São Paulo – O grupo de cangaceiros comandado nos anos 1920 e 1930 por Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, não lutava por paz nem por justiça. Era formado por ladrões, assassinos e foras-da-lei bem armados que, graças à quase ausência de poder dos governos locais, se reuniram para acertar contas com desafetos, roubar, matar e saquear cidades. É assim que o livro "Iconografia do cangaço", que será lançado em maio em São Paulo, conta, por meio de imagens, a história de Lampião.
A obra reúne as fotos do único fotógrafo oficial do grupo de Lampião: o libanês Benjamin Abrahão. Ele acompanhou os cangaceiros pelo sertão nordestino e retratou em imagens seus hábitos, onde dormiam, rezavam, como se alimentavam e até como se divertiam.
Organizador de "Iconografia do Cangaço", Ricardo Albuquerque diz que a ideia de fotografar os cangaceiros partiu de uma conversa entre Abrahão e seu avô, Adhemar Albuquerque, que trabalhava como caixa do London Bank, em Fortaleza, e era apaixonado por foto e cinema.
Na época em que decidiram pela entrada do mascate libanês no cangaço brasileiro, Abrahão era secretário do padre Cícero em Juazeiro do Norte. Ele conheceu Lampião quando o cangaceiro e seu bando foram chamados por um político local para proteger a cidade da coluna Prestes, um movimento de políticos e militares que lutou contra tropas do governo para impedir a posse do presidente Artur Bernardes. Padre Cícero era amigo de Lampião porque o religioso protegia as irmãs do cangaceiro. Foi graças à relação do padre com Lampião que o imigrante foi autorizado a acompanhar o seu grupo.
Adhemar patrocinou a aventura de Abrahão em 1936. Sua ideia era que o libanês fizesse fotos e filmasse o bando, para que a produtora de Adhemar, ABA Film, fizesse também um filme sobre o cangaço. Deu errado: Abrahão voltou da viagem com imagens impossíveis de usar e até com filmes destruídos por formigas. Naquele ano Adhemar ensinou Abrahão a utilizar a máquina fotográfica, explicou quais os cuidados que deveria ter com os filmes e ensinou-o, também, a utilizar a luz do sol em seu benefício no momento de fotografar.
Ainda em 1936, Abrahão seguiu para outra aventura entre os cangaceiros. Ele retornou com o material no fim de 1936, mas, no ano seguinte, morreu assassinado em Recife e não viu o resultado do seu trabalho. Nem Lampião, que morreu em 1938.
"A ideia do meu avô era exibir o filme no Cine Moderno [em Fortaleza]. A primeira exibição seria em 1938, mas o departamento de censura do governo de Getúlio Vargas não o deixou exibir antes de assistir. Ele realizou uma sessão de cinema fechada para o governo, que proibiu a exibição do filme e apreendeu o original", afirma Ricardo. Adhemar tinha uma cópia do original, mas decidiu não exibi-la durante o governo de Vargas.
Esse material só seria utilizado novamente depois da morte de Vargas, em 1954, por um distribuidor alemão no Rio de Janeiro. Adhemar cedeu a cópia para Alexandre Wulff, que exibiu o filme pela primeira vez em 1955. Durante o período em que o filme ficou guardado com Ademar, algumas fotos, divulgadas por Abrahão, circulavam pela imprensa. As imagens pertencem ao Instituto Cultural Chico Albuquerque, que começou a trabalhar no projeto em 2003.
Nessa obra, além dos registros feitos pelo mascate libanês, há imagens de Lampião feitas no período que Ricardo chama de "pré-Abrahão". Nos anos 1920, dois outros fotógrafos, conhecidos como Maia e Lauro Cabral, fizeram algumas imagens do cangaceiro. Eram, geralmente, chamados pelos coronéis que também contratavam o grupo de Lampião para se proteger de outros forasteiros ou para atacar outros coronéis.
Fotos de Abrahão, de Maia e de Lauro Cabral estão em "Iconografia do cangaço", assim como a carta em que Lampião autoriza a realização das fotos. O livro também tem imagens das volantes, que eram as forças reunidas pelos governos para combater os cangaceiros. O filme que Getúlio Vargas confiscou também está no livro, em DVD. Aos 11 minutos originais foram acrescentados outros quatro minutos, recuperados pela Cinemateca Brasileira dez anos atrás. Ricardo fez uma nova montagem do filme com as imagens de Abrahão.
"Não havia idealismo nenhum na história de Lampião e dos seus comparsas ou adversários. Estar naquela situação era, para eles, questão de sobrevivência, porque queriam vingança, porque queriam justiça", diz Ricardo, que estima que nos momentos de maior força o grupo de Lampião teve 250 homens e até se dividiu em "subgrupos" espalhados por cidades como Juazeiro do Norte, no Ceará, e Mossoró, no Rio Grande do Norte.
"As fotos não prezam pelo estilo ou pela qualidade. Muitas estão desfocadas ou fora do enquadramento ideal. Coloco o material à disposição para ajudar historiadores em suas pesquisas e para quem tem o interesse de conhecer mais sobre o cangaço", diz Ricardo.
Serviço
Iconografia do Cangaço
Editora Terceiro Nome
Org. Ricardo Albuquerque
216 pp.
R$ 120
Lançamento previsto para 08/05/2012.