nunca chegaram a ter cidadania iraquiana. Ainda assim, tocavam suas vidas, embora com algumas restrições. Quando o governo de Saddam Hussein caiu, eles tiveram que fugir, acusados de "pró-Saddam" por milícias xiitas. E a vida nunca mais foi a mesma.
No campo de refugiados, sob a proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), eles não tinham liberdade para ir e vir. As casas eram, na verdade, tendas de lona. Sapateiros, marceneiros, músicos, acadêmicos, professores viraram simplesmente refugiados. A vida passava na TV e nas visitas que eles recebiam. Alguns ficaram separados de suas famílias nesse longo período, como dona Rashida, de 77 anos (leia mais sobre sua história na terça-feira, 13). Ela reencontrou filha e netos apenas na hora de vir para o Brasil. Para muitos, o campo era tal qual uma prisão, só que no lugar de grades, uma imensidão de areia.
"Quando saíam para fazer compras, era tudo controlado. Iam acompanhados por homens armados e tinham que fazer a compra em pouco tempo", conta Juliana Arantes Dominguez, uma das responsáveis pelo reassentamento dos palestinos que estão em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo. Ela faz parte da Cáritas, ONG parceira do ACNUR na empreitada. "Não à toa a ida ao supermercado virou uma diversão para eles aqui em Mogi." Muitos ainda chamam suas casas de tendas. E outros andam rápido pelas ruas, como se ainda houvesse escolta atrás deles.
No Brasil, o grupo se dividiu em duas partes: 52 seguiram para o Rio Grande do Sul, onde foram encaminhados para cidades como Sapucaia do Sul, Pelotas, Rio Grande, Santa Maria e Venâncio Aires. Oito solteiros que deveriam ir para o interior preferiram ficar em Porto Alegre mesmo. No sul, a ONG parceira do ACNUR é a Associação Antônio Vieira (ASAV). Karin Wapechowski, coordenadora do projeto, conta que todos passam uma semana na capital gaúcha para passar por um check-up médico e odontológico. E também para aprender um pouco mais sobre o país, o estado e os gaúchos no geral. "Apesar de uma reclamação ou outra, eles estão em lua de mel com o país. Não cansam de agradecer quando chove, por exemplo", conta Karin.
A outra parte, 56 pessoas, está em Mogi das Cruzes, sob os cuidados da Cáritas. Cada ONG trabalha à sua maneira, administrando os recursos enviados pelo ACNUR e buscando atender às necessidades individuais de cada um. É para a equipe dessas ONGs que eles ligam – todas as famílias receberam celulares – quando se sentem mal e querem ir ao hospital ou se estão insatisfeitos com o tamanho do sofá que receberam. E todos, os do sul e os de São Paulo, são obrigados a freqüentar as aulas de português três vezes por semana.
A perspectiva de vir para o Brasil representa um recomeço para todos eles. Há quem tenha se decepcionado de vir para cá, achando que ia para países de fala inglesa, como Canadá e Nova Zelândia, que também receberam refugiados. Os mais velhos, quase todos nascidos na Palestina, já não agüentam mais tanta andança. A língua portuguesa, tão diferente do árabe, ainda assusta. As panelas não são tão grandes como eles estão acostumados, assim como os espelhos. Os hábitos brasileiros são descontraídos demais, principalmente para os muçulmanos (a grande maioria).
Mas em menos de um mês, eles já estão se integrando. No Rio Grande do Sul, a enorme colônia palestina do estado – estima-se que sejam ao menos 30 mil pessoas – vem recebendo seus patrícios de braços abertos. Eles ajudam na tradução, na ambientação e até oferecem empregos (veja matéria na terça-feira, 13). Em Mogi, não só a colônia árabe e muçulmana, mas a cidade como um todo vem se empenhando em receber bem seus novos moradores.
E é em Mogi que sete jovens palestinos descobriram que é possível dialogar com brasileiros mesmo sem falar a mesma língua. Através de uma mesma paixão, o futebol, os meninos de lá se juntaram aos meninos de cá e formaram um só time. A história do Twister, o time de Mogi, é o tema da matéria de amanhã.